Fernando Abreu*
Prestes a completar 83 anos de existência a LOC/MTC realiza nos dias 8 e 9 de Junho próximos o seu XVII Congresso. Fundada em 1936, a Liga Operária Católica é, a par da Juventude Operária Católica, um Movimento da Igreja no Mundo Operário. Um Movimento de trabalhadores, dirigido por trabalhadores, que como escreveu o falecido Cardeal Policarpo: “…não abandonaram, nem renegaram, o realismo do mundo do trabalho; procuraram repassá-lo da frescura evangélica, caminho de justiça, de fraternidade, de luta pela dignidade da pessoa humana”.
Como sucede com todos os movimentos, a LOC também teve, ao longo do seu percurso histórico, períodos distintivos da sua atividade, devendo ser tido em consideração que cerca de metade da sua existência foi vivida em ditadura e que a hierarquia da Igreja, o clero e os católicos, maioritariamente, estavam comprometidos ou acomodados ao regime político derrubado pela Revolução de 25 de Abril.
Não obstante as referidas condicionantes, pode-se afirmar que a LOC, cujos três primeiros dirigentes nacionais eram trabalhadores ferroviários, nasceu e desenvolveu-se como Movimento fiel à missão espiritual da Ação Católica e, por opção de classe, ao compromisso de “recondução dos trabalhadores à posição social a que tem direito”.
Desde os primórdios da sua fundação, a LOC empenhou-se com determinação na defesa dos interesses e dos direitos dos trabalhadores, tendo sido relevante a luta pelas 8 horas, o descanso semanal ao domingo e o salário familiar, reivindicações estas que, difundidas e ampliadas pelo Porta-Voz do Movimento, o jornal O Trabalhador, alcançaram significativo apoio das massas trabalhadoras gerando o ódio do patronato e a perseguição dos governantes que, alarmados com a vigorosa e fundamentada oposição ao corporativismo estatal, decidiu, em Novembro de1967, proibir definitivamente a publicação do arauto do operariado com era considerado, ferindo gravemente o movimento locista..
Por outro lado, na sequência de orientações emanadas pela Junta Central da Ação Católica, que tinha como desígnio a conversão do corporativismo estatal, os filiados da LOC entraram “em força” nos sindicatos estatais assumindo muitos deles cargos diretivos com a objetiva intenção de os colocarem ao serviço da defesa dos interesses dos trabalhadores, porém, dada a inoperância sindical imposta pela ditadura, as massa trabalhadoras passaram a acusar as direções sindicais de traição, motivo pelo qual o Conselho Geral de 1943 decidiu recomendar aos seus filiados o abandono dos cargos de direção sindical, decisão esta que, por tardia, não conseguiu reparar os efeitos desprestigiantes que o seu envolvimento com o corporativismo comportou.
Na sequência do referido Conselho e por ocasião da habitual apresentação de cumprimentos, os dirigentes nacionais da LOC são surpreendidos com a crítica do Cardeal Patriarca à orientação do Movimento, a que se seguiria o afastamento do Assistente nacional, Pe. Abel Varzim, e, na prática, a redução da atividade da LOC à esfera meramente religiosa.
Não obstante o sentimento de desilusão e frustração, os dirigentes nacionais do Movimento continuaram a assegurar a condução do Movimento garantindo a sua continuidade, e com muita dedicação, fé e esperança resistiram à crise desenvolvendo novas e criativas formas de intervenção sem nunca descurarem as preocupações sociais. Apesar desta crise que remeteu a LOC “ às catacumbas” é nesta fase que é criado o “Socorro Operário” um Serviço em que os militantes procuravam nos seus meios de vida vender o jornal do Movimento, porta a porta, tentando, ao mesmo tempo, angariar ajuda solidária para trabalhadores com menores recursos, fundada no Porto a Cooperativa do Lar Operário Católico que construiu 108 casas, em Lisboa, reativada a Cooperativa Popular de Portugal (consumo), iniciada a organização das Semanas de Férias para trabalhadores com escassos recursos, tendo em Fevereiro de 1949 começado a publicar o novo jornal do Movimento com o título de “Lutador Cristão”, o qual em Fevereiro de 1953 foi substituído pelo Voz do Trabalho, além de esboçar a atualização das atividades religiosas do Movimento: recoleções, retiros e de carater formativo.
