O 25 de Abril não pode ser só memória

Pedro Estevão*

Aproximamo-nos dos 50 anos do 25 de abril. Como todas datas redondas, este é um motivo para comemoração. Esta comemoração deverá, claro, ter uma componente de celebração da memória. Da memória dos homens e mulheres de vários quadrantes políticos – anarquistas, comunistas, socialistas, republicanos liberais, católicos progressistas – que, arriscaram, e por vezes perderam, a vida na resistência ao fascismo. Da memória de um movimento operário brutalmente reprimido. Da memória dos militares de abril. Da memória de todos os que, durante e após a revolução, lutaram – ganhando umas vezes e perdendo outras – por construir instituições que permitissem a Portugal recuperar das quase cinco décadas de miséria, repressão, violência, injustiça e obscurantismo impostas ao país pela ditadura.

Celebrar a memória do 25 de Abril e as conquistas é justo

Celebrar esta memória é, pois, justo. Mas ficarmo-nos só por ela seria um erro crasso. Seria reduzir o 25 de abril um mero episódio histórico, cada vez mais a caminho da musealização. Ora, as aspirações de liberdade, igualdade, solidariedade, prosperidade e paz que estiveram na base de abril não são peças de museu. São tão atuais hoje como eram há 50 anos.  Precisamos, pois, de nos interrogar se e como estas aspirações foram cumpridas. Ou seja, de fazermos um balanço crítico da nossa democracia. Um balanço guiado pelos valores de abril.

Devemos, claro, salientar o muito que se conseguiu nestes 50 anos. A descolonização, a consagração das liberdades cívicas e políticas, a igualdade jurídica das mulheres face aos homens, o poder autárquico, os avanços espetaculares nos indicadores de saúde, o aumento exponencial das qualificações escolares dos jovens ou a erradicação do trabalho infantil são apenas alguns exemplos de conquistas civilizacionais da nossa democracia.

Impiedosos com o que falhou

Mas devemos também ser impiedosos com o que falhou e continua a falhar. Como um Serviço Nacional de Saúde em agonia devido ao desinvestimento mais ou menos oculto, uma escola pública que se mantém presa a um paradigma de ensino expositivo e elitista, políticas sociais que continuam a ser fortemente marcadas por um cunho corporativo e caritativo, uma comunicação social cada vez mais débil e dependente, políticas de habitação inexistentes, locais de trabalho marcados pelo autoritarismo e pela hostilidade à organização dos trabalhadores e salários ajustados ao poder de compra dos mais baixos da União Europeia.

Reconhecer estes e outros falhanços não é diminuir a democracia. Pelo contrário, é exigir que ela se aprofunde para lhes dar resposta. E é um passo fundamental para podermos desenhar uma nova geração de políticas fiel às aspirações de abril.

*Sindicalista e Coordenador Nacional da BASE-FUT

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