Por Maurice Joyeux
Há documentos que atestam a fundação da Associação Internacional de Trabalhadores a 28 de setembro de 1864, ou seja, há 154 anos.Foi na altura um trabalho extraordinário tendo em conta as diferentes correntes que atravessavam as jovens organizações de trabalhadores de cada país.Foi uma experiência inédita de unidade e que teve impacto social e político em toda a Europa e nas Américas.Os ricos e poderosos temeram pela primeira vez na História os trabalhadores organizados.Os seus dirigentes e militantes participaram em debates constantes e momentos históricos de alguns países como a Comuna de Paris a Guerra Franco Prussiana, e as lutas pelas oito horas.
«A constituição de um organismo de ligação internacional havia sido um ato de fé.Quando, dessa aglutinação confusa, foi preciso extrair um conjunto de princípios e uma linha de conduta comum com todas as secções nacionais, começaram as dificuldades.
Da capacidade Política das Classes Operárias e do Princípio Federativo de Proudhon, inspiraram os representantes da secção francesa que vêem a emancipação operária por meio da generalização do «Mutualismo».Quanto aos blanquistas, mal desembaraçados dos «grandes princípios de 89» praticam um nacionalismo agressivo e sonham levar o socialismo na ponta das baionetas a toda a Europa.
Encerrados na sua ilha, a imensa maioria dos sindicatos ingleses tenta construir uma economia à margem do seu capitalismo, bem como do movimento socialista europeu, ao mesmo tempo que, pela pessoa interposta de Marx,esse génio gótico,inicia-se essa lenta ascensão que desembocará na centralização da organização internacional e será o prelúdio ao «centralismo democrático» inventado por Lenine.
Em toda a parte, na Itália, na Bélgica, na Holanda, na própria Alemanha, o Movimento socialista oscila entre a colaboração com os liberais em governos burgueses e o carbonarismo.O romantismo revolucionário ainda não viu a sua exuberância corrigida por um estudo sério da economia, ou melhor,pelos estudos sérios da economia-surgidos até então e que são obra de Proudhon ou Marx-que são negligenciados pois limitam a aventura revolucionária, não desprovida de ambições pessoais, com que sonham os políticos emanados da burguesia e que se juntaram ao socialismo.
A Grécia, a Polónia, a Itália, tantos problemas nacionais que mascaram o verdadeiro problema, o problema de classe que a Internacional deve resolver; e o próprio Bakunin não escapará, por um certo tempo desse lirismo, nacionalista, posto em moda por Byron, e que gangrena a democracia radical e socialista do século XIX.
Começos difíceis
Antes dos seis meses de criação da internacional já surge um conflito entre a secção parisiense e o Conselho Geral de Londres trabalhado á surdina por Marx.
O bureau internacional designou para representá-lo na França, Henry Lefort, um republicano socialista que não pertence ao movimento operário.Tolain e Fribourg recusam ao Conselho Geral o direito de imiscuir-se na organização e na administração interna da secção francesa.
O Conselho Geral é apenas o coração da associação;só o congresso será sua cabeça.Eles serão ouvidos.
Na confereência que se realiza em Londres, em 1865,e que consagrou a predominância da secção francesa na Internacional produz-se um outro importante acontecimento.Pela primeira vez, ao lado de Tolain, tem assento um outro operário encadernador, Eugène Verlin.
Mas é o Congresso de Genebra, em 1866,que será determinante para a Internacional. Marx escreve a Engels, em relação a isso: «Estou decidido a fazer aqui o que puder pelo sucesso do Congresso de Genebra, mas sem participar nele, subtraio-me, desse modo, de toda a responsabilidade pessoal». Quando , na abertura do Congresso, anunciam que Marx recusou-se a ser delegado, Tolain sobe á tribuna para declarar: «como operário, agradeço ao cidadão Karl Marx por não ter aceitado a delegação que se lhe oferecia…Creio ser útil mostrar ao mundo que somos avançados para agir por nós próprios». E aí se coloca claramente a separação entre o movimento sindical e o movimento socialista que, ainda hoje, opõe o Movimento operário revolucionário aos marxistas e aos comunistas, em particular.
Esse Congresso iria ver a entrada tumultuosa dos blanquistas na Internacional na qual eles atacaram violentamente Tolain.Enfim as resoluções do Congresso traçam as grandes linhas do que será, trinta anos mais tarde, o programa de acção das Bolsa do trabalho.O Congresso decide que o Conselho geral estabelecerá estatísticas das condições de trabalho em todos os países.
Ele constata que o primeiro passo com vistas á emancipação operária é a jornada das oito horas.Todavia, o congresso termina num fracasso da delegação francesa, que se opõe aos «trabalhadores do pensamento»;uma emenda de Tolain que exige, para votar no Congresso,a condição de ser operário manual é rejeitada por 25 votos contra 20.
O Congresso separa-se condenando os exércitos permanentes.A importância do congresso será constatada por todos, e já se vê esboçar o que serão as grandes linhas do sindicalismo revolucionário.
