Para onde vai a Europa?

Christian Lefeuvre*

Domingo à tarde, depois de ter ido votar com a minha filha, estou em vídeo-conferência com os meus filhos e a minha neta que comemora os seus dez anos. Um pouco mais tarde, às 20h07, uma mensagem de França do meu filho mais velho: “Macron dissolve a Assembleia”. A informação está na televisão portuguesa. O meu filho às 20h22: “Estamos com mais de 36% dos votos na extrema-direita mesmo assim”.

Continuo a acompanhar as notícias, em Portugal a ascensão da extrema-direita também preocupa, mas no final a progressão é limitada, o CHEGA passa de 18% nas legislativas para 10% nas Europeias, o Partido Socialista e a direita pró-europeia estão na liderança, CDU e BE perdem um assento, mas mantêm-se no PE. LIVRE e PAN não trarão a sua voz Ecológica para o Parlamento Europeu, os Ecologistas, por outro lado, juntamente com os liberais, são os que mais perderão representatividade no Parlamento.

A situação dos nossos vizinhos espanhóis é semelhante à nossa, a direita do PP, que absorveu os liberais de Ciudadanos, obtém 22 assentos, o PS 20, e os seus aliados do SUMAR 3, Podemos 2 e um novo partido de ultradireita 3 assentos.

Quais as razões desta ascensão do populismo?

Antes de continuar a minha exploração dos resultados, pergunto-me sobre as razões desta ascensão regular do populismo e de adesão à extrema-direita nas urnas. Quais são os raciocínios e motivações no momento do voto? Uma pessoa que não votou, mas teria votado extrema-direita em Marselha: “Dizem-nos que o voto  é um direito, mas as nossas vozes não são respeitadas. Depois da eleição, Macron passou por cima de tudo”.

Uma amiga desiludida com a esquerda, mais ecológica, que tem medo do que vem a seguir em França com esta dissolução, confidencia-me na segunda-feira: “Votei no partido animalista, com esta divisão dos ecologistas, temos a certeza do que eles defendem. Mas agora, com a dissolução, estou com medo”. Outra amiga: “Estou farta destas guerras, deveriam parar, além disso, com todos esses partidos, eu não sabia mais em quem votar, referi-me ao que os meus pais votariam se estivessem vivos, votei Comunista”.

Outro amigo em Portugal desta vez: “Votei Iniciativa Liberal, não acredito mais nos grandes partidos,estão muito no sistema, acho que só os pequenos partidos poderão fazer as coisas mudarem! Uma jovem estudante de Coimbra: “Votei LIVRE, eles defendem as minhas escolhas, eles passarão na próxima vez!”. Outro amigo: “Não suporto esses massacres na Palestina, votei BE”.

As motivações do voto são cada vez mais diversificadas

Num mundo que enfrenta novos desafios, as motivações do voto, ou mesmo da abstenção, são cada vez mais diversificadas. Não há mais grandes blocos identitários como foi o movimento operário, o movimento feminista, os grandes agrupamentos são, como a sociedade, mais complexas e difusas. A sociedade está centrada no indivíduo, isolado, e as forças de contestação e construção social coletivas são cada vez mais relegadas ao folclore e ao museu.

Como disse esse eleitor de extrema-direita, uma vez eleitos, passam por cima de tudo. Os locais de contrapoder democrático, sindicatos, associações, grupos de expressão, não são suficientemente reconhecidos, ajudados. Os grupos radicais prosperam e alimentam a ascensão populista e extremista. O exemplo marcante é o dos “Gilets Jaunes” em França, que foi ainda mais penetrado pela extrema-direita porque o poder dominante manipulou o diálogo. A reforma da aposentação, recusada pela grande maioria dos franceses, além da desilusão gerada, desacredita o próprio facto de negociar. Em Portugal, as negociações sem saída dos setores de saúde, educação, forças de segurança, justiça, bem como a invisibilidade mediática dos problemas dos trabalhadores dos setores privados do comércio, da construção, do serviço às pessoas, etc., mantêm uma sensação de não reconhecimento, propícia à procura de outras soluções. As questões relativas aos direitos das mulheres, dos imigrantes, das minorias parecem mais regredir do que outra coisa, sendo questionadas por essas diversas versões conservadoras e populistas.

Em relação aos resultados, as questões ecológicas, apesar das evidências da urgência climática, entre outras, continuam secundárias nas escolhas eleitorais. O agravamento das situações de pobreza, do acesso à habitação, reconhecidas por todos, não mobiliza os eleitores para voatrem nos seus melhores defensores à esquerda! Quando, em vez de responder aos problemas do mundo agrícola, os opõem aos ecológicos, o poder liberal remete ambos à radicalização das suas ações, por falta de respostas concretas.

Quais os resultados e tendências na Europa?

Bom, mas além da Europa franco-ibérica, quais são os resultados e tendências? Dada a importância ainda forte da aliança franco-alemã a nível europeu, pergunto-me, e na Alemanha, o que está a acontecer? Os conservadores vencem, enquanto os três partidos que apoiam o chanceler Olaf Scholz recuam e o partido de extrema-direita chega à segunda posição com quase 16% dos votos, enquanto um novo partido muito firme em matéria migratória e oposto a qualquer ajuda militar à Ucrânia chega na 5ª posição e elege 6 deputados. O partido conservador exige eleições antecipadas como em França. A Alemanha parece hoje à espera de ver o que acontece em França para não se lançar numa crise política no momento em que a França se lança no desconhecido. Os conservadores estão em boa posição, com um objetivo mais nacional do que europeu.

