A JOC portuguesa na luta pela liberdade

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Os 90 anos de história da JOC portuguesa incluem algumas décadas vividas em ditadura. O Movimento JOC nascido numa altura de consolidação do Estado Novo foi percebendo a natureza repressiva e autoritária desse regime. Lembramos nesta cronologia alguns dos acontecimentos mais marcantes da luta pela liberdade onde a JOC ou militantes seus participaram ativamente:

Em 1946 o jornal católico «O Trabalhador» é suspenso e o Padre Abel Varzim, um dos fundadores da Ação católica Operária sofre um processo de marginalização. O jornal regressa em 1947, mas é fortemente atacado pelo governo que considera que a publicação escreve ao estilo marxista. O atual «Voz do Trabalho» da LOC/MTC é o digno sucessor daquele Jornal publicado e proibido pela Ditadura.

Em 1948 o Padre Abel Varzim deixa todos os cargos na Ação Católica e Cerejeira, pressionado pelo Governo, afasta o Padre incómodo!

Em dezembro de 1950 o Padre Abel Varzim organiza em Lisboa o Iº Congresso dos Homens Católicos tendo como objetivo divulgar a doutrina social. O Ministro da Justiça da altura abandona o Congresso por discordar de algumas intervenções críticas.

Ainda em 1950 a JOC realiza uma Semana de Estudos e uma concentração de 5000 jovens jocistas mostrando a sua inserção no mundo do trabalho. Diversos dirigentes estagiam na Bélgica e participam no Congresso Jubilar da JOC internacional.

-Em 1951 Manuel Bidarra, dirigente da JOC, critica a situação nacional em Congresso internacional Católico em Lisboa e é demitido da Ação Católica.

Em 1955 realiza-se o Primeiro Congresso da JOC recebido com surpresa e suspeição pelo regime. Realiza-se no Instituto Superior Técnico com a participação de 1000 jovens trabalhadores e trabalhadoras e a presença do fundador da JOC monsenhor Cardjin. Método de «ver, julgar e agir». Alguns pensaram que o Congresso serviria para fundar um partido democrata cristão. Os jornais restringiram a cobertura jornalística, sendo proibida a publicação de conclusões e de um jogo cénico previsto para o Pavilhão dos Desportos. A JOC torna-se objeto de vigilância pelo sistema repressivo do regime. O jornal o «Juventude Operária» é visado pela censura porque descia a questões concretas que afligiam a classe trabalhadora.

-Em maio de 1958 e no contexto das eleições para Presidente da República, um grupo de 28 personalidades conhecidas nos meios católicos escreve uma carta ao diretor do jornal «Novidades», ligado á Igreja e defensor do regime, para não tomar posição por nenhum candidato. Pela JOC assinavam João Gomes e Manuel Serra. Esta carta junta as diferentes sensibilidades dos católicos oposicionistas. Algumas destas pessoas pensam em organizar centros semiclandestinos de informação. Eng. Lino Neto foi um dos mais aguerridos ativistas acabando por ser chamado à PIDE e interrogado.

Em julho de 1958 aparece a famosa carta do Bispo do Porto D. António Ferreira Gomes. Afirma que o corporativismo foi um meio de expoliar os operários do direito natural de associação. A resposta de Salazar foi uma campanha contra o «Bispo vermelho».

 

Ainda em 1959 aparecem dois documentos assinados por católicos conhecidos. Um de solidariedade com o Bispo do Porto e outro denunciando a repressão e os métodos torturadores da PIDE. Ainda este ano ocorre a Revolta da Sé comandada por militares, mas com a participação de civis, nomeadamente Manuel Serra e João Gomes, ex-militantes e dirigentes da JOC nacional e internacional. Os objetivos principais são derrubar a ditadura e fazer eleições.

No final do ano de 1959 Salazar insiste na remoção do Bispo do Porto que considera referência e líder das oposições e, mesmo removido a contragosto pela Santa Sé, não o quer em território nacional. O Bispo não passa na fronteira de Vigo.

-Em janeiro de 1962 dá-se o malogrado golpe de Beja para derrubar a ditadura começando pelo assalto ao quartel de Beja. O organizador civil da insurreição é o ex-jocista Manuel Serra. O comando militar pertencia ao capitão Varela Gomes.

-Ainda em 1963 é criado o Centro de Cultura Operária (CCO). Destina-se á formação de sindicalistas e animadores católicos, estando ligado à Liga Operária Católica e à JOC.

O Centro de Cultura Operária recebe apoios da Confederação Internacional dos Sindicatos Cristãos, da CFDT, da OIT e do Instituto Superior de Cultura Operária da Bélgica. Está aqui o embrião do que ainda na clandestinidade viria a ser o Movimento «BASE» e mais tarde com a liberdade a BASE-Frente Unitária de Trabalhadores.

-Em 1964, no aniversário da «Pacem in Terris», é criada, por um grupo de católicos, a PRAGMA-Cooperativa de difusão cultural e ação comunitária. A cooperativa veio a ser encerrada pela PIDE em 1967 provocando vários abaixo-assinados de ativistas católicos. No Porto tinham também nascido as editoras «Confronto» e Afrontamento».

