Conclusões do seminário da BASE-FUT sobre a partilha da riqueza e do poder

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«O nosso seminário centrou-se sobre as três ferramentas que, historicamente, se revelaram como as mais eficazes no combate às desigualdades: a democracia no local de trabalho; os sistemas fiscais marcadamente progressivos; e as estruturas abrangentes de negociação coletiva»-referem a dado momento as conclusões do Seminário Internacional da BASE-FUT que, após o evento, ainda tiveram  contributos de vários participantes.Eis o texto na íntegra:

Nos dias 20 a 23 de Fevereiro de 2020 teve lugar na Praia Grande, em Sintra, o Seminário Internacional “Partilhar a riqueza e o poder – Mais democracia no trabalho” organizado pelo Centro de Formação e Tempos Livres e pela BASE – Frente Unitária de Trabalhadores com o apoio do Centro Europeu para os Assuntos dos Trabahadores (EZA) e da União Europeia. O seminário integrou o projeto de seminários “O futuro do trabalho: transformando as relações de trabalho” e contou com a participação de membros de organizações de trabalhadores oriundos de Espanha, Itália, Lituânia, Polónia, Bélgica e Portugal.

As desigualdades cresceram nas últimas décadas

As últimas três décadas testemunharam um crescimento rápido das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento na Europa e no resto do mundo. Este crescimento das desigualdades tem sido concomitante com o acentuar do desequilíbrio entre a remuneração do capital e a remuneração do trabalho – em prejuízo deste último – mas também do contraste com a estagnação dos salários reais da vasta maioria dos trabalhadores e o crescimento explosivo das remunerações de um conjunto muito restrito de superquadros – como gestores e estrelas dos media, do espetáculo e do desporto.

Esta situação não viola apenas o nosso mais básico sentido de justiça social, mas acarreta consequências extremamente perniciosas para o futuro das nossas sociedades e das nossas democracias. Com efeito, todas as evidências apontam para que as sociedades mais desiguais sejam também aquelas que apresentam menor mobilidade social e as que apresentam piores indicadores de saúde, de tolerância à diversidade, de bem-estar e de felicidade. Mas o crescimento das desigualdades e a decorrente concentração da riqueza acarreta igualmente riscos sérios de captura das nossas democracias por parte das elites financeiras e económicas.

A concentração de poder económico traduz-se inevitavelmente em concentração de poder político, que se revela na capacidade de legitimação e naturalização da desigualdade, de defesa de políticas reprodutoras de desigualdade e de promoção social e política dos muito ricos. Ao mesmo tempo, o crescimento das desigualdades alimenta fenómenos de ressentimento, alienação e desespero, criando um terreno fértil para o crescimento do apoio ao autoritarismo e a manifestações abertas de intolerância, racismo e de xenofobia.

O nosso seminário centrou-se sobre as três ferramentas que, historicamente, se revelaram como as mais eficazes no combate às desigualdades: a democracia no local de trabalho; os sistemas fiscais marcadamente progressivos; e as estruturas abrangentes de negociação coletiva. A aplicação destas ferramentas permitiu que a Europa se constituísse, após a II Guerra Mundial, como um exemplo de progresso social e económico face ao resto do mundo. E foi o enfraquecimento destas ferramentas que desde os anos 1980 que agora coloca esse exemplo em perigo.

Democracia no trabalho beneficia  bem estar dos trabalhadores e  produtividade

A democracia no local de trabalho e participação dos trabalhadores nos processos de decisão das instituições onde trabalham é hoje vista em termos que oscilam entre a perplexidade e a hostilidade. Tal é, em parte, o resultado histórico da ação de coligações sociais e políticas adversas que procurarem cercear essa participação – como aconteceu com o movimento cooperativista em Portugal. Mas muito se deve ao triunfo paulatino de visões monistas da gestão, que, ao não reconhecerem a diversidade de interesses entre trabalhadores e administrações, desvalorizam a importância das formas de ação coletiva e o diálogo social. Isto é tanto mais lamentável quanto os estudos demonstram que a participação dos trabalhadores traz benefícios claros ao nível da produtividade, da satisfação no local de trabalho e da segurança e da saúde no trabalho. É por isso urgente facilitar o acesso dos sindicatos aos locais de trabalho e promover uma cultura de participação no interior das empresas e restantes instituições empregadores.

