O direito ao descanso inclui a obrigação a desconectar?

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O direito à desconexão ganhou maior pertinência nos últimos tempos por causa do teletrabalho obrigatório.Este direito ou obrigação já era abordado por juristas, sindicalistas e cientistas sociais antes da pandemia covid 19.Em França e noutros países europeus, entretanto, já se tinha avançado sob ponto de vista legal no quadro da qualidade do trabalho e da compatibilidade entre a vida familiar e profissional.Em Portugal, entre 2017 e 2019, existiram várias propostas parlamentares e, depois do debate, tudo ficou em águas de bacalhau».

Há quem defenda que este direito não tem grande pertinencia se os horários de trabalho forem cumpridos.Porém, sabemos que as grandes mudanças tecnológicas transformaram a natureza do trabalho moderno e que existe em muitas profissões uma hiperconexão dos trabalhadores com constantes solicitações das chefias e gestores não salvaguardando as necessárias fronteiras entre vida familiar e profissional e até o direito à privacidade e ao descanso.

Por outro lado, a experiência tem demonstrado que esta hiperconexão força o trabalhador a ritmos de vida e de trabalho que podem conduzir ao stresse crónico , ansiedade e exaustão com todas as consequências ao nível da saúde física e mental do trabalhador. .Estudos  e inquéritos da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho e da Fundação Dublin, entre outros, revelam que as doenças relacionadas com o stresse laboral estão a aumentar nas sociedades modernas.

Poderemos então falar em direito e obrigação à desconexão?Sim, efectivamente não basta que se estipule o direito do trabalhador a desconexar se, em contrapartida, não se estabelece essa obrigação às empresas.O direito á desconexão é hoje parte essencial do direito ao descanso,um direito constitucional.O não respeito do descanso do trabalhador pode ,inclusive, ser considerado assédio.Foram nesta linha algumas propostas parlamentares em 2017, pese a oposição das associações patronais.Todavia, dada a ambiguiade de algumas propostas, os projectos ficaram pelo caminho até hoje.

Como concretizar o direito a desligar na prática?

A melhor maneira de estabelecer este direito será ao nível do código do trabalho e da negociação colectiva através nomeadamente de convenções e acordos de empresa.Por enquanto esta matéria não aparece nas reivindicações  das principais organizações sindicais.Debate-se o banco de horas e outras matérias de horários de trabalho mas esta questão não tem sido reivindicada.Em parte porque a CGTP tem algumas reservas sobre este tema.Efectivamente, se a regulamentação não for correcta, podemos estar ainda a flexibilizar mais os tempos de trabalho e abrir brechas maiores no direito ao descanso.No entanto, temos um novo quadro social com milhares de trabalhadores em casa em teletrabalho.

Mas como se pode concretizar este direito?Obrigando legalmente as empresas a cumprir os tempos de trabalho estabelecidos e instituirem mecanismos próprios que permitam a desconexão nomeadamente desligando ou bloqueando o correio electróncio e telemóveis e  dando directivas às chefias ,aos gestores do departamento de pessoal,para que sejam respeitados os tempos de lazer e descanso dos trabalhadores.Para além da lei, que deve estabelecer os principios básicos, cada empresa pode elaborar códigos e acordos negociados com as organizações representativas dos trabalhadores sobre esta matéria.

Tais mecanismos permitem que o trabalhador não se sinta coagido e esteja efectivamente desconectado quando está no seu tempo de lazer e repouso.Caso contrário , se este direito não for uma obrigação da empresa o trabalhador, sempre numa posição de desvantagem, nunca se deconectará com medo de não atingir os objectivos, de ser mal avaliado pela chefia e ,em última instância, perder o emprego.

Esta questão ganhou  mais força no quadro do teletrabalho obrigatório.São muitos os trabalhadores que se queixam de que estão a trabalhar mais porque em casa não fazem uma separação clara entre o tempo de trabalho e a vida pessoal e familiar.Ora,esta é uma questão central para centenas de milhar de trabalhadores que não foram voluntáriamente para o teletrabalho.Estas questões não podem ser deixadas á mera autoregulação das empresas.Haverá empresas que apostam na saúde dos trabalhadores.Todavia ,existem outras que não têm essa preocupação.

No entanto, para além do que se possa estipular na lei é muito importante a ação de informação e da tomada de consciência dos direitos.Enquanto trabalhadores também temos que aceitar que« desligar do trabalho» é muito importante para o equilibrio da nossa saúde e e harmonia familiar e social.Também aqui é necessário prevenir comportamentos que criam depedências das tecnologias.

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