A LOCF (Liga Operária Católica Feminina) fundada em 1934, em razão da menorização das mulheres trabalhadoras portuguesas, das limitações impostas pelos serviços domésticos, de mães, e da elevada percentagem de mulheres “donas de casa”, acrescido ao esclarecedor facto de, nos seus primeiros anos de atividade, o Movimento ter sido dirigido por mulheres de outros meios sociais. Acresce que só em 1947 (11 anos após a fundação) foi nomeada para Presidente uma mulher do meio trabalhado, fatores que justificam só tão tardiamente este Movimento alcançar a identidade locista,
Compreende-se, pois, devido às características dos filiados do Movimento, a ação, sem dúvida, vasta e valiosa, concretizava-se no apoio a mães, a doentes, na entreajuda familiar, e só nos anos 60, com a entrada da jocista Vitória Pinheiro para a Direção Geral, e posteriormente, a sua nomeação para Presidente, o Movimento tenha iniciado uma frutuosa ação nas estruturas sociais, tendo sido graças ao seu “…sentido do Espirito do Evangelho de Cristo… que os movimentos operários da Igreja (jovens e mais tarde adultos) sob a sua orientação e com a sua militância, abriram caminhos novos…”.
Na LOC a “viragem” iniciada prudentemente sob a presidência de Manuel Alpiarça teve continuidade, e foi aprofundada, na presidência de Manuel Gonçalves que partilhando do pensamento e anseios de novos dirigentes diocesanos e nacionais, sem temores e com inegável espirito de abertura ao “sinais dos tempos favoreceu e impulsionou a renovação que o momento eclesial, social e político exigia, pelo que face às reticencias e oposições foi concludente ao afirmar em sessão do Conselho Geral : ”Não podemos atualmente usar métodos de há 20anos atrás, que era a Ação Pessoal, pessoa a pessoa. Mas, sim, temos que atingir as estruturas e para isso é preciso preparar os homens que sejam capazes de corresponder a esta necessidade”.
A LOC que já vinha ensaiando a “REVISÃO DE VIDA” como meio de formação e o “COMPROMISSO TEMPORAL” como exigência de ação dos militantes nas estruturas e criara, em 1963, o CENTRO DE CULTURA OPERÁRIA (CCO) com o objetivo de formar tecnicamente os seus militantes e os dos Movimentos Operários da Ação Católica (LOCF/JOC e JOCF), declarando-o, desde o início, aberto *a participação de trabalhadores de diferentes opções religiosas e ideológicas.
Os Cursos promovidos pelo CCO foram bem acolhidos em várias Regiões do Continente, nos Açores e na Madeira, porém estava a ser tomada consciência de que o trabalho formativo pecava por excessiva teorização, o que motivou que no início de 1968, dirigentes da LOC, da direção e animadores do CCO expusessem as suas preocupações aos órgãos competentes, manifestando também a sua discordância sobre a orientação ideológica que vinha sendo transmitida nos Cursos de Sindicalismo e Economia, por os considerarem contemporizadores com o capitalismo e defensores de um sindicalismo de conciliação de classes e de integração no sistema, e pretenderem alteração da metodologia adotada por considerarem que a formação de um centro de cultura operária para consciencializar e ser libertadora e transformadora tem de ter por base a realidade da vida dos trabalhadores
Inesperadamente, a questão da orientação do Centro transformou-se em grave crise, ao ser tomado conhecimento que numa reunião internacional de sindicalistas clandestinos, à margem da Direção da LOC e da maioria dos membros da Direção do CCO, este estava a ser comprometido na criação de sindicatos cristãos em Portugal, iniciativa que contrariava o posicionamento da maioria dos dirigentes e animadores do Centro e da maioria dos dirigentes dos Movimentos, e que teve como desfecho o afastamento do Permanente e, a seu pedido, a saída de Diretor do Centro.
