Os jovens podem ser a esperança de uma sociedade mais justa

Joaquim Mesquita*

A organização das Jornadas Mundiais da Juventude tem merecido, como seria de esperar, especial destaque em todos os meios de comunicação social, a começar pela preparação do recinto e do palco, e pelo acolhimento necessário aos peregrinos, na sua maioria jovens, que nos visitam trazidos pela devoção ou pelo desejo de conviver, e também de ver e ouvir este Papa que, de facto, está a concretizar um pontificado marcado pela vontade de responder a algumas preocupações, eclesiais e sociais, que exigem respostas próprias da missão da Igreja e necessárias ao progresso civilizacional da sociedade e da humanidade.

Vivemos numa sociedade marcada pela injustiça

O entusiasmo dos jovens aparece neste contexto como natural, e não passa despercebido aos trabalhadores deste país, que enfrentam muitas dificuldades, algumas de carácter global, outras próprias desta terra situada no extremo ocidental da Europa.

Não será utópico, portanto, alimentar a esperança de que este entusiasmo juvenil seja o motor e a parte visível de valores e princípios cristãos que orientam estes jovens no sentido da construção de uma sociedade mais justa e fraterna, ou seja, concretizar o Reino, uma consequência da fé em Jesus Cristo.

Tal como há dois mil anos, vivemos numa sociedade marcada pela injustiça e pelo fratricídio, à qual a Igreja tem de se apresentar como testemunho de fraternidade, porque é essa a sua missão.

É impossível deixar de referir uma realidade trágica, a guerra, que mais uma vez grassa na Europa, e que há muitas décadas vem sendo eriçada de mísseis e transformada em potencial palco generalizado de conflito armado. Não é a guerra que faz as armas, são as armas que fazem a guerra: são as políticas armamentistas a causa e o indício da vontade e da intenção de promover a guerra. E não podemos confundir a bênção da paz com a bênção da guerra. Seria um verdadeiro milagre juntar nestas Jornadas os jovens dos países beligerantes e poder enviá-los para as suas terras como mensageiros da paz.

É também no mundo do trabalho, cada vez mais desregulamentado, que encontramos alguns dos maiores atropelos à dignidade humana. A injusta repartição da riqueza criada, que vem acentuando as desigualdades, tem aumentado a pobreza de trabalhadores jovens e adultos, e também dos idosos, reformados e pensionistas. Os baixos salários e a precariedade criam severas dificuldades a quem pensa constituir família, criar e educar os filhos, comprar ou arrendar casa e suportar as despesas necessárias a uma vida digna.

A estas dificuldades há ainda que acrescentar a tendência para a generalização, quantas vezes injustificada, do trabalho por turnos, nocturno, ao fim de semana e aos feriados, unicamente para maximizar o lucro. Porque não são apenas as consequências para a saúde dos trabalhadores: são famílias desencontradas, e quantas vezes desfeitas; são os filhos atirados para creches e jardins de infância como se fossem órfãos; são pais e avós que deixam de ver os filhos e netos que trabalham para sobreviver, caso não vivam em comum por não terem capacidade para ter habitação própria.

São a nossa esperança de um mundo fraterno

Estes jovens que agora nos visitam são a nossa esperança para a construção de um mundo fraterno e orientado pela justiça, em particular no mundo do trabalho. A missão profética exige que se denunciem as desigualdades desta “economia que mata”, onde o fosso entre ricos e pobres se agrava. E que se exija aos governantes o exercício da sua responsabilidade de concretizarem políticas de humanização da sociedade, garantindo condições de trabalho dignas, construindo um quadro fiscal que permita redistribuir a riqueza criada e, ainda, promovendo serviços públicos universais que respondam às necessidades dos cidadãos.

Deus instruiu o ser humano para dominar a cuidar da Terra, e para dela se sustentar com o suor do seu rosto – não para enriquecer à custa do suor do seu semelhante, explorando-o.

Mas nesta economia, “que mata”, o ser humano apenas conta na condição de produtor e consumidor. Tudo tem de ser mercantilizado, porque não há lugar a direitos. Saúde, ensino, segurança social, habitação…, tudo dependerá da capacidade financeira de cada um. Não é este o caminho cristão: “Jesus enviou os Doze a proclamar o Reino de Deus e a curar os doentes” (Lc 9,2). É este o modo de estar e de viver que é necessário reafirmar, o da construção de uma sociedade fraterna, pela qual todos somos responsáveis: nós, cidadãos, as instituições e organizações, e os governantes.

Cristãos têm missão de influenciar com os seus valores

Não sendo do mundo, mas estando no mundo, os cristãos têm a missão de influenciar com os seus valores as estruturas da sociedade, sejam sindicatos, empresas, serviços públicos, governos, partidos políticos ou estruturas financeiras; sejam organizações culturais ou desportivas. Porque o pior que poderia acontecer à Igreja seria confirmar as configurações da sociedade, reproduzindo esquemas e soluções da designada “sociedade civil”.

Enquanto profetas, os cristãos sentem a oposição e a tensão com o mundo. Quando a harmonia com o mundo é perfeita, é sinal que a dinâmica da revelação não está a acontecer. Os jovens sabem que não se pode servir a dois senhores, a Deus e ao dinheiro, e têm consciência de que servir a Deus é estar ao serviço do próximo.

Sabemos que os profetas descobriram a sua vocação em momentos diferentes da sua vida, uns novos, outros já adultos. Nós, os cristãos, somos, pelo baptismo, investidos na condição de sacerdotes, profetas e reis. Ao assumir estas missões, a que não podemos renunciar, seremos seguidores de Cristo sempre que pudermos responder como Ele, caso nos questionem se o Reino já chegou: «Ide contar a João o que vedes e ouvis: Os cegos vêem e os coxos andam, os leprosos ficam limpos e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a Boa-Nova é anunciada aos pobres.» (Mt 11, 4-6). Peguemos na nossa cruz e sejamos felizes.

Lisboa,25 de julho de 2023

  • Dirigente sindical da CGTP,militante da BASE-FUT

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