Na delegação francesa, além dos mais mutualistas observamos Eugène Verlin, Benoit Malon,Aubry, Albert Richard e um jovem delegado da Suiça, James Guillaume.
No Congresso de Lausanne, e 1867, a preeminência da secção francesa ainda é clara, mas as tendências que vão confrontar-se deixam advinhar o que vai ser a orientação da Internacional nos anos seguintes.Os «mutualistas» afrontam os colectivistas que preconizam « a entrada do solo na propriedade colectiva e a abolição da herança»;estes últimos são apoiados pelos ingleses, pelos belgas e pelos alemães.César De Paepe será seu porta-voz.
Os franceses e os italianos permanecem partidários da propriedade individual.A decisão é adiada para o próximo Congresso e a Assembleia decide apoiar o Congresso da Paz e designa james Guillaume para representá-la(Congresso de transição).Isso não impede que Marx escreva a Engels o seguinte:«Na próxima revolução ,nós dois teremos a Internacional em nossas mãos».
Uma vez mais o «profeta» engana-se; a próxima revolução, que será a Comuna, escapará completamente de seu controle, e seu despeito de não poder dominar a Internacional o levará a destruí-la.
O impulso decisivo
O Congresso de Bruxelas (1866) marcaria uma reviravolta decisiva na orientação da Internacional.Uma nova comissão substitui, em Paris, Tolain e seus amigos, condenados pelo tribunal correccional.Ela compreende Eugène Varlin, cuja influência tornar-se-á predominante, Benoit Malon, Théisz, Pindy, futuros membros da Comuna e igualmente Richard e Audry, blanquistas que evoluíram para o movimento operário.Eles reivindicam um comunismo antiestatista.Opõem-se a Tolain, reclamando a instrução gratuita e obrigatória e a igualdade dos direitos da mulher.Os mutualistas opunham-se ao exame dos problemas políticos.Varlin e seus amigos, apoiados por De Paepe farão triunfar uma teoria que permanecerá aquela do sindicalismo e que a Carta de Amiens retomará.
Para eles os sindicalistas não podem desinteressar-se dos problemas políticos que os concernem, mas a resolução desses problemas depende, de início, dos trabalhadores que os examinam e encontram para eles uma solução fora dos partidos políticos.Situando-se, assim, equidistantes dos reformistas e dos marxistas, eles fixam um ponto decisivo da doutrina anarco-sindicalista.
O Congresso termina com a seguinte declaração do Presidente Dupont:«Não queremos governo porque ele só serve para oprimir o povo.Não queremos mais exércitos permanentes porque eles só servem para massacrar o povo,não queremos mais religiões porque elas só servem para apagar as luzes e aniquilar a inteligência»…
O Congresso realizado em Basileia, em 1869, confirma e completa o Congresso de Bruxelas.O socialismo colectivista impõe-se ao mutualismo.Para afastar o reformismo do kmovimento sindical, Bakunin, Marx e Blanqui associaram-se.Blanqui declara:« Os homens da legalidade abaixam a cabeça, mas os homens da igualdade erguem a cabeça».Todavia, na realidade,o Congresso é dominado por uma maioria de comunistas não autoritários.Ante duas minorias, os mutualistas e os marxistas, a maioria adopta o princípio da abolição da propriedade fundiária e do direito de herança.
Os mutualistas Tolain e Murat são derrotados.Os marxistas apresentam então uma emenda redigida por Marx, limitando apenas o direito de testamentar.Essa emenda é igualmente rejeitada e pode dizer-se então que o comunismo antiautoritário, o comunismo libertário dominano Movimento operário internacional.E Engels escreve a Marx:«o gordo Bakunin está por trás de tudo isso, é evidente.Se esse maldito russo pensa colocar-se por meio de intrigas à frente do movimento operário, é hora de coloca-lo fora da condição de prejudicar».
Mas é na carta de Verlin, publicada em Le Commerce que se esboçam claramente as três tendências.Ele escreve:«A Internacional é e deve ser um Estado no Estado.Que ela deixe esses moverem-se a seu belo prazer enquanto aguardamos que o nosso estado seja o mais forte.Então sobre as ruínas deles colocaremos o nosso.»E Luis Pindy apresenta claramente o problema da sindicalização:«O agrupamento das sociedades de resistência(ou sindicatos) formará a comuna do futuro e o Governo será substituído pelo conselho dos corpos de ofício.»É o que diria Pierre Besnard em seu magnífico discurso do Congresso de Lille em 1921.É o que dizem todos aqueles que reivindicam eficazmente o anarco-sindicalismo.
Enfim, a resolução final do Congresso de Bruxelas conclui-se por esta frase de Louis Pindy:«O regime do salariato deve ser substituído pela Federação dos produtores».A Internacional está então no seu apogeu e é Benoit Malon que constata que «em todos os lugares a ideia da Internacional arde como um rastilho de pólvora».