Globalmente, a extrema-direita fortalece-se, na Áustria, na liderança com 25,5%, na Itália, Giorgia Meloni é a grande vencedora do escrutínio com 28,8% enquanto o centro-esquerda é o segundo com 24,6%.

Giorgia Meloni reforça assim a sua influência em Bruxelas como chefe de governo e de partido, onde pretende influenciar as direitas do Parlamento Europeu. A extrema-direita holandesa é contida e chega atrás da esquerda. Na Roménia, é uma coligação entre partidos de direita e de esquerda que reduz a influência da extrema-direita. Na Polónia, o partido pró-europeu vence e a extrema-direita está em terceiro lugar com 12,1%, o seu maior resultado, mesmo assim. Nos países nórdicos, a extrema-direita está em declínio, principalmente na Finlândia. Na Hungria, o partido de Viktor Orban permanece na liderança, mas sofre um revés, o seu oponente qualificou o escrutínio como o começo do fim. Na República Checa, Eslováquia, Bulgária, cerca de um terço dos eleitos são extremistas ou pró-russos declarados.

Um Parlamento Europeu mais à direita

O mapa global do Parlamento Europeu de 2024 é, mais uma vez, mais à direita. Como francês, português, europeu, não me reconheço nele, penso em Jacques Delors que nos deixou há pouco, não acredito que ele teria desejado este desvio. Riscos para as políticas sociais, para os direitos à liberdade, para o futuro do planeta, para a paz na Europa… Não acredito que esta Europa esteja em condições de dar uma resposta duradoura ao quotidiano dos cidadãos europeus, ainda menos aos seus imigrantes, nem mesmo às suas zonas rurais, que são um dos territórios eleitorais mais permeáveis às ideias reacionárias… Os comentadores estimam que o Parlamento, apesar de sua tonalidade muito direitista, está em condições de conter a extrema-direita, mas não está ele desequilibrado e enfraquecido com um conflito armado nas suas fronteiras?

O desafio nacional francês dos dias 30 de junho e 7 de julho é uma aposta arriscada que não limitará os seus efeitos dentro da sua fronteira nacional. A mobilização dos cidadãos em organizações democráticas é mais necessária do que nunca para organizar os contrapoderes. O lugar e o reconhecimento da juventude nestas organizações são primordiais, porque as organizações retrógradas e individualistas já estão no terreno. Precisamos de repensar as nossas organizações para abri-las nas redes sociais. Levar em conta as situações concretas vividas por uns e outros e libertar a palavra. Na ausência dessa palavra, de um diálogo construtivo, de uma escuta do outro, é a procura de uma autoridade soberana que decide por nós (e muitas vezes contra nós) que continua a ser a regra. Regresso dos regimes autoritários e autocráticos e declínio da democracia.

Uma nova Frente Popular na França

Alguns grupos, partidos em França imaginam uma frente popular, por que não, mas será preciso atualizá-la, não sendo apenas uma aliança efémera entre alguns partidos políticos, feita na urgência de uma eleição surpresa. Uma frente popular, antes de ser um movimento de aliança entre partidos políticos, é um movimento social que carrega uma expressão forte e determinada da dignidade do Homem. Isso faz-me lembrar um texto sobre a frente popular de 1936 de que vos vou transmitir. Uma frente popular sim, mas de cidadãos europeus, não de partidos até então divididos que se mobilizam perante a ascensão extremista. E isso levará mais tempo para ser implementado do que eleições antecipadas. Esses partidos extremos levaram vinte anos para se organizar e estão em fase de se apropriar dos plenos poderes, pelo menos em França. O medo que podem provocar está agora banalizado, graças a certas concessões das direitas conservadoras, uma parte dos Republicanos em França está pronta para fazer aliança com ele.

O texto que se segue faz referência a um período e contexto histórico, mas no fundo, a questão da Dignidade Humana, permanece presente. Em junho de 1936, antes que o governo de frente popular se instaurasse, os metalúrgicos entraram em greve. O artigo é de Simone Weil, excerto:

A greve dos metalúrgicos, 1936

Por que os trabalhadores não esperaram a formação do novo governo?… Em primeiro lugar, eles não tiveram força para esperar. Todos os que sofreram sabem que quando se acredita que se vai ser libertado de um sofrimento muito longo e muito duro, os últimos dias de espera são intoleráveis. Mas o fator essencial está  noutro lugar… Trata-se de algo muito mais importante do que tal ou tal reivindicação particular, por mais importante que seja. Se o governo tivesse conseguido plena e total satisfação por meio de simples negociações, estaríamos muito menos contentes. Trata-se, depois de ter suportado tudo, de ter aguentado em silêncio durante anos, de ousar finalmente se erguer. Ficar de pé. Tomar a palavra por sua vez. Sentir-se humanos, por alguns dias. Independentemente das reivindicações, essa greve é em si mesma uma alegria. Uma alegria pura. Uma alegria sem mistura…”

Estamos muito longe desse dia de alegria, mas será preciso levantar-se para retomar o caminho da Europa, tal como a queremos. Uma primeira batalha está anunciada, será preciso vencê-la nos dias 30 de junho e 7 de julho em França.

*Dirigente da Associação francesa «Culture et Liberté»,Animador Sócio- Cultural,historiador dos movimentos sociais.

 

 

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