Trabalho digno numa economia social e ambientalmente sustentável

Conclusões de Seminário Internacional foram aperfeiçoadas nas últimas semanas e divulgadas pelos participantes e por diversas instituições nacionais e internacionais.Elas servirão de orientação para os próximos debates e ações de formação do CFTL e BASE-FUT.

.«Nos dias 19 e 20 de março de 2021 teve lugar em Lisboa o Seminário Internacional “Pelo trabalho digno numa economia social e ambientalmente sustentável”. Este seminário foi organizado pelo Centro de Formação e Tempos Livres (CFTL) e pela BASE – Frente Unitária de Trabalhadores (BASE-FUT), com o apoio do Centro Europeu para os Assuntos dos Trabalhadores (EZA) e da União Europeia. O seminário contou com a participação de membros de organizações de trabalhadores oriundos de Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Itália, Polónia e Portugal. Devido ao confinamento ainda em vigor em Portugal por causa da pandemia de COVID-19, o seminário realizou-se, em grande parte, no formato de videoconferência.

Desde meados do século XX, a temperatura média da Terra tem aumentado a uma escala e a uma velocidade que são inusitadas na sua história geológica recente. Este fenómeno de aquecimento global é uma ameaça séria à habitabilidade de vastas regiões do planeta. O degelo das calotas polares que dele decorre coloca ilhas e zonas costeiras em risco de erosão acelerada e mesmo de submersão. Além disso, leva a alterações profundas nos padrões climáticos, levando ao alargamento das regiões do globo atingidas pela desertificação e por um número crescente de fenómenos meteorológicos extremos, como inundações, ciclones ou secas prolongadas.

A comunidade científica é praticamente unânime na identificação do aumento exponencial da presença de gases de efeito de estufa na atmosfera da Terra como a principal causa deste fenómeno. Por sua vez, o volume de gases de efeito de estufa na atmosfera é explicado em larga medida por duas atividades humanas: a queima de madeira em processos de desmatamento e desflorestação; e a queima de combustíveis fósseis, como o carvão, o petróleo e o gás natural para a obtenção de energia.

Há que travar emissões de gases de efeito de estufa

As causas e consequências do aquecimento global são, pois, bem conhecidas. E a conclusão decorrente é simples: se quisermos que vastas regiões do planeta se mantenham habitáveis, temos de travar o crescimento das emissões de gases de efeito de estufa o mais rapidamente possível. Todavia, se reduzir as emissões de gases de estufa é um imperativo reconhecido por quase todos, a forma como o devemos fazer é um problema político complexo.

Em primeiro lugar, porque diferentes povos e diferentes grupos dentro de um mesmo povo não sofrem na mesma medida pelas consequências do aquecimento global. A urgência que os países do Norte da Europa sentem perante invernos anormalmente brandos não é a mesma que é sentida pelos países do Sahel que vêm diminuir todos os anos a sua área arável ou pelos países do Pacífico que veem o seu território desaparecer sob as ondas. Da mesma forma, a urgência que sente um trabalhador de escritório que pode ligar o ar condicionado numa vaga de calor não é a mesma que sente um agricultor afetado pela seca.

Depois, porque diferentes povos e diferentes grupos dentro de um mesmo povo não são atingidos da mesma forma pelas profundas mudanças económicas e sociais que são necessárias à redução de emissões. Para os países do centro do sistema económico mundial, o custo destas mudanças pode ser amortizado pelo capital acumulado em estádios anteriores do seu desenvolvimento. Já os países da periferia desse sistema sentirão que estão a ser privados de vias e meios de desenvolvimento de que outros já beneficiaram. Para um conglomerado económico que beneficia de apoios estatais generosos para desenvolver novas formas de produção de energia, a descarbonização é uma oportunidade de negócio. Para um trabalhador de uma mina de carvão ou de uma refinaria petroquímica que encerra, é algo que põe em risco a sua subsistência, a sua identidade e a sua dignidade.

O que temos que mudar na economia e na sociedade?

Ao longo destes dois dias debatemos duas questões fundamentais: o que temos de mudar nos nossos modos de organização da economia e da sociedade para travarmos o aquecimento global? E como podemos assegurar que os custos dessas mudanças não recaiam sobre os trabalhadores e sobre as periferias sistema económico mundial?

A janela temporal de que dispomos para travar um aquecimento global descontrolado é cada vez mais curta, o que obriga a um ritmo de redução acelerado e porventura mais rápido do que aquele que as políticas já existentes imprimem. Mas se a rapidez é necessária, é também fundamental que haja justiça e solidariedade no processo de transição. Só assim se poderá evitar que essa transição resulte na intensificação das desigualdades que já caracterizam as nossas sociedades.

