Fernando Abreu
O Jornal A BATALHA, porta-voz da Organização Operária portuguesa comemorou a 20 de Abril do corrente ano o centésimo aniversário da publicação do seu primeiro número. Editado, inicialmente, como semanário, passou a jornal diário em 1926, tornando-se caso único no panorama sindical português e internacional.
A passagem a jornal diário, proposta por um militante sindical, foi acolhida com ceticismo, tendo exigido aos dirigentes das Organizações Sindicais cerca de dois anos para amadurecimento da ideia e a criação das condições financeiras e organizativas que a iniciativa exigia.
Surpreendentemente, o anúncio de A BATALHA passar a diário criou uma onda de entusiasmo entre os militantes e dirigentes dos vários Sindicatos, Uniões e Federações que encorajaram a iniciativa, e, com elevado espirito de sacrifício e dedicação à Causa Operária, garantiram, em curto espaço de tempo, o êxito da subscrição das 1.000 cotas reembolsáveis no valor de 1 escudo destinado a constituir o fundo necessário ao arranque da edição diária.
A orientação do jornal amplamente discutida, traçou como objetivos fundamentais: a difusão do ideário do sindicalismo revolucionário e o noticiário dos casos de vida do “dia a dia” e do desrespeito dos direitos humanos, aprofundando suas causas e relevando as ineficiências do sistema social que as gera.
Um jornal de trabalhadores para trabalhadores
O diário A BATALHA nasceu, e foi durante os sete anos da sua existência um jornal de trabalhadores para trabalhadores: a voz dos sem voz, dos trabalhadores e do povo pobre, no qual, como se propunha na sua primeira edição:…os espezinhados encontram um defensor poderoso…”.
Como Porta-Voz da Central Sindical C.G.T. (Confederação Geral do Trabalho), é de realçar que os seus vários diretores e a maioria dos redatores eram trabalhadores de origem operária que se haviam formado “na escola da vida”. As exceções, a nível de redatores, terão sido as de Vitorino Nemésio (que à data exercia a profissão de repórter) e a do escritor Manuel Ribeiro que nele se iniciou como jornalista (viria a converter-se ao catolicismo para espanto dos seus companheiros de luta).
Não tinha, nem desejava ter, como conselheiros nem intelectuais, nem advogados, contaram, sim, com a sua disponibilidade no campo da formação de quadros e nas realizações culturais que promovia, indo o destaque mais notável para a colaboração de figuras gradas da Literatura portuguesa, nomeadamente de José Régio, Ferreira de Castro, Raul Proença, Mário Domingues, Rocha Martins, Tomás da Fonseca, no Suplemento Literário e Ilustrado que A BATALHA editou semanalmente entre 3 de Dezembro de 1923 e 31 de Janeiro de 1927, para valorização cultural dos seus leitores, na maioria trabalhadores.
O diário alcançou considerável aceitação e a sua tiragem média diária teve um crescimento rápido tendo, segundo alguns estudiosos da sua história, atingido entre 15 a 20 mil exemplares entre assinaturas e venda em banca. Números impressionantes se tomada em consideração que a Central Sindical contava com 150.000 aderentes, entre os quais número significativo de analfabetos, pelo que é de concluir que o jornal era comprado não só por sindicalizados mas também por outros extratos da população.
A história do diário, tal como a da CGT, na vigência da Republica, está repleta de tentativas de aniquilamento: prisão de diretores, redatores e gráficos, invasões de instalações com coronhadas da Polícia e da Guarda Republicana, encerramentos da redação, censura prévia, suspensões de publicação, buscas e intimidações.
Uma história de vida dura, sofrida, digna, heroica, com altos e baixos como é normal na existência das associações, sobretudo nas de trabalhadores. Após o apogeu seguiu-se o declínio. À repressão, acresce erros de estratégia e de dogmatismo puro e duro, dissidências internas e a divisão sindical ocorrida na sequência da Revolução Russa de 1917.
A CGT e o seu porta-voz, inicialmente, saudou e defendeu com entusiasmo e elevadas expectativas a afirmação do poder dos trabalhadores que a Revolução Russa prometia, sem deixar, no entanto, de manifestar reservas face aos excessos do processo revolucionário. Porém, como era de esperar de libertários, a partir de 1921 distanciou-se, irreversivelmente, dada a orientação estatista e centralizadora que os bolchevistas imprimiram à revolução, posicionamento este que, inevitavelmente, teve como consequência a divisão do Movimento Sindical e uma violenta conflitualidade entre anarco-sindicalistas e comunistas.
Morra a ditadura! Viva a Liberdade!
Aproximava-se 28 de Maio de 1926, e a inevitável “guerra total” contra a CGT e A BATALHA que na sua edição de 1 de Junho de 1926 proclamava a toda a largura da sua primeira página: ”MORRA A DITADURA! VIVA A LIBERDADE!.
A 30 de Junho de 1926 já a censura mandava apreender o jornal, em 1927 é suspenso por 54 dias e a 26 de Maio de 1928 é publicado o seu último número, dia em que os “esbirros da ditadura” invadiram e destruíram completamente as suas instalações.
O diretor, Mário Castelhano, após 17 dias de prisão em Junho de 1927, volta a ser preso em Outubro do mesmo ano, sendo deportado sucessivamente para Angola, Açores e Madeira. A 16 de Janeiro de 1934 é preso e violentamente espancado, e a 16 de Janeiro de 1934 e por ter participado ativamente na greve revolucionária contra a, ditadura é julgado na Casa de Reclusão da Trafaria, assumindo com frontalidade e dignidade ”…a responsabilidade dos atos de que o acusavam e também dos que eram atribuídos a outros, e fê-lo tão corajosamente que os julgadores não ocultaram o respeito que lhes provocou tal atitude”, o que não impediu a sua condenação a 20 anos de prisão.
Deportado novamente para os Açores, é daqui que, na companhia de sindicalistas e republicanos, é deportado para o Campo da Morte salazarista, o Tarrafal, onde, após grande sofrimento, morre a 12 de Outubro de 1940, aos 44 anos de idade.
Em Abril de 1934 é publicado o 1º. Número de A BATALHA na clandestinidade, dedicado à crítica da Legislação Corporativa que repudia em termos violentos. A 31 de Maio do mesmo ano a tipografia clandestina é apreendida, passando a ser publicada esporadicamente.
Apos o 25 de Abril, reaparece sob a direção do inestimável amigo Emídio Santana, antigo dirigente da CGT, também ele um resistente e sobrevivente do Campo da Morte salazarista. A redação funcionou, a título provisório, na sede da Base-FUT (na Rua de São Bento, em Lisboa) que, solidariamente, disponibilizou espaço para reunião.
O Movimento Operário português, independentemente das diferenças ideológicas, tem o dever histórico de respeitar e de consagrar o esforço heroico dos seus irmãos de trabalho que, não procurando honrarias ou benesses, sacrificaram a sua vida e a dos seus familiares ao serviço da promoção e a dignificação do trabalho e dos trabalhadores.
Recordando-os com sentida emoção e esperança, soletramos do seu hino:
SURGINDO VEM AO LONGE A NOVA AURORA
Fernando Moreira de Abreu
Lisboa, 21 de Agosto de 2019