Os cinquenta anos da BASE-FUT nos 50 anos do 25 de Abril!

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João Paulo Branco*

Nos tempos actuais uma organização com a BASE-FUT comemorar 50 anos é um facto notável, não só pelos notáveis já 50 anos de vida, mas sobretudo pela sua notável resiliência ao longo de tempos caracterizados por tão grandes mudanças, e por ter resistindo aos últimos cinco anos, onde muitas associações e organizações sociais acabaram por sucumbir num período muito difícil marcado pela pandemia, ou logo depois, porque os períodos de confinamento e isolamento a que todos fomos obrigados foram fatais para um grande número de associações.

A génese da BASE-FUT vamos encontrá-la antes da revolução do 25 de Abril de 1974, tendo muitos dos seus membros fundadores sido importantes resistentes e participantes no combate à ditadura e na luta contra a guerra colonial, em movimentos da acção católica operária portuguesa, com destaque para o Centro de Cultura Operária (CCO) e o clandestino Grupo BASE.

Fundação da BASE e a Revolução dos cravos estão sempre ligados

Naturalmente que a fundação da BASE-FUT e a revolução dos cravos a 25 de Abril estarão sempre umbilicalmente ligadas pelos valores que a revolução trouxe para a nossa sociedade, valores sempre presentes no ideário da BASE-FUT.

Podemos dizer que a BASE-FUT como muitas outras associações e organizações da nossa sociedade civil foram em todos estes anos o prolongamento da revolução de Abril de 1974, porque uma revolução é sempre também um processo lento que tem de perdurar pelos tempos, por forma a garantir que os seus valores iniciais se mantenham sempre como fundamentais e permanentes.

As últimas cinco décadas da vida da BASE-FUT foram todas bem diferentes, sem que nunca tenhamos abdicado dos nossos princípios e valores nucleares, a liberdade, a democracia, a fraternidade, a igualdade em todas as suas vertentes e a autonomia das organizações dos trabalhadores.

Sendo o Trabalho e os Trabalhadores o centro da actividade da BASE-FUT, nos primeiros anos até cerca dos anos 90 é uma organização muito vigorosa no trabalho sindical com intervenção em diversos fóruns e tipos de organizações, desde comissões de trabalhadores, sindicatos, confederações e na central sindical existente na altura, a CGTP, onde desde sempre estivemos presentes com o trabalho genuíno e de grande qualidade de companheiros como a Maria Emília Reis, o Joaquim Calhau, o João Lourenço, mantendo ai ainda actualmente a nossa representação, assegurada agora pelo Joaquim Mesquita e pelo Pedro Estevão. Também na UGT, aquando da sua criação estivemos presentes, tendo alguns dirigentes da BASE-FUT assumido lugares de importante responsabilidade, como aconteceu, por exemplo no Sindicado dos Bancários do Norte, do qual foi presidente o nosso saudoso companheiro Julio Ribeiro e no área dos Seguros com o nosso companheiro Armando Santos.

A primeira candidatura de Otelo e a de Lurdes Pintassilgo

Neste período tal era a qualidade dos nossos militantes que o nosso coordenador nacional à altura o Fernando Abreu, aqui presente entre nós, é apontado para a coordenação da CGTP-IN.

No entanto, a par de toda a acção desenvolvida no âmbito do mundo do trabalho, nosso ecossistema por natureza, a BASE-FUT nunca se absteve de participar noutros movimentos políticos e sociais, como por exemplo o apoio a duas candidaturas à Presidência da República: Otelo Saraiva de Carvalho e Maria de Lourdes Pintassilgo, assim como participou noutros fóruns que vieram a dar origem a candidaturas eleições legislativas, como foi o caso da Frente Republicana e Socialista, FRS.

Desde início que a nossa organização sempre se caracterizou por um grande internacionalismo na sua actividade, estabelecendo desde muito cedo, relações com outras organizações e sindicados internacionais, sobretudo de inspiração cristã, sendo a BASE-FUT a única organização portuguesa membro da Confederação Mundial do Trabalho (CMT), até á sua extinção para dar lugar à CSI.

Esta visão internacionalista do mundo e sobretudo do mundo trabalho veio culminar na fundação do CENTRO DE FORMAÇÃO E TEMPOS LIVRES, CFTL em 1990, o qual iria ter a sua sede em Casal do Lobo, Coimbra, onde em 1980 a BASE-FUT já tinha iniciado a construção das instalações do seu centro de formação. O CFTL foi um projecto, um sonho de muitos, de criação de um centro de formação e tempos livres de trabalhadores e para trabalhadores, inspirado em experiências já existentes na Europa há alguns anos, nomeadamente em França, Bélgica e Holanda.

Valores comuns  com os da Revolução dos Cravos

A formação para trabalhadores porquê, desde muito cedo que para a BASE-FUT foi muito claro que a emancipação dos trabalhadores também deveria ser consolidada na formação e informação, aliás tudo isto já era evidente no nosso projecto das Edições BASE, e no imenso trabalho de alfabetização feito anteriormente. Também neste domínio o propósitos e valores eram comuns com os da Revolução dos Cravos.

