Transição energética e emprego:ser proactivo ou estar na defensiva?

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Giorgio Casulo*

É muito delicado falar da transição energética e da sua incidência no emprego porque se trata de um tema muito sensível, apresentando desafios para o futuro de toda a humanidade. Sensível, porque devemos pensar na situação dos trabalhadores hoje e na situação dos seus filhos daqui a poucos anos.  Sensível, porque devemos pensar nos problemas particulares de cada sector e ao mesmo tempo pensar no futuro de toda a sociedade. Sensível porque falar da transição energética obriga a falar da transição económica em geral. Dilemas a resolver!

Com efeito, desde os anos 70 do século passado que o mundo tem sido alertado pelos cientistas sobre os perigos do não respeito pelo ambiente e pelo clima, e ao longo destes anos os poderes empresariais e as grandes multinacionais conseguiram, com muitos meios, exercer uma pressão/lobby muito maior que os movimentos ambientalistas, sociais e sindicais nas Conferências da ONU – Organização das Nações Unidas. Assim, as grandes multinacionais e os capitalistas anteciparam sempre as medidas e as políticas relativas à proteção do ambiente e do clima, tal como agora as relativas às energias renováveis, consideradas como novos nichos de mercado onde lucrar. Os mesmos que vendiam antes o petróleo vendem agora as centrais eólicas e fotovoltaicas, o hidrogénio “verde”, etc. Os ataques ao ambiente não mudaram, os problemas foram piorando a nível mundial e os desafios tornaram-se cada vez mais urgentes para toda a humanidade. Em setembro de 2015, a ONU determinou a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e os seus 17 Objetivos (ODS) (https://unric.org/pt/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel/). Em dezembro do mesmo ano, outra Conferência da ONU veio responder à urgência climática avançada por vários painéis de cientistas do mundo inteiro, aprovando o chamado “Acordo de Paris”, que visa a redução das emissões de gases com efeito de estufa até 2030, afim de não chegarmos ao limite de 2 graus de aquecimento global.

 

Estamos a enfrentar um grande desafio

 Estamos a enfrentar um grande desafio mundial, porque para salvar o planeta e a humanidade precisamos de mudar de paradigma económico. Mas nem todos os Estados têm as mesmas condições para adequar o seu sistema económico de forma equilibrada, respeitando o ambiente e as condições sociais e de saúde das populações. Na União Europeia foram aprovados 3 objetivos comuns: redução da emissão dos gases a efeito de estufa (CO2) em pelo menos 40% até 2030, relativamente ao nível de 1990; aumentar, na produção das energias, as renováveis em 27%; e melhoria da eficiência energética em pelo menos 27%.  Com base nestas metas mínimas cada Estado adotou vários planos e estratégias nacionais. Portugal, em geral, não se portou mal. Além das políticas ligadas à redução das emissões de carbono, adotou também diversas estratégias, como a da economia circular, mais recentemente a Estratégia Nacional para a Adaptação às Alterações Climáticas, e assumiu um Roteiro para a Neutralidade Carbónica em 2050 (https://apambiente.pt/index.php?ref=16&subref=81&sub2ref=117&sub3ref=1620).

No Roteiro também se fala do “sequestro de carbono pelo uso do solo e florestas” que consiste principalmente na plantação de árvores e substituição das árvores abatidas. Em alguns países o novo negócio é a “Captação e armazenamento do CO2”, sendo que o problema é encontrar os locais herméticos para o armazenar, geralmente antigas minas, o que não será sem riscos de segurança para as populações vizinhas. Neste Roteiro, um dos objetivos principais é o “de promover uma transição justa e coesa, que valorize o território, crie riqueza, promova o emprego e contribua para elevar os padrões de qualidade de vida em Portugal”. São políticas bem elaboradas, mas sempre incompletas porque definidas do ponto de vista económico e competitivo, com a colaboração das grandes empresas e não dos sindicatos. As questões do emprego e do eixo social estão sempre minimizadas. Os trabalhadores e as populações não estão a ser ouvidas com seriedade! Houve “consultas públicas”, mas pouco foram aceites as sugestões e críticas levantadas pela sociedade civil, incluindo por alguns sindicatos. Mas, pergunto-me, estas problemáticas não deveriam ser tratadas no CPCS – Conselho Permanente de Concertação Social – onde os sindicatos têm assento? Não deveriam os sindicatos exigi-lo? E, nesse caso, os sindicatos têm algum plano para defender?

 

Transição energética justa e competitividade

Chegamos assim à “transição” energética. Ao nível nacional existe o Plano Nacional Energia-Clima 2021-2030 (PNEC 2030), adotado em dezembro de 2019 (ver https://apambiente.pt/_zdata/Alteracoes_Climaticas/Mitigacao/PNEC/PNEC%20PT_Template%20Final%202019%2030122019.pdf). Este Plano engloba as políticas e medidas nos grandes sectores essenciais em que se pretende usar mais eficientemente a energia, transitar para as energias renováveis e reduzir a emissão de carbono na atmosfera. Estes sectores são: a eletricidade, a mobilidade/transportes, os edifícios/construção, as indústrias, a agricultura, a floresta e uso do solo e os resíduos. O plano deve servir de “base importante para um entendimento inicial das implicações da transição para uma economia competitiva e de baixo carbono”. Tudo é definido em termos de competitividade e, portanto, acompanhado e visto com muito apetite empresarial para estes novos mercados. E, mais uma vez, as implicações nos aspetos sociais e de emprego, embora mencionadas nos objetivos, não mereceram nenhuma medida concreta.

