Pedro Estevão*
Estamos aqui para falar das próximas eleições legislativas. Mas eu gostaria de começar por falar dos nossos compatriotas que na última década, votaram com os seus pés. Muito se falou das 600 mil pessoas que deixaram o nosso país entre 2011 e 2015, durante os anos de chumbo da Troika. Mas, se calhar, falamos menos das cerca 450 mil pessoas que continuaram a sair entre 2016 e 2020. Ainda neste último ano, e mesmo em contexto pandémico, verificam-se níveis de emigração semelhantes aos dos anos da primeira metade da década de 1970.
Se fosse um poeta, diria que o recrudescimento da emigração nos últimos 12 anos mostra uma geração que perdeu a esperança no país onde nasceu. Uma geração para quem partir é já tão natural como respirar. Mas, infelizmente, não sou um poeta. Sou um sociólogo de profissão (esta parte o Daniel não disse). O que, sendo sem dúvida muito mais aborrecido, me leva a olhar para fenómenos como este e procurar as suas causas profundas.
O que temos a oferecer a um jovem que vai começar a sua vida profissional?
E, como a minha opção pelo envolvimento no movimento sindical também já deixa antever, creio que, como em muitos outros fenómenos sociais, o cerne do problema está no trabalho. Pensemos apenas nas condições de trabalho: o que temos para oferecer a um ou uma jovem que vai começar a sua vida profissional em Portugal? O segundo mais baixo salário mediano ajustado ao poder de compra da União Europeia? Uma probabilidade em quatro de ganhar o salário mínimo nacional? A forte possibilidade de ter de esperar 10 ou 15 anos pelo primeiro contrato de trabalho estável, com tudo o que isso implica de adiar de projetos de vida e de desigualdade de acesso à Segurança Social, agora e na velhice? Ficar condenado a um rendimento estagnado no resto da sua vida, especialmente se tiver qualificações intermédias ou inferiores?
Os baixos salários, a precariedade, a dissolução da noção de carreira ou as fragilidades na proteção no desemprego e na doença são, creio, causas imediatas de uma emigração que já se tornou endémica. Mas as condições de trabalho não são dadas pela natureza nem por Deus. São o produto da relação de forças existente no mundo do trabalho e na nossa sociedade. E, em Portugal, essa relação está profundamente desequilibrada, em prejuízo dos trabalhadores e dos seus representantes, os sindicatos.
Precisamos de uma profunda reforma do sistema de relações laborais
É, por isso, minha convicção de que precisamos de uma profunda reforma do nosso sistema de relações laborais. Na base, precisamos de promover a democracia no trabalho e o reconhecimento dos trabalhadores como detentores de interesses legítimos e autónomos no funcionamento das empresas. No topo, precisamos de uma reforma da concertação social e de um Governo ativo e com a desmercadorização do trabalho e a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores a nortear a sua ação. Mas, acima tudo, precisamos desesperadamente de ressuscitar aquele que foi a trave-mestra da prosperidade do pós-guerra no Norte de Europa que ainda hoje nos inspira: a negociação e contratação coletiva. E ressuscitar a contratação coletiva, só pode significar duas coisas: promover a sindicalização; e criar as condições para o reforço da posição negocial dos sindicatos à mesa das negociações setoriais. Só assim se pode fazer com que as iniciativas governamentais e os resultados da negociação em concertação social se transformem numa base mínima que se desdobra em acordos em cada vez mais favoráveis aos trabalhadores nos vários níveis de negociação, em vez de se fixarem como a norma – como sucede hoje com o salário mínimo ou com o tempo de trabalho.
Modelo de baixos salários está em crise
Esta é uma reforma de que o país precisa desesperadamente. À primeira vista, a tibieza dos progressos na área do trabalho durante os seis anos da “geringonça” não me devia deixar margem para grandes ilusões. Se os atores são os mesmos, porque é que as coisas seriam diferentes desta vez? E, no entanto, é bem possível que estejamos a chegar a uma conjuntura crítica. Os sinais de crise de um modelo de crescimento assente em baixos salários e trabalho precário estão a acumular-se. É até um momento em que, pela primeira vez em muito tempo, se fala abertamente, até à direita, da necessidade de subir os salários. Estamos longe da apologia da desvalorização interna de há uma década atrás. Temos, pois, de agarrar este momento e sermos capazes de construir uma ampla coligação social em torno desta reforma decisiva e fundamental para nos colocar num caminho de progresso. E creio que a melhor – única – hipótese de isto acontecer é com uma maioria plural de esquerda na Assembleia da República.
*Coordenador Nacional da BASE-FUT, sindicalista e Sociólogo
Nota :Intervenção do autor no debate realizado no dia 15 de janeiro e promovido pelos subscritores do Manifesto« VOTO POR UMA MAIORIA PLURAL DE ESQUERDA»