Com tudo isto, já erámos uma organização com quase vinte anos, a sociedade portuguesa já muito se tinha transformado estávamos nos anos 90 do século passado. E em 1994 pela mão da União Sindical Obrera, USO de Espanha, somos aceites como membros do EZA – Centro Europeu para os Assuntos dos Trabalhadores. Com esta nova filiação internacional abre-se uma nova e importante porta, que nos trará novos contactos e sobretudo recursos para desenvolvermos actividades de formação de maior fôlego e de caracter internacional. Rapidamente a BASE-FUT mesmo não pertencendo à família política dominante na rede EZA, passa a granjear de grande prestígio e respeito, devido á sua integridade e autonomia do seu pensamento e qualidade do seu trabalho. Passamos a ser membros regulares do conselho de administração e fazemos parte de diversas estruturas e grupos de trabalho, nos últimos anos já debaixo da chancela do CFTL por razões estatutárias do EZA.

Mas, o tempo não parou e já estávamos no seculo XXI, a Revolução dos Cravos, já tinha sido há mais de um quarto de século. Era preciso regar a planta da democracia, era preciso cuidar da democracia, pois alguns perigos já estavam ai ao virar da esquina, e foi a isso que a BASE-FUT se dedicou com um novo fôlego, a velha sede em São Bento está a desmoronar-se, então houve que encontrar nova casa para continuarmos o nosso trabalho e foi isso que fizemos, em 2003 inauguramos uma nova Sede Nacional, que nos trouxe um importante novo alento. Mas, como sempre tratámos de colocar a nossa casa ao serviço da comunidade, rapidamente estava a funcionar na nossa sede um CATE – Centro de Aconselhamento para Trabalhadores Emigrantes, grande trabalho da nossa saudosa Idalete Alfaiate.

E assim até á pandemia continuámos a nossa actividade de promoção do Trabalho Digno, grande desígnio da BASE-FUT, da defesa da democracia participativa, da defesa do estado de direito, da defesa do estado social, promovendo dezenas de debates, colóquios, conferências, por todo o país e mais de vinte seminários internacionais integrados nos programas de formação da rede EZA

Entretanto chega o ano de 2019 e a pandemia da COVID 19, a qual também nos deixou sequelas a nós enquanto Organização, mas nunca nos fez parar, antes pelo contrário fez-nos perceber que provavelmente, como noutros momentos do passado a nossa organização era única no quadro social e associativo português e de grande importância para a defesa e promoção da democracia e para a defesa dos trabalhadores.

Caras companheiras, caros companheiros, ao contrário daquilo que eventualmente pensámos durante algum tempo, nada é adquirido para sempre, tudo tem de ser reconquistado todos os dias, hoje provavelmente e como sempre, todos os dias temos de lutar pela democracia, se nos demitirmos desse papel, alguém vai ocupar-se de amolecar os pilares deste grande edifico que há tantos anos iniciamos a sua construção e lutamos pelo seu desenvolvimento e consolidação.

Vamos falar do futuro

Hoje, aqui o tempo não deve ser para falar de passado, mas sobretudo para falar do futuro, por isso também vou deixar algumas palavras sobre o futuro que queremos para nós, para os nossos filhos, para os nossos netos, em suma para as gerações vindouras.

Nesse futuro, só poderá haver democracias fortes com uma participação forte dos cidadãos, com organizações cívicas, sociais e religiosas, fortes e dinâmicas.

Nos últimos anos assistimos ao desmoronar de algumas instituições da sociedade civil, nomeadamente das organizações de trabalhadores, este caminho tem de ser invertido, pois as organizações de trabalhadores, nomeadamente os sindicatos são fundamentais para o fortalecimento das democracias, sem sindicatos fortes as democracias enfraquecem.

A pandemia da COVID-19, a guerra na Ucrânia, vieram pôr em causa muitas das coisas que julgávamos que já eram realidades adquiridas, as quais jamais teriam retorno.

Assim e no actual quadro nacional, europeu e mundial torna-se imperioso reforçar as instituições democráticas, credibilizá-las e não cair no engodo das mensagens fáceis que corroem a democracia, instigam a intolerância e promovem o egoísmo e o individualismo. Estes são alguns dos grandes desafios para a nossa organização, diria que deveremos começar por combater a indiferença, porque com pessoas indiferentes, não vamos conseguir criar um mundo diferente, e precisamos de um mundo diferente, não tenhamos dúvidas.

Para combater a indiferença é obrigatório voltar a dar esperança às pessoas, a todos desde os mais novos até aos mais idosos, sejam qual for a sua raça, etnia ou credo. Pessoas sem esperança tornam-se intolerantes até com a democracia.

Um Portugal justo, moderno e competitivo não poderá assentar numa economia baseada na precariedade e na exclusão social, mas sim, cada vez mais numa economia social e solidária, numa economia de bem-estar e de defesa do bem comum.

Para terminar, quero agradecer a todos aqueles e aquelas que durante todos estes anos contribuíram para estes cinquenta extraordinários anos de vida da BASE-FUT, a todos sem excepção, desde os mais cépticos, até aos mais voluntariosos. Um grande obrigado pelo trabalho que fizemos juntos.

Por último quero deixar uma homenagem às mulheres desta Organização, hoje com especial destaque para a Manuela Varela, que pela primeira vez, não pode estar connosco num Aniversário da nossa BASE-FUT.

Essa homenagem vou deixá-la aqui hoje em forma de uma canção que penso que a Manuela apreciaria.

 

Muito obrigado pela vossa atenção, Viva a Liberdade, Viva o 25 de Abril, Viva a BASE-FUT.

 

Pombal, 16 de Novembro de 2024

 

*Diirigente da BASE-FUT,

Vogal do Conselho de Administração do Centro Europeu para os Assuntos dos Trabalhadores (EZA),

Quadro numa multinacional do ramo automóvel.

Junta-te à BASE-FUT!