O Jornal católico que em ditadura defendeu os trabalhadores e morreu de pé!

Quando se deu o 25 de Abril de 1974 os chamados «católicos progressistas» eram fundamentalmente os que lutaram contra o regime na década de 60 e 70 do passado século XX.Nessa altura a investigação sobre os católicos sociais, ou seja , em particular sobre os Movimentos Operários Católicos, ainda estava muito insípida e a voz geral é que os católicos na sua maioria, e em especial a estrutura eclesiástica, tinha feito uma aliança com a ditadura de salazar, um católico reacionário.

Sendo verdade que a Igreja Católica fez essa aliança, nomeadamente com a aplicação da Concordata e do Acordo Missionário, a investigação das últimas décadas demonstra que essa aliança nem sempre foi pacífica e o regime corporativo aceite sem reservas pelos católicos sociais e ,mais tarde foi fortemente criticado por importantes sectores dos trabalhadores cristãos.

Exprime angustias e aspirações dos trabalhadores cristãos

O jornal «O TRABALHADOR» criado em 1934 foi a expressão mais clara da trajetória do catolicismo social português e do Movimento Operário Cristão.O primeiro diretor e animador foi o padre Boaventura de Almeida,crítico do sistema corporativo desde a primeira hora.O seu sucessor foi Abel Varzim, um padre que teve um lugar especial no catolicismo social e uma trajetória que reflete bem em primeiro lugar a ilusão dos trabalhadores cristãos com o corporativismo e a progressiva desiluão com o mesmo.

Mas é importante recordar alguns acontecimentos que ocorreram um ano antes,ou seja em 1933.Reune-se em Lisboa a IVª conferencia socialista que aprova novo programa partidário.O Estado Novo proibe o Partido Socialista e Salazar dissolve o Centro Católico.

No mesmo ano temos a criação dos Sindicatos Nacionais e o Estatuto do Trabalho Nacional inspirado no fascismo italiano.Também se organiza em Portugal a Ação Católica Portuguesa.A orientação do movimento operário católico é integrar a nova ordem corporativa e utilizá-la o melhor possível.

Francisco Inácio Pereira dos Santos, padre católico a estudar na Bélgica critica a nova Constituição Corporativa assinalando que é demasiado estatista e proibe o direito à associação, de greve e tutelando os sindicatos nacionais.

Entretanto, entra em vigor a constituição corporativa por meio de referendo em que as abstenções contavam a favor.Salazar desmantela o nacional -sindicalismo (fascista).

Tentativa da criação de sindicatos cristãos é liquidada

Ocorre uma tentativa de criação de sindicatos cristãos que apenas conseguiram ter expressão em várias regiões do centro e norte do País,bem como no Porto e em Lisboa.Tiveram pouca duração estes sindicatos porque a ditadura, em aliança com a hierarquia católica, lhes cortou as pernas.

A 18 de janeiro de 1934 realizou-se a greve geral insurrecional promovida pelos sindicalistas de inspiração anarco-sindicalista e comunista que já conviviam mal na  histórica CGT.Salazar aproveitou mais uma vez para destruir quase totalmente o movimento sindical e operário português com a prisão de centenas de sindicalistas e a sua deportação para as colónias.A greve geral abortada teve forte expressão, para além da Marinha Grande,em Silves, Alentejo e Margem Sul.

O «Trabalhador» continuou a publicar-se sendo claramente o porta voz dos trabalhadores cristãos.Para além das queixas dos trabalhadores que manifestavam as suas misérias de norte a sul do País o Jornal divulgava reivindicações importantes como o salário digno e familiar, habitação confortável e digna, tempo necessário para a família e 40 horas semanais de trabalho,não ao trabalho infantil; ainda 15 dias de férias.

Em 1935 o Padre Boaventura de Almeida, o estratega dos sindicatos cristãos e primeiro diretor de «O Trabalhador», é afastado dos Serviços Centrais da Ação Católica.Em 1936 Abel Varzim é nomeado para assistente geral da Liga Operária Católica (LOC).

Suspensão,censura e liquidação de «O Trabalhador»

O Jornal continua a denunciar os atropelos dos patrões aos trabalhadores e a incapacidade do sistema corporativo defender os direitos dos trabalhadores como aqueles militantes católicos pensavam que aconteceria!Não esquecer que a enciclica Rerum Novarum,embora reconhecendo o direito dos trabalhadores a um sindicato, inspirou o sistema corporativo onde idealmente patrões e trabalhadores dariam as mãos em boa harmonia,sem luta de classes!O que aconteceu foi a miséria da classe operária e a sua escandalosa exploração e opressão!

Em 1946 ocorreu a primeira suspensão do jornal alegadamente por motivos económicos.A empresa proprietária-Rádio Renascença- desliga-se e passa a administração do jornal para a Junta Central da Ação Católica.Será esta que decide a suspenão.Mas «O Trabalhado»r já tinha muitos adversários dentro e fora da Igreja Católica!Entre 1946 e 1948 a LOC publica «O Locista» para manter a chama de O Trabalhador.

Entretanto o Padre Abel Varzim dedica o ano de 1947 a recolher fundos para relançar «O Trabalhador» constituindo uma sociedade com o capital de 100 contos.Surge assim em 1948 de novo este Jornal como propriedade de operários e arauto do operariado portugues, sendo o seu diretor o Padre Mendes Cerejo.

Esta fase infelizmente apenas dura 26 semanas.Membros do governo fascista recomeçam a atacar o Jornal e o «varzinismo» em vários jornais da situação.O Trabalhador foi sendo esvaziado de conteúdo pela censura, diminuindo as assinaturas e definitivamente encerrado pelo governo de salazar em 1948.

Foi desta corrente crítica do catolicismo social que mais tarde emergiu um setor dos Movimentos Operários Católicos que deram origem ao Centro de Cultura Operária (CCO) na década de 60 do passado seculo XX e cujo núcleo duro, democrata e anticapitalista, criaria na clandestinidade a BASE e, após o 25 de Abril, a BASE-FUT.

O herdeiro legitimo deste histórico jornal é o  «Voz do Trabalho» da Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos, LOC/MTC.

 

Texto comemorativo dos 50 anos da BASE-FUT elaborado por Brandão Guedes com base em Aquivos do Forum Abel Varzim, Edições Base e obras da historiadora Maria Inácia Rezola.

Junta-te à BASE-FUT!