Liga Operária Católica, quase com 90 anos, prepara congresso com objetivos bem atuais

Brandão Guedes*

Nos dias 7 e 8 de Junho, no Seminário diocesano de Leiria, vai ter lugar o XIX Congresso da Liga Operária Católica(LOC/MTC). Segundo documento desta Organização histórica da Igreja Católica, publicado no mais recente número do «Voz do Trabalho, o XIX Congresso Nacional serve para «aprofundar a consciência da realidade ao nível mais global e efetuar o discernimento do que fomos capazes de fazer em especial nos últimos 3 anos e identificarmos novas tarefas à luz da realidade, encontrando novas respostas para os desafios do presente.»

Os objetivos do XIX Congresso são atuais

E podemos ainda ler no referido texto: «Perante as dificuldades que hoje vivemos, ele (o Congresso) tem de ser um marco e um reforço das nossas convicções, da nossa unidade, da nossa diversidade de experiências e ações. Este espaço de debate, de convívio e partilha, é fundamental para o mundo do trabalho e da Igreja, em que cada um tem um papel insubstituível.

“A realização do Congresso é dizer quem se é. Dar conta das razões da nossa existência e da esperança que nos anima e não é uma formalidade. É um ato de fé coletivo, que exige uma expressão adequada, credível e compreensível pelo mundo dos trabalhadores”

E renovam-se os votos que esta Organização de militantes cristãos defende há quase um século: «Sempre na perspetiva de alcançar maior justiça para o mundo do trabalho, sempre em busca de caminhos de solidariedade e de promoção coletiva dos operários e das classes mais desfavorecidas no meio operário, sempre no sentido de propor, anunciar, evangelizar, DIGNIFICAR.»

As prioridades da Organização serão atualizadas no Congresso de junho e já estão sinalizadas: «O TRABALHO; fardo pesado para muitos e as suas realidades mais marcantes e que perduram ao longo dos tempos, mas também os desafios novos que coloca.

MIGRAÇÕES; a busca de melhores condições de vida, a exploração dos trabalhadores migrantes, as diferentes vivências e culturas, o combate aos estereótipos e à desinformação e a defesa dos direitos humanos.

HABITAÇÃO; O drama dos tempos que vivemos, os preços, a falta de habitação acessível, a especulação, os despejos, os direitos a terra, teto e trabalho de todos, todos, todos.

A CIDADANIA; a época que vivemos, o individualismo, a despersonalização, o consumismo desenfreado, a perda de valores essenciais entre os povos, a luta pela igualdade de direitos e deveres.»

Uma Organização que nasceu num contexto de miséria proletária

A Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos vai fazer em 2026 uma história de 90 anos de vida e de ação no nosso País! Em 1933 nasceu a Ação Católica Portuguesa, inspirada na «Rerum Novarum», de Leão XIII, precisamente quando Salazar estava a construir a sua ditadura e o seu sistema corporativo! Com a repressão da greve geral de 1934 o ditador aproveita para dar a machadada final no Movimento Operário e Sindical livre animado pela Confederação Geral do Trabalho tranquilizando assim o patronato das grandes empresas. Antecipando-se aos grevistas por informações policiais, o regime coloca o País, a 17, 18 e 19 de janeiro de 1934, em estado de sítio aproveitando para prender centenas de sindicalistas, e ilegalizar o sindicalismo livre. Dezenas foram para a prisão do Tarrafal, onde morreram de forma terrível!

Nesta perseguição ao sindicalismo livre Salazar tinha outro objetivo que foi a instituição de sindicatos nacionais únicos controlados pelo Estado. O governo, ou seja, a ditadura, faria a gestão do conflito entre trabalho e capital através de uma rede do aparelho estatal – o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência! Cedo se revelou que o Estado geria os conflitos a favor do patronato e a miséria estava do lado da classe operária.

Dirigentes e Assistentes eclesiásticos da Ação Católica Operária ainda tentaram criar sindicatos cristãos nesse início da década de 30 do século passado. Foram protagonistas desta estratégia os padres Boaventura Alves de Almeida, Abel Varzim e Manuel Rocha que tinham estudado na Bélgica e olhavam de forma crítica para a ditadura. Abel Varzim seria mesmo o primeiro Assistente Eclesiástico da então criada Liga Operária Católica. Ao longo das décadas seguintes existiu sempre uma tensão entre o militantismo operário católico e a ditadura que de algum modo tinha «comprado» a colaboração da Igreja Católica.

Será bom recordar essa memória porque entre ilusões, desilusões, reivindicações arrojadas para a época e muitos atos corajosos se foram forjando gerações de militantes que desaguaram no 25 de Abril, em sindicatos livres e numa Igreja mais livre! Uma memória que ainda terá de ser muito mais estudada!

Temos que constatar, porém, que entre compromissos e confrontos com a ditadura os militantes operários católicos estiveram imbuídos das melhores intenções, ou seja, defenderam os interesses e direitos da classe trabalhadora à sua maneira e num contexto complexo, e, por vezes, sem o apoio da Hierarquia Católica, tendo por base a fé em Jesus de Nazaré! São esses interesses e direitos dos trabalhadores que a LOC/MTC continua a defender!

 Uma Organização com quase 90 anos é atual?

Numa primeira avaliação poderíamos dizer que o atual contexto mundial e nacional é favorável à ação dos militantes cristãos no mundo do trabalho. Existe um renovado interesse pelas questões da religião, nomeadamente pela ação e posições da Igreja Católica! Há muito tempo que a comunicação social não se interessava tanto pelo que diz ou não diz o Vaticano. O papado de Francisco foi especialmente acompanhado, tendo esse Papa as simpatias de crentes e ateus. Digamos mesmo que, aparentemente, e apesar dos casos de abusos sexuais nas Igrejas, a animosidade contra os militantes cristãos já foi maior noutras épocas! Noutros tempos, nomeadamente na ditadura era comum apelidarem estes militantes de «papa hóstias», «beatos» e outros mimos!

Com as Jornadas da Juventude dinamizou-se novamente uma certa dimensão do catolicismo de massas, embora de caráter efémero e periódico!

No entanto, ninguém espera hoje que os movimentos cristãos ligados ao mundo do trabalho venham a ser novamente organizações de massas. Os seus animadores e dirigentes sabem que os «Movimentos» hoje são Organizações de quadros, de cristãos dedicados à defesa dos direitos dos trabalhadores, com formação e ação concreta em locais concretos, nomeadamente de trabalho ou de paróquia! As equipas locais de «revisão de vida» são centrais na estrutura.

A sua abordagem da realidade – VER, JULGAR E AGIR- continua a ser atual e é enriquecida hoje pelo desenvolvimento das ciências sociais! Mas esta metodologia leva os cristãos à crua realidade dos conflitos laborais concretos e é necessário ter «estofo», ou seja, uma fé bem esclarecida. É uma prática muito diferente da que alguns Movimentos cristãos têm, muito mais litúrgicos e caritativos no sentido restrito.

Esta situação, Movimentos de militantes, que se acentuou a partir da década 60 do século passado, não invalida que estas Organizações possam ser influentes no mundo do trabalho, nomeadamente no sindicalismo e na participação nas diversas organizações sociais. Há, sim, que renovar e tornar atrativos esta ação e este compromisso! Melhores tempos virão, certamente!

  • Dirigente da BASE-FUT, estudioso dos Movimentos Operários e Sindicais e do Catolicismo Social.

 

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