Em 1967 o Centro de Cultura Operária (CCO) inicia a publicação dos «Cadernos de Cultura Operária» que se tornaram emblemáticos pela sua forma pedagógica e conteúdo emancipador. Seriam também censurados e vigiados pela ditadura.

Em 1968 ocorre uma rutura significativa no CCO ao vingar a tese de que os ativistas católicos do mundo do trabalho deveriam agir em conjunto com os outros ativistas crentes ou não crentes. A fação derrotada defendia a criação de sindicatos católicos.

A primeira corrente foi defendida por Fernando Abreu na altura vice-Presidente da Direção Geral da Liga Operária Católica e a segunda por Alfredo Morgado secretário-geral do CCO. A primeira direção leiga da Ação Católica de 1966 a 1970 é marcada por uma contestação à linha tradicional. Fernando Abreu é diretor do Centro de Cultura Operária que articula com uma estrutura clandestina a BASE cujo nome público é Biblioteca de Assuntos Sociais e Económicos. Nesta estrutura participam pessoas como o Nuno Teotónio Pereira, Vítor Wengorovious e José Manuel Galvão Teles. Rede de contactos do CCO abrange a Associação Cristã de Trabalhadores Italianos integrada na Federação Mundial dos Trabalhadores Cristãos. Em 1973 o CCO assumirá uma posição anticapitalista e de empenho na construção de um regime político em que «o povo tenha o poder de decisão. Marcelo Caetano terá ponderado a extinção do CCO.

No início da década de 70 aprofunda-se a radicalização da JOC em vários países, nomeadamente em Portugal e no Brasil onde existiam governos repressivos e os seus militantes e alguns padres aderem inclusive a movimentos clandestinos de luta armada. Tais situações deram origem a grandes tensões com a hierarquia católica.

Em 1970 é criada a Intersindical após várias reuniões de dirigentes sindicais da oposição das correntes comunistas, católica e socialista.

Ainda em 1969 católicos fazem vigília pela Paz na paróquia de S. Domingos de Benfica, Lisboa. O ato, que coloca em causa a guerra colonial, teve repercussões religiosas e políticas. No final deste ano é criada a Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos Portugueses com ampla participação de católicos conhecidos, alguns deles ligados ao CCO e à BASE.

A 30 de dezembro de 1972, na Capela do Rato, também em Lisboa, seria anunciado um período de reflexão de cerca de 48 horas sobre a Guerra Colonial. Os promotores, cristãos e não cristãos, declaravam manter-se em greve de fome até 1 de janeiro de 1973 como forma de solidariedade com as vítimas da Guerra Colonial. Ainda no dia 31, as forças do regime entrariam na Capela do Rato e procederiam à detenção dos presentes. As repercussões desta vigília e do seu desfecho seriam assinaláveis, tanto em Portugal como nas Colónias.

Em outubro de 1973 realiza-se um novo Encontro do CCO, o último antes da Revolução de 1974, onde se fala na denúncia da sociedade capitalista e o compromisso na construção de uma sociedade em que «o povo tenha o poder de decisão».

Em outubro de 1974 realiza-se o último Encontro do CCO já num quadro de liberdade, após o golpe militar e popular de 25 de Abril. O comunicado final refere que o grupo «BASE» concretizou já formas organizativas e tem expressado através da sua ação conceções e perspetivas (de edificação de uma sociedade sem classes) e de cultura( a libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores) idênticas às do Centro de Cultura Operária (CCO) pelo que os representantes das equipas deste por unanimidade decidiram «participar conjuntamente com a BASE no Encontro Nacional de 1 a 3 de Novembro convocado com o objetivo de criar um Movimento que lute pela libertação dos trabalhadores nas várias frentes. O Comunicado refere também que deve assegurar-se a continuidade da designação de «Centro de Cultura Operária», passando este a ser património do novo Movimento.

Vários militantes da JOC ou já militavam ou aderem a grupos políticos de natureza socialista radical (FSP, PRP, MÊS), e outros no Partido Socialista e no Partido Comunista. Bastantes deram o seu contributo ao sindicalismo livre e democrático e foram dirigentes sindicais quer na CGTP, quer na UGT.

Embora hoje a JOC não se apresente como um movimento juvenil de massas ela deu e continua a dar um importante contributo ao regime democrático, na luta pela justiça e no trabalho cívico e formativo de jovens estudantes e trabalhadores que se referenciam aos valores cristãos e ao ideal jocista que, há cem anos, Cardjin anunciou na Bélgica.

Será que chegou o tempo de repensar toda a pastoral no mundo do trabalho, incluindo as tradicionais formas de organização? Para responder a tal questão seria necessário um debate alargado sobre o que foi e o que quer ser o empenhamento da Igreja Católica no mundo do trabalho! Pelo que vemos, lemos e ouvimos as perspetivas não são animadoras. Será que vem aí algum sopro do espírito?

Elementos retirados de Cronologia de Ações dos Movimentos Católicos elaborada por Fernando Abreu e António Brandão Guedes

 

 

 

 

 

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