A economia social ou terceiro sector rem Portugal tem uma história muito própria, diferente de outros países europeus, nomeadamente da espanhola, da italiana ou francesa, embora com traços comuns e até ligações e influências mútuas.No tempo da Monarquia o associativismo ainda tinha muitas caracteristicas das corporações.As primeiras associações de classe e associações de socorros procuravam, no entanto, responder a problemas dos trabalhadores e dos pobres.Problemas de saúde, de desemprego, na viúvez e na morte.Não existia o Estado Social dos nossos tempos nem direitos sociais e laborais.
A monarquia e as primeiras associações
Assim, vemos que em 1839 ocorre a criação da Associação dos Artistas Lisbonenses com objectivos muito precisos :os socorros na doença, as pensões às viúvas e órfãos , bem como a sustentação de um aula de instrução primária.
Mais tarde, em 1852, outra associação, o Centro Promotor do Melhoramento das Classes Laboriosas, com estatutos de Sousa Brandão, propõe-se criar associações, difundir o ensino técnico, organizar presépios e asilos para os inválidos e aperfeiçoar os métodos de trabalho.
Costa Goodolphin, um teórico da Previdência e fundador de numerosas sociedades operárias em Lisboa, anotou em 1875, cerca de 260 associações com cerca de 40 mil sócios repartidas por diversas modalidades como montepios, associações de classe, cooperativas de consumo e caixas de empréstimo.
As Misericórdias e outras associações ligadas à Igreja Católica já tinham, entretanto, feito o seu caminho, com centenas de anos de experiência assistencialista e caritativa.
Em 1867, porém, já temos o primeiro código cooperativo com a carta de lei sobre sociedades cooperativas pela qual o rei D. Luis sancionou o decreto das Cortes Gerais de 19 de junho.
Um ano antes, em 1866, tinha ocorrido o 1º Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores.Esta Internacional, apesar de frágil, foi uma esperança enorme no sentido de afirmar a autonomia da classe trabalhadora com direitos e uma organização própria, independente dos laços corporativos, religiosos e patronais.No entanto, os debates ainda eram muito verdes.Ainda debatiam acaloradamente se os intelectuais poderiam pertencer à organização de trabalhadores.A Comuna de Paris em 1871 teve ecos em quase todo o mundo e, pela experiência de luta que deu, contribuiria para um grande salto organizativo e de consciência da classe trabalhadora.
O Partido Socialista e o Asssociativismo
A criação em Portugal do Partido Socialista em 1875, que nos primeiros tempos agrupava no seu interior associações de classe , cooperativas e outras entidades,foi um dos sinais dessa autonomia operária.
De 4 a 7 de janeiro de 1894 realizou-se o Congresso Cooperativista em Lisboa.Foi talvez a primeira iniciativa nacional de maior âmbito promovida pelas cooperativas operárias.A iniciativa partiu da Cooperativa 1º de Abril e participaram delegados de 22 cooperativas , a maioria da área socialista.No relatório do congresso afirmava-se«É para as cooperativas de consumo que os trabalhadores mais se têm voltado, desprezando por forma bem manifesta as de crédito e produção».
Nas grandes cidades quem liderava o associativismo e o terceiro sector emergente eram as associações de classe e mais tarde os sindicatos.Autodidatas, os sindicalistas da época, em particular os sindicalistas revolucionários influenciados pelo anarquismo, dinamizavam outras asssociações de cultura, de socorro, jornais e grupos de reflexão e ação onde alguns intelectuais também colaboravam como no caso de Antero de Quental.Foi nesse contexto que se realizaram as famosas conferências democráticas do casino.
O Primeiro Congresso Nacional das Associações
Este associativismo foi muito importante nas décadas antes da implantação da República, pois foi um espaço decisivo para difundir os ideais republicanos e sindicalistas.Nestes ideais de emancipação existia também um forte sentimento contra o poder do clero e da sua influência nas populações.
Em 1894 temos o Congresso Nacional das Federações das Associações de Classe em Lisboa e Porto.Reividica-se a proteção das mulheres e dos menores no trabalho.Estatuto não militar dos funcionários públicos;estabelecimento legal do dia normal de oito horas de trabalho;organização da classe trabalhadora para a ação.
Fica constituída a Confederação Nacional das Associações de Classe, um primeiro esboço de central sindical e são criadas caixas de resistência.Pouco a pouco a classe trabalhadora vai amadurecendo as suas propostas e reivindicações.
Foi perante esta situação claramente laica, e até hostil, que a Igreja Católica começou a reagir.Em 1889 aparecem no Porto as primeiras organizações católicas para os trabalhadores, e não dos trabalhadaores, que estarão na origem do Centro Católico Operário.Em 1891 o Papa Leão XIII publica a Encíclica «Rerum Novarum» com uma profunda reflexão sobre o trabalho, o capital, a propriedade e as organizações de trabalhadores.
A partir daqui os católicos portugueses criam vários centros católicos de operários e outras agremiações associativas.A perspetiva era militante, mas anti sindicalista e anti socialista.Eram associações interclassistas, na maioria dos casos, onde queriam colocar patrões e operários juntos,não reconheciam aos trabalhadores interesses próprios e autónomos.
Duas grandes correntes históricas no Associativismo
Os Centros Católicos nunca foram uma alternativa aos sindicatos laicos liderados pelos socialistas e depois pelos sindicalistas revolucionários e anarquistas.Todavia, as agremiações católicas de todo o tipo, em particular as misericórdias, na ausência de proteção social pública, foram o amparo dos mais desvalidos e excluídos que eram aos milhares na sociedade daquele tempo.
Mas já no tempo da Monarquia, passando pela República e pela ditadura do Estado novo foram fazendo caminho duas correntes no associativismo e naquilo que mais tarde se veio chamar de economia social ou terceiro sector.Uma laica ora mais influenciada pelos socialistas,ora pelos republicanos, anarquistas e comunistas;outra sempre ligada à Igreja, ora mais assistencialista ,ora mais reivindicativa de direitos.Essas duas correntes ainda hoje continuam no nosso país.Vigiadas, reprimidas e controladas na Ditadura, procuraram sobreviver, ora concorrentes, ora convergentes na ação até aos dias da liberdade e da construção da nova República nascida com o 25 de Abril de 1974.Este passado marcou a realidade da nossa economia social.Todavia a maior marca da economia social de hoje tem a ver com o que se passou com o processo da Revolução de Abril e com a globalização.