Salário mínimo europeu:combater a pobreza recuperando a negociação colectiva

com Sem comentários

A BASE-FUT é favorável à definição de critérios justos para o estabelecimento de um salário mínimo europeu.Está solidária com as posições da Confederação Europeia de Sindicatos (CES).Recentemente enviou a várias organizações europeias um texto com a sua posição que agora publicamos na integra.Não é uma posição fechada , mas sim a base para um debate mais alargado e participado.Eis o texto:

«Portugal dispõe já de uma longa experiência de aplicação de um salário mínimo mensal, tendo este sido criado logo a seguir à revolução democrática de 1974. O seu valor é fixado anualmente pelo Governo, após consulta aos parceiros sociais. Para 2020, o salário mínimo foi fixado em 635€ por mês, sendo que o programa do Governo prevê que atinja os 750€ em 2023.

Dada que a competitividade da economia portuguesa tem historicamente assentado na manutenção de baixos salários, o salário mínimo tem desempenhado um papel crucial na regulação do mercado de trabalho desde a sua criação.

Salário mínimo tem impacto positivo na vida dos trabalhadores mais pobres

O salário mínimo tem um impacto efetivo e imediato na vida dos trabalhadores com remunerações mais baixas. Mas a sua importância reside também no facto de se constituir como um referencial para a negociação coletiva. É através da negociação coletiva que os efeitos dos aumentos do salário mínimo se estendem aos restantes trabalhadores – em particular àqueles cujas remunerações estão apenas um pouco acima daquele limiar mínimo. O caso português é ilustrativo a este respeito. Uma parte intervenção da Troika (2011-2014) centrou-se no enfraquecimento da negociação coletiva, acompanhado pela estagnação do salário mínimo. Ora, o crescimento do salário mínimo foi retomado após 2015 e a uma média assinalável de 4.5% ao ano. No entanto, quase nada foi feito para recuperar a negociação coletiva no mesmo período. O resultado foi que o efeito de desdobramento se perdeu em larga medida. Se em abril 2011, a proporção de trabalhadores abrangidos pelo salário mínimo era de 9.4%, essa proporção em abril de 2017 atingia os 25.7%.

A experiência portuguesa oferece assim pistas importantes para a discussão do salário mínimo europeu. A proposta da comissão no salário mínimo europeu está centrada no salário mínimo enquanto ferramenta de combate à pobreza. Isto é compreensível e vai ao encontro às necessidades de dois grupos de países no interior da União. Nos países do Norte europeu, onde os estados-providência são avançados e as estruturas de negociação coletiva são fortes, o salário mínimo europeu é uma ferramenta relevante para prevenir casos mais ou menos esporádicos de exploração extrema que, de alguma forma, escapem entre as malhas da negociação coletiva e do diálogo social. Por outro lado, no Leste Europeu, o salário mínimo europeu pode constituir um importante elemento importante de melhoria das condições de vida do conjunto dos trabalhadores, face à fragilidade dos seus estados-providência e dos seus instrumentos de regulação do trabalho.

Combater a pobreza e recuperar a negociação colectiva

Estes são objetivos louváveis, e, como tal, a proposta da Comissão merece a nossa solidariedade. Temos de notar, no entanto, que a proposta reflete muito pouco sobre a componente que é mais pertinente em países do Sul da Europa: a relação entre o salário mínimo europeu e a negociação coletiva. Como o próprio texto da proposta reconhece, as estruturas de diálogo social e negociação coletiva sofreram nos últimos anos uma forte – e muitas vezes intencional – erosão na interior da União Esta erosão foi particularmente acentuada nos países que foram mais afetados pela crise das dívidas, como a Espanha, Portugal ou a Grécia. E esta componente é fundamental. Se pensarmos no caso Portugal, por exemplo, um salário mínimo europeu o pouco impacto terá, pois o salário mínimo nacional é uma ferramenta de política há muito estabelecida.

Para países como Portugal, a verdadeira vantagem de um salário mínimo europeu não virá do salário em si, mas do edifício legislativo e institucional que acompanhará a sua implementação e a sua monitorização – e, sobretudo, da forma como este edifício permitir devolver a negociação coletiva e do diálogo ao centro do debate e dos objetivos de política em cada estado-membro. Se ele for acompanhado por elementos como recomendações de política sobre a ligação do salário mínimo à restante estrutura de salários ou pelo estabelecimento de metas (com consequente recolha sistemática de informação) sobre qualidade e abrangência da negociação coletiva, podem assim transformar o salário mínimo europeu num importante elemento de revitalização do diálogo social».

 

 

 

 

 

Junta-te à BASE-FUT!