Fiscalidade pode ser instrumento importante na distribuição da riqueza

A progressividade dos sistemas fiscais é outra ferramenta central de combate à desigualdade. Um dos avanços civilizacionais mais marcantes dos últimos dois séculos foi a transformação do imposto de forma de extorsão destinada a garantir a capacidade repressiva e militar dos estados num mecanismo de redistribuição. Com efeito, os sistemas fiscais progressivos atuam contra a desigualdade de duas formas: directamente, fazendo recair sobre os mais ricos taxas mais elevadas de imposto; indiretamente, utilizando as receitas assim arrecadadas para financiar as funções sociais do estado (educação, saúde, segurança social, cultura, ambiente) e serviços públicos de acesso universal que garantem o bem-estar da população. Infelizmente, esta ferramenta tem sido minada nas últimas décadas pelo crescimento da importância de impostos regressivos (como o IVA), pela reduzida tributação da riqueza improdutiva (rendas, património, mais valias) e do capital financeiro, pelo planeamento fiscal agressivo por parte das empresas e de diversos promotores, pela concorrência fiscal entre estados e jurisdições – mesmo no interior da União Europeia – e pela persistência dos paraísos fiscais.

A fragilidade da tributação do capital e do património é de tal ordem que, em Portugal, se chegou ao ponto de Taxa Social Única ser atualmente mais eficaz do que o próprio imposto como forma de garantir alguma forma de contribuição por parte das empresas. É assim urgente intensificar a progressividade na tributação do rendimento, alargar o seu âmbito à tributação das rendas e do património, defender uma maior harmonização fiscal no interior da União Europeia – nomeadamente apoiando a proposta de diretiva sobre a matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades – devendo as organizações de trabalhadores lutar pela taxação justa das transações financeiras e pressionar e apoiar os esforços da União Europeia e da OCDE no combate à evasão e elisão fiscal. E é também urgente que as organizações de trabalhadores realizem uma pedagogia do imposto progressivo como ferramenta crucial de combate à desigualdade.

Centralidade da negociação colectiva no combate à desigualdade

Finalmente, importa sublinhar a centralidade da negociação coletiva no combate à desigualdade. A negociação coletiva permite alcançar contratos setoriais que estabelecem os termos de referência para os trabalhadores e empresas em termos de salários e condições de trabalho. As vantagens da contratação coletiva são evidentes para os trabalhadores. Sem ela, os trabalhadores ficariam à mercê da sua entidade empregadora, que assim teria ampla margem para lhes impor as condições que desejasse. Mas é vantajosa também para as empresas, que assim evitam o dumping social e a concorrência desleal entre si.

Infelizmente, a contratação coletiva é um dos alvos preferenciais das políticas neoliberais. Foi o que sucedeu em Portugal na primeira metade da década de 2010, onde o ataque à contratação coletiva se constitui como um dos pontos centrais do programa de ajustamento promovido pela Troika. O resultado foi uma quebra drástica na assinatura de novas convenções e no grau de cobertura das mesmas. Tão profundo foi este efeito, que a contratação coletiva não recuperou até hoje nem os números nem a qualidade pré-intervenção. A situação é de tal forma grave que acaba por minar os efeitos do aumento do salário mínimo, impedindo que este se traduza num aumento generalizado dos salários.De facto, a proporção de trabalhadores em Portugal abrangido por este patamar mínimo cresceu consideravelmente nos últimos anos, atingindo os 20% em 2019. É por isso fundamental recuperar a dinâmica da contratação coletiva, alargando o número de trabalhadores e as matérias por ela abrangidas.

Este seminário conclui assim que a promoção e a defesa destas três ferramentas devem estar no centro da agenda das organizações de trabalhadores e que todos os esforços devem ser feitos para a difundir entre os seus membros e entre os trabalhadores em geral. Só com um esforço intenso, alargado e coordenado a nível europeu será possível influenciar a discussão pública nesta matéria e inverter a preocupante tendência de crescimento das desigualdades.

Junta-te à BASE-FUT!