Em substituição, a Direção Geral da LOC nomeou o seu Vice-Presidente para Diretor do CCO, iniciando-se uma significativa renovação, com a entrada para a nova direção de representantes dos outros três Movimentos da Ação Católica Operária, adoção das metodologias que vinham sendo propostas, reorganizados e criados novos Setores e Serviços. Esta nova A nova orientação, a par da evolução dos Movimentos LOC (feminina e masculina), contribuiu decisivamente para que o CCO entre 1969 a 1974 realizasse uma profícua atividade de formação e educação operária como apreciado por Sandra Duarte em artigo publicado na revista Lusitânia Sacra ao referir que, após ter sido decidido seguir as diretrizes para o Compromisso Temporal, “…o dinamismo do Centro de Cultura Operária foi notável…”, sendo de relevar que Sandra Duarte ao ligar o dinamismo do CCO ao Compromisso Temporal instituído nos Movimentos soube interpretar com rigor a relação efetivamente estabelecida.
A ação dos Movimentos e o trabalho formativo do CCO são também apreciados e valorizados por outras personalidades e instâncias. Limitamo-nos a referir o estudo intitulado “Comunistas, Católicos e os Sindicatos sob Salazar2, o Investigador José Barreto, afirma, embora, com exagero no que aos católicos se refere, que as “escolas” sindicais: comunista (ligada ao PCP) e a católica (saída da Ação Católica, principalmente da JOC e da LOC) viriam a fornecer boa parte dos dirigentes que em 1974 passaram a controlar o aparelho herdado do corporativismo”, e o comentário de Manuel Carvalho da Silva, Coordenador Nacional da CGTP, que no livro comemorativo do 40º. Aniversário da CGTP a propósito dos contributos para o progresso do sindicalismo português, escreve: “Merece destaque aquele que foi dado pelos ativistas católicos a partir da década de 60, fazendo uma interpretação progressista da doutrina socia da Igreja Católica e logo voltada para a intervenção concreta no terreno”.
Importa, no entanto, sublinhar, que o que é considerado como o “sucesso” alcançado não pode ser limitado ao sindicalismo (que só é limitado ao sindicalismo por desconhecimento) só foi concretizável pela criação do movimento clandestino BASE criado em Novembro de 1967, com o objetivo declaradamente político de “lutar pelo fim do regime político vigente e contribuir para a edificação de uma sociedade socialista democrática respeitadora dos interesses e direitos dos trabalhadores e do povo em geral, nos campos político, educativo, cultural e sindical”, Movimento que orientou e enquadrou a ação legal versus clandestina, sempre no respeito pela independência e autonomia dos Movimentos da Ação Católica Operária, e salvaguardando o que pela hierarquia da Igreja e o poder político seria classificado como extravasamento dos limites da sua missão apostólica.
O Movimento BASE criado por 12 dirigentes e ex-dirigentes dos Movimentos da Ação Católica Operária (no final da reunião fundadora celebraram a Eucaristia os Assistentes P. Agostinho Jardim Gonçalves e José Carlos da Silva e Sousa) teve a adesão das dirigentes da LOC (feminina), Vitoria Pinheiro, Maria da Natividade Cardoso e Maria Elisa Salreta, e da LOC (masculina) Fernando Moreira de Abreu, os dois últimos, respetivamente, Secretária e Diretor do Centro de Cultura Operária, pelo que a para a história do Movimento Operário Cristão fica o registo da participação destes dirigentes locistas na constituição do primeiro movimento político clandestino português formado por trabalhadores cristãos.
Com este meu testemunho recordo agradecido a graça de ter aderido e participado na missão da JOC e da LOC, formulando votos de que neste tempo conturbado, em que a Revolução Digital coloca novos desafios aos Movimentos de Trabalhadores, o Evangelho de Jesus Cristo e a solidariedade com as sofrimentos, os anseios e as lutas dos trabalhadores inspire os próximos Coordenadores da LOC, Maria Alice Pereira e Américo Monteiro de Oliveira, a aprofundar, mais ainda, a presença renovadora da Igreja no Mundo do trabalho pela Dignificação do trabalho e a Dignidade dos Trabalhadores.
Lisboa, 3 de junho de 2019.
*Fundador e ex-dirigente da BASE-FUT, Vice-Presidente da Direção Geral da LOC em 1966 e 1967.