Os lares para além da COVID 19

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Esta pandemia exige certamente que se repense os modelos de apoio aos idosos em Portugal.JOSÉ RICARDO*,tem uma longa experiencia na gestão de um centro social no norte do País e lança aqui um primeiro texto com um desafio a que outros também escrevam sobre esta realidade social:

«Os técnicos sociais (educadores sociais, psicólogos, sociólogos, assistentes sociais, gerontólogos, animadores socioculturais, etc) investem o seu esforço e inteligência a criticar os modelos de atendimento existentes e criar novas formas de trabalho que promovam o bem-estar e qualidade de vida dos idosos em internamento.

Mas perdem a perspetiva de como se chegou aqui, com as famílias a despejarem os seus idosos em lares, ao invés de cuidarem deles nas suas próprias casas. Os motivos são sempre racionais, fruto do desmembramento da família alargada e consequente dispersão, com a impossibilidade de relações de vizinhança e proximidade, para além de carreiras profissionais com altas cargas horárias e exigências várias.

Sem dúvida que, para as pessoas acamadas e confinadas à sua cama, a necessidade dos lares pode ser uma exigência, se não for possível o apoio de familiares ou vizinhos, para o acompanhamento diário na habitação própria, que complemente os cuidados prestados por um serviço de apoio ao domicílio especializado. Este problema nacional é sobretudo sentido nas grandes cidades e nas aldeias envelhecidas.

E nem questionamos que a opção pelas grandes cidades, com apartamentos minúsculos, com mobilidade de residência pela exigência de disponibilidade para o emprego, são componentes de um desenvolvimento económico e social que em nada privilegia a pessoa humana, mas apenas a rentabilidade e o lucro. Tudo se processa com uma narrativa fatalista, como se fosse inevitável e movido por forças naturais, em prol do progresso da humanidade.

É um movimento de concentração que tende a manter-se, em que o motivo condutor da industrialização foi sendo substituído pelo crescimento dos serviços. Calcula-se que nas nossas cidades existam cerca de 700 mil casas devolutas. Aceitando que uma parte seja fruto de partilhas familiares em curso, a maioria pertencerá a investidores que estarão à espera do momento certo para as colocar no “mercado”, à medida que novos citadinos apareçam e sem baixar os preços de venda.

O modelo de desenvolvimento económico capitalista é criador de uma cultura de valores egoístas e individualistas, que o sustenta, e que desenvolve esta alteração de consciência e atitude nas relações familiares, que têm escape nos lares, emergindo racionalmente como solução inevitável.

A quimera que nos é vendida da liberdade de opção de emprego e a necessidade de uma economia que produza o crescimento de mais bens de consumo, mesmo quando se traduz em desperdício, gerando sempre mais lucro para os mercados, é a cenoura que nos apontam para aceitarmos este modelo, sem questionar se tem de ser mesmo assim.

A emergência de uma cultura comunitária, que se tem mantido nos interstícios desta complexidade social, pode e deve crescer como alternativa ao mercantilismo do negócio social e que se traduzirá no apoio a respostas sociais mais amigas da pessoa humana e das famílias. As entidades da economia social e solidária, democráticas, participativas e sem objetivo do lucro, autónomas, mas cooperantes com o Estado, são as promotoras deste movimento comunitário.

Os centros de dia constituem uma resposta mais amiga do envelhecimento ativo, especialmente quando conjugada com uma maior atenção por parte das famílias. As leis têm de evoluir no sentido de responsabilizar mais as famílias pelos seus idosos e não o Estado, criando condições de flexibilidade de emprego para os cuidadores, quando necessário. As rotinas de sair da habitação para se deslocar ao Centro de Dia, onde se desenvolvem atividades culturais e físicas, convivendo e socializando com outras pessoas, com confiança e segurança, são em si mesmo uma boa forma de proporcionar o envelhecimento ativo.

O papel do Estado é dotar os Centros de Dia da economia social e solidária com recursos que permitam o acompanhamento de idosos mais dependentes e com perturbações mentais, proporcionando um ambiente seguro, afetivo e motivador.

16/11/2020

  • Mestre em Ciências da Educação, Dirigente da BASE-FUT e Animador Social

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