Muitas agendas, poucas soluções!

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Isabel Camarinha*

O Governo apresentou em sede de Concertação Social medidas que enformam uma pretensa “agenda

para promover o trabalho digno e valorizar os jovens no mercado de trabalho”. É uma iniciativa que se cruza com a elaboração do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho (LVFT) e o denominado “pilar europeu dos direitos sociais” (PEDS).

A situação com que milhares de trabalhadores se debatem no exercício das suas profissões exige medidas

concretas e eficazes que invertam a tendência para a generalização dos baixos salários, o crescimento da precariedade laboral que se converte numa autêntica chaga social, a intensificação e o alargamento dos ritmos e tempo de trabalho.

Se é certo que, por um lado, a apresentação de sucessivas agendas traduz a constatação por parte do Governo de uma situação insustentável para os trabalhadores e para o próprio desenvolvimento do país, por outro, as medidas que contemplam não dão resposta às causas dos problemas, não contribuem para reduzir as desigualdades geradas, não rompem com o modelo assente nos baixos salários, na fragilização do vínculo laboral ou no enfraquecimento da contratação colectiva que alimenta a individualização das relações laborais e a exploração.

PEDS tem carácter limitado e perverso

Uma análise rigorosa ao PEDS, não nos deixando iludir pela brutal campanha de propaganda em curso, uma avaliação que não se fique pelas letras gordas e incida sobre o seu conteúdo, e rapidamente constatamos o seu carácter limitado e perverso, com uma visão que é todo um regresso ao passado.

À nossa exigência de aumento geral dos salários em 90€ e da fixação do SMN nos 850€, o “pilar social” decide entrar por uma área que era até aqui de competência exclusiva dos Estados, para apresentar uma Directiva sobre Salários Mínimos, que procura interferir no método e critérios de fixação do salário mínimo em cada país, com critérios que se fossem aplicados em Portugal, constituiriam uma pressão objectiva no sentido de conter a necessária evolução do salário mínimo.

À nossa exigência de garantir o emprego com direitos tal como dispõe a Constituição, lá vem o PEDS juntar o conceito do emprego adaptável e defender que “a flexibilidade deve ser garantida aos empregadores”. É precisa mais flexibilidade? É preciso flexibilizar o quê? Os horários de trabalho, o trabalho por turnos? Os bancos de horas? O trabalho ao Sábado, Domingo e feriados? É preciso tornar os trabalhadores em peças ainda mais descartáveis na engrenagem do lucro?

A precariedade, que nega e adia projectos de vida a centenas de milhares de trabalhadores no nosso país, é admitida, caso não seja utilizada de forma “abusiva”.

Os despedimentos sem justa causa, que a legislação nacional proíbe, aparecem no Pilar como possíveis, bastando uma “compensação adequada”.

No cardápio para o retrocesso aparece ainda a tese de que os subsídios de desemprego não devem ser demasiado altos, para não desincentivar o regresso ao trabalho. Um insulto aos trabalhadores portugueses que vêem negado o direito ao trabalho, caem no desemprego e são empurrados para a pobreza. A maioria dos desempregados não recebe subsídio ou quaisquer prestações de desemprego! Cerca de um em cada dois desempregados é pobre!

Mas o PEDS não se fica pela pressão sobre os direitos de quem trabalha e ataca também o direito à aposentação, com um conjunto de formulações que abrem as portas ao aumento da idade da reforma. Querem-nos pôr a trabalhar o máximo possível, porque para eles os trabalhadores só servem como fonte do lucro e um trabalhador na reforma é visto como um custo, como um peso, como algo que constitui um problema, seja para a saúde, seja para as contas da segurança social, e não como um ser humano que tem direito a um tempo de qualidade, com um rendimento e boas condições de saúde, depois de uma vida de trabalho.

À exigência pela melhoria dos serviços públicos, ao papel do Estado que o último ano afirmou como insubstituível na vida do nosso povo, lá vem o PEDS colocar travões e recolocar na área do negócio direitos sociais fundamentais.

A Escola Pública, gratuita, inclusiva e de qualidade tem no documento da UE o contraponto de uma educação que deve ser a “preços comportáveis”.

A mesma bitola dos “preços comportáveis” é usada para a saúde, conceito bem distinto de uma saúde tendencialmente gratuita que a Constituição consagra e a CGTP-IN exige.

PEDS é uma pressão para o nivelamento por baixo

Aquilo que o PEDS representa, neste conjunto de direitos e áreas, é uma pressão para o nivelamento por baixo, ou seja, para que sejam dificultados avanços no sentido da estabilidade e segurança no emprego, dos salários, dos vínculos de trabalho, na redução do horário de trabalho, mas também nos direitos à saúde, educação, protecção social e aos diferentes serviços públicos, para além de lançar as bases para uma futura subida da idade da reforma.

No quadro da denominada agenda digital, aquilo que é defendido no PEDS é o teletrabalho sem a garantia de todos os direitos, é a promoção do trabalho nas plataformas digitais, da UBER, da GLOVO e de tantas outras que proliferam ao sabor do lucro rápido e sem complicações, que o PEDS considera como sendo portador de uma espécie de terceiro tipo de trabalhador, qualquer coisa entre os assalariados e os que trabalham por conta própria. Dizendo cinicamente que se pretende proteger estes trabalhadores, faz-se precisamente aquilo que desejam as multinacionais das plataformas e tentam contornar a evidência de que estamos perante trabalho subordinado, e de uma relação entre patrões e assalariados que trabalham à peça, ao dia ou à tarefa, qual praça de jorna.

Uma agenda digital que visa tirar todo o partido dos avanços na ciência e nas tecnologias, mas que não tem uma linha sobre a redução do tempo de trabalho, porque para o grande patronato, mesmo com máquinas do século XXI, bom, bom, era voltar aos tempos e ritmos de trabalho do século XIX.

«Agenda verde » usada para justificar encerramento de unidades produtivas

Já a chamada agenda verde é usada como justificação para o encerrramento de importantes unidades produtivas no nosso país. Que o digam os trabalhadores da refinaria de Matosinhos ou da termoelétrica de Sines, encerradas por interesse dos accionistas à boleia de uma pretensa defesa do ambiente. Nada mais falacioso. A energia que deixamos de produzir passamos a importar dos países que mantêm a sