Cláudio Nascimento*
…Estas mutações no mundo do trabalho e no mundo da vida nos levam a repensar profundamente o movimento sindical. Em que perspectiva? Na de que o sindicalismo tenha um papel crescente na sociedade; um sindicalismo social e mais solidário, integrado a cidadania, tanto nas fabricas quanto nas cidades. Um sindicato orgânico mas também cidadão, que represente os trabalhadores e que seja movimento social, que dê conta dos desafios do capitalismo como modo de produção e processo civilizatório. Integrando trabalho e meio ambiente, trabalho e educação, trabalho e feminismo, trabalho e cultura, trabalho e bem-estar, trabalho e juventude, trabalho e terceira idade.
Este novo sindicalismo requer uma integração da consciência operaria com a consciência da cidadania. A cidadania fora do mundo do trabalho convoca o movimento sindical a ampliar-se a novas forças e movimentos sociais que se situam fora do processo da produção. Assim como a democracia deve entrar nos locais de trabalho, o sindicalismo deve abarcar a cidadania, o espaço público democrático e popular. O espaço privilegiado do sindicalismo tem sido a empresa e a profissão (o sindicato e a federação). Atualmente, o aspecto geográfico a nível local tende a assumir um campo maior. A nível local, o sindicalismo deve participar do debate democrático, da gestão da cidade, enfim, ter uma presença ativa na vida local.
Mutações do sindicalismo
Nesta perspectiva, o sindicalismo deverá passar por mutações profundas. Podemos assinalar alguns aspectos:
– Frente aos desafios em curso, o sindicalismo deve mudar, sobretudo, deve aliar-se com forcas da sociedade civil. Frente ao processo de globalização, deve construir novos laços de solidariedade. Este é um terreno noivo para o movimento sindical, implicando uma verdadeira “revolução cultural”, ou seja, abandonar uma certa concepção de representação e contratação que foi determinante quando seu objetivo central era a conquista do monopólio da contratação nas empresas. Como construir uma contratação coletiva que também assuma os interesses de setores da população e de trabalhadores “excluidos”, em diversos campos: moradia, seguridade social, renda minima, educacao, saude, transportes, menores, etc. ?
– Esta revolução na cultura sindical corporativa envolve também as formas de organização do sindicalismo. Assim, um sindicalismo estruturado nas organizações verticais de ramo, dificilmente poderá representar organicamente ou politicamente o mundo dos que estão no setor informal, no desemprego, dispersos pelo território. Exige um salto de qualidade enorme, isto é, considerar sua organização ao nível territorial; articular em um novo patamar histórico a dimensão do território e a da organização interprofissional . Articular o “sindicato orgânico” com o “sindicato cidadão” , ‘territorial’ e/ou ‘comunal’. Organizar o sindicato nos locais de trabalho e ramos, e, ampliar o seu mandato político em relação `a sociedade em geral, o estado, a nação, o campo Internacional.
– Em um “sindicalismo de empresa “, os direitos dos trabalhadores filiados são mais fortes do que daqueles setores “excluídos” do processo de trabalho. Ao contrário, a alternativa de um sindicato nacional abrange os interesses de muitos outros setores sociais, não só dos trabalhadores. O ponto central é o da representatividade do sindicato, construindo alianças com outros setores da sociedade para poder ser um agente privilegiado na formulação coletiva de um projeto alternativo. A questão fundamental é a de saber qual o universo que o sindicato deve representar.
– Frente a miséria e ao desemprego em curso, o sindicalismo deve assumir um papel determinante em relação ao Estado nacional, ao valorizar o trabalho através de políticas de qualificação profissional e novos direitos que permitam a qualificação do trabalho, a criação de novos empregos mesmo “à margem” da economia formal (“Economia Solidaria”),controlar os processos de formação nas empresas e questionar o sistema de educação vigente.
– O sindicalismo necessita de novas estratégias para criação de empregos. A transformação de uma economia de exclusão e informalização numa “economia solidaria” pode criar um número de empregos ricos e qualificados tais como, recuperação do território e do meio ambiente, reciclagem de lixo, serviços as pessoas, formação permanente, etc.
Criar uma cultura solidária
Criação de comunidades cooperativas para ajuda mútua entre os trabalhadores. São as novas fronteiras de trabalho.
Contudo, tudo isto não nascerá espontaneamente, nem de políticas das empresas transacionais; surgirá da sociedade civil. Portanto, precisa de impulso de políticas públicas, da comunidade e, sobretudo, do sindicalismo, para poder transformar-se em uma nova forma de economia e ter espaço de mercado.
– Combater a hegemonia do individualismo selvagem implica construir uma cultura solidaria, abrir-se, portanto, a um conjunto de novos sujeitos até então estranhos a cultura sindical. Esta abertura traz o confronto com culturas que não faziam parte do universo sindical, mas que trazem novos valores e horizontes. Esta nova solidariedade porta novas perspectivas para o sindicalismo, uma nova ética para configurar a identidade do sindicalismo do século XXI
.Nota: texto retirado do artigo que o autor escreveu para o livro «Que futuro para o sindicalismo» publicado recentemente pelas Edições Base)
- Sindicalista e investigador brasileiro,Foi membro da «Oposição Sindical», preso e torturado pela ditadura.