Mad a guerra vai, segun-do a bela expressão de Dolléans,romper o ímpeto.
O declínio
A guerra franco-alemã de 1870 vai esquartejar as tendências que se suportavam com dificuldade na Internacional.Os blanquistas comprazem-se expondo seu tema favorito, o nacionalismo, e Marx pode constatar amargamente numa carta a Engels:«Envio-te Le Réveil;verás nele o artigo do velho Delescluze;é puro chauvinismo»; e Jules Vallès deixou-nos em L,Insurgè algumas páginas intensas sobre a atitude dos trabalhadores influenciados pelo jacobinismo, no dia da declaração de guerra.
Todavia Marx, na mesma carta, acrescenta esses comentários que pintam muito bem o Personagem:
A França precisa de ser espancada. Se os prussianos forem vitoriosos a centralização do poder do Estado será útil à centralização da classe operária alemã.A preponderância alemã, além do mais,transportará o centro de gravidade do movimento operário europeu da França para a Alemanha.
E conclui:
A preponderância sobre o teatro do mundo do proletariado alemão sobre o proletariado francês será, ao mesmo tempo, a preponderância de nossa teoria sobre aquela de Proudhon.
E Engels responde por essas frases que deveriam ser gravadas na memória de todos os militantes operários:
Minha confiança na força militar cresce a cada dia.Fómos nós que ganhamos a primeira batalha séria.Seria absurdo fazer do antibisbarckismo nosso princípio director.Bismarck, neste momento como em 1866 (esmagamento militar da Áustria) trabalha para nós a seu modo.
Enquanto esses políticos odiosos se congratulam dessa maneira repugnante, as duas alas proudhonianas, a ala mutualista e a ala comunista antiautoritária reconciliavam-se publicando contra a guerra um manifesto que permanece a honra do movimento operário revolucionário.Por sua vez o Conselho Geral da Internacional em Londres publicava um manifesto equívoco no qual se sentia a influência de Marx, onde se concluía por esta frase válida que não pode fazer esquecer outras mais contestáveis:
A Classe operária inglesa estende a mão fraterna aos trabalhadores franceses e alemães.Ela está intimamente convicta de que, qualquer que seja o resultado dessa horrível guerra, a aliança das classes operárias de todos os países acabará por matar a guerra.
Marx em resposta ao manifesto pela paz dos trabalhadores franceses tem a audácia de escrever a Engels ao falar dos internacionais parisienses que haviam assinado o manifesto pela paz:
Esses indivíduos que suportaram Badinguet durante vinte anos e que, há seis meses não puderam impedir que ele recebesse seis milhões de votos contra um milhão e meio(o que entre nós representava aproximadamente a classe operária dessa época) essas pessoas sustentam agora-porque as vitórias alemãs presentearam-lhes uma República, e que República-que os alemães devem abandonar imediatamente o solo sagrado da França, caso contrário, guerra total.Aqui Marx lança ao mar seus amigos blanquistas.
A Comuna de Paris e sua derrota iriam acentuar a decadência da Internacional devastada pelas facções.A acção da Internacional durante a Comuna foi sem grande eficácia;Marx e seus amigos não desempenharam qualquer papel na grande insurreição parisiense e, em seguida, Marx tentou acomodar a insurreição ao seu molho.O bureau das Trade-Unions de Londres recusou engajar-se e o único apoio que receberam os communards foi o dos Proscritos reivindicando o romantismo socialista.
É verdade que a Comuna foi obra do jacobinismo, do qual diziam ser partidários e dos internacionais franceses.Engels escreve: e por uma vez estamos de acordo com ele:«Os responsáveis por todos os decretos, maus ou bons, foram os proudhianos, assima como a responsabilidade dos atos políticos cabe aos blanquistas» embora seja necessário constatar que os internacionais da Comuna não eram mutualistas que,com Tolain,haviam-se juntado aThiers, mas os comunistas antiautoritários.
O desmoronamento
Após a Comuna a luta entre Bakunin e Marx assumirá uma aspeto dramático.O conflito simplificou-se.Duas tendências dividem a internacional.De um lado, os comunistas anti autoritários com Bakunin; do outro, os comunistas autoritários com Marx.
Uma ínfima fracção condizida por De Paepe esforça-se em vão pela conciliação.Livre dos internacionais parisienses, Marx, na Conferência de Londres de 1871, faz votar uma moção que anuncia o fim da intermacional:«A constituição do proletariado em partido político é indispensável para assegurar o triunfo da revolução social».O movimento sindical está morto e Marx apressa-se para assumir sua sucessão, entretanto,uma vez mais, o movimento sindical renascerá e se erguerá contra os políticos.
A cisão será consumada em Haia,em 1872,com a exclusão de Bakunin e James Guillaume.
Sob a proposição de Marx e Engels, o Conselho Geral é transferido para Nova Yorque.Durante dez anos a Internacional dominou a História Europeia.
*Escritor francês