Quem fala de “transição justa” não são as empresas nem os governos, são os sindicatos e as organizações ambientalistas. Foram eles que conseguiram incluir no Acordo de Paris a defesa da Transição Justa como um princípio transversal em todas as políticas nacionais. Depois, a CES – Confederação Europeia dos Sindicatos, coordenou um grande trabalho de pressão para que a Transição Justa fosse objeto dos apoios dos Fundos Europeus, nomeadamente para apoiar os planos de reconversão face ao encerramento de centrais térmicas a carvão e outras reconversões com impactos negativos no emprego. Para substituir as centrais termoelétricas que funcionam a carvão, grande emissor de CO2, aposta-se nas energias consideradas renováveis, que são: eólica, solar, ondas e marés, hídrica, biomassa, biogás, geotérmica e, infelizmente, o nuclear. Qualquer uma destas energias tem os seus aspetos criticáveis e os seus limites, nomeadamente em termos de modo de produção, transporte, armazenamento e preço de produção e de venda, como já sabemos.

Os dilemas que enfrentamos agora são múltiplos. Há anos que foi decidida esta reconversão e que os sindicatos estão a par destes objetivos e, em alguns países, envolveram-se e contribuíram no acompanhamento desta transição. Na verdade, nem todos os Países europeus dão a mesma importância à participação e contribuição dos sindicatos. Portugal não é como a Alemanha, a Suécia ou a Dinamarca. Mas não poderiam os sindicatos portugueses ser mais proativos e antecipar os avanços e as modernizações que esta mudança de paradigma económico impõe? Em vez de ficar na defensiva e reagindo somente quando o governo anuncia as suas medidas, noutros países os sindicatos anteciparam os encerramentos das centrais termoelétricas e as reconversões de empresas com propostas de faseamento e condições de transição justa para os trabalhadores, com planos de emprego, de mobilidade, recolocação, requalificação e propostas de criação de novas empresas. Para isso, parece-me importante discutir e articular os planos de transição entre todos os intervenientes locais, como as empresas, sindicatos, ambientalistas, associações locais e poderes autárquicos e ter em conta as perspetivas territoriais de desenvolvimento económico e social da região também relacionadas com as necessidades de mitigação e adaptação climáticas (já existem propostas de “empregos climáticos”).

 

O caso das centrais de Sines e do Pego

No caso da Central de Sines, que fechou no dia 15 de janeiro de 2021, independentemente do Governo ter antecipado o encerramento, os sindicatos não tinham preparadas propostas para uma transição justa. O dilema é que, por um lado, a emissão de gases com efeito de estufa será fortemente reduzido em Portugal, mas, por outro lado, o encerramento afetará cerca de 100 trabalhadores diretos, 400 indiretos e as suas famílias. Em termos de perspetivas, não sabemos ainda se nem como estes trabalhadores serão colocados na futura fábrica de hidrogénio anunciada pelo Governo. Os sindicatos ignoram o que se vai passar exatamente, não foram envolvidos na definição inicial do plano social de encerramento do Governo e da EDP. Diferente foi a situação da Central do Pego, que deve encerrar até novembro, porque sabemos que existiram contactos e discussões para preparar o plano social com os trabalhadores e sindicatos. Mas qual? Terá em conta as novas perspetivas de desenvolvimento local e regional relacionadas com as necessidades de mitigação e adaptação climáticas (vejam também as necessidades dos Planos Municipais de Adaptação Climática)?

Outro exemplo é a reconversão da Refinaria de Petrogal de Matosinhos em biorefinaria, defendida pelos sindicatos. A proposta é interessante, e poderão haver outras novas necessidades, como as mencionadas acima, a cobrir na região. O problema é pensar na situação de emprego de todos os trabalhadores, porque seguramente nem todos serão “recolocados” e por isso importa pensar também em planos de formação para requalificação para novos serviços ou empregos, reformas antecipadas, e na garantia de continuar a receber o valor correspondendo ao rendimento inicial.

 

Sindicatos mais proactivos

Pergunto-me se, a nível nacional e sectorial, os sindicatos não teriam interesse em antecipar a sua posição, com propostas concretas? Planos em que a problemática do emprego seja central e transversal. Planos sectoriais e territoriais que se baseiem nas localidades e regiões que sofrem os impactos da transição e os impactos das alterações climáticas. Todas as necessidades de eficiência energética e respostas aos novos desafios climáticos (inundações, calor, frio, tempestades, secas, …) vão potenciar muitos novos postos de trabalho (transportes, saúde, emergência, obras públicas, construção, etc.), e isto tem de ser pensado entre todos os intervenientes. Outro exemplo: sabemos que na indústria automóvel a produção de carros elétricos será acompanhada da redução e até encerramento da produção de veículos a combustíveis fósseis. Na Volkswagen de Palmela, os trabalhadores ignoram os planos da sociedade-mãe da Alemanha, mas sabem que nem todas a fábricas produzirão carros elétricos. Por isso, não seria importante os sindicatos da empresa anteciparem algumas perspetivas? Este é um assunto que diz respeito a toda a indústria automóvel em Portugal, que depende de outros países. Seria importante, para os sindicatos em cada empresa mas também para todo o setor, antecipar propostas e contributos para enfrentar os riscos futuros destas empresas e dos seus trabalhadores. E, mais uma vez, pensar nas potencialidades existentes e nas novas exigências de desenvolvimento económico, e nas respostas aos problemas climáticos da localidade e da região. Neste sentido, espero que os sindicatos portugueses se envolvam no grande debate europeu que decorre atualmente e que envolve os governos, as associações empresariais e sindicais sobre a constituição de um novo Contrato Socio-Económico-Ambiental. Temos de acreditar na prosperidade da nossa sociedade baseada nos princípios de um desenvolvimento sustentável, de forma equilibrada e justa para todos, em todo o mundo!

4 fevereiro 2021

*Técnico Superior de Segurança e Saúde no Trabalho;Técnico da CGTP Aposentado;Animador Social.

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