Esta solidariedade tem de existir, desde logo, entre países e regiões. Os países do centro e as regiões mais desenvolvidas têm de liderar as reduções de emissões e não impor às periferias calendários e metas que não aplicam a si próprios. Ao mesmo tempo, são necessários mecanismos de transferência de recursos que assegurem o financiamento adequado de políticas que permitam o amortecimento dos impactos sociais das mudanças nos países e regiões periféricos e o adequado desenvolvimento de formas alternativas de produção e provisão de energia que não acentuem a sua dependência energética. Além disso, é fundamental impedir que o desenvolvimento e implementação de novas tecnologias de produção de energia resultem na reprodução da lógica extrativista que condena países e regiões a uma posição de meros produtores de matérias-primas – incluindo as agora cruciais para as aplicações dessas tecnologias, como o lítio ou as terras raras.

Justiça e solidariedade

 Mas é também necessária solidariedade no interior de cada país e região. Os trabalhadores – e em particular os trabalhadores dos setores de produção energética tradicional – não podem ser deixados à sua sorte. É o capital e não o trabalho quem tem retirado os principais benefícios de uma economia intensiva em carbono. Não pode, pois, ser o trabalho a arcar com os custos e perdas que inevitavelmente decorrem da descarbonização.

As limitações reveladas pelas aplicações efetivas da responsabilidade social das empresas, mostram que o setor privado, embora podendo dar uma contribuição relevante, não está vocacionado para conduzir esta transição. Uma transição justa exige, em vez disso, planeamento e investimento públicos para assegurar a criação de novos empregos de qualidade, a formação e requalificação dos trabalhadores e a salvaguarda dos seus rendimentos. E a única forma de garantir que estes esforços servem efetivamente o interesse dos trabalhadores é o envolvimento profundo dos seus representantes.

Ora, como demonstra o caso recente em Portugal do processo de encerramento da refinaria de Matosinhos e das centrais termoelétricas de Sines e do Pêgo, o interesse dos responsáveis políticos nesse envolvimento está longe de ser a realidade. Tal demonstra que são as organizações de trabalhadores que têm de impor esse envolvimento – e isso requer força política e social. Para tal, é necessário que os movimentos de trabalhadores criem alianças com outros movimentos sociais e, à cabeça, com os movimentos ecologistas e de defesa do ambiente.

Aliança forte entre movimentos de trabalhadores e de ecologistas

 Esta não é uma coligação fácil, dadas as diferenças na cultura institucional e na história das duas partes. Mas, como em qualquer aliança, movimento de trabalhadores e movimentos ecologistas precisam uns dos outros para aumentarem a sua capacidade para influenciar as políticas – e, neste caso, a transição.

Naturalmente que, para ser possível, esta convergência implica um alargamento da agenda de ambas as partes. Dos sindicatos, ela exige a passagem de uma preocupação predominante com a repartição dos ganhos do crescimento económico para uma perspetiva mais lata que contemple as questões da economia política e do ambiente. Dos movimentos ecologistas, pede a capacidade de olharem para o trabalho como uma atividade humana crucial e para o trabalho digno como elemento central em qualquer definição de desenvolvimento sustentável.

Uma aliança requer também pontos de convergência sobre os quais as partes possam trabalhar. Ao longo deste seminário, discutimos vários destes pontos. Um primeiro ponto de convergência é a luta pela qualidade do emprego e pelo aumento dos salários, onde uma reivindicação nuclear dos sindicatos se conjuga com o interesse do movimento ecologista de promoção de modelos de consumo sustentáveis.

Um segundo ponto de convergência é o da redução das cadeias de valor e de produção e da promoção da territorialização da economia, onde uma escala que favorece a proteção dos direitos dos trabalhadores e se encontram com as reivindicações de redução de emissões associadas ao transporte de mercadorias e de promoção da economia circular.

E um terceiro ponto ainda é a educação ambiental, onde os sindicatos são por um lado, um vetor crucial de sensibilização de desconstrução de discursos e preconceitos junto dos trabalhadores, ao mesmo tempo, precisam dela para poderem legitimar a sua agenda para o ambiente junto dos seus filiados.

Finalmente, uma aliança entre o movimento de trabalhadores e o movimento ecologista requer horizontes de concretização, não só de longo como de curto prazo. Neste aspeto, encontramo-nos num momento-chave. No próximo mês de maio teremos a realização da Cimeira Social do Porto, onde estará em discussão o plano de ação da Comissão Europeia para a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Ao mesmo tempo, temos em curso as discussões dos planos nacionais que concretizam o mecanismo europeu de recuperação e resiliência, onde a questão da transição justa assume uma posição de destaque. Esta coincidência temporal deve ser aproveitada para o aprofundamento do diálogo e para o estabelecimento de posições comuns – e, logo, mais capazes de influenciar as políticas e de garantir uma transição efetivamente justa. É esse o desafio que nos colocamos.

 

Lisboa, 20 de março de 2020.

 

 

Junta-te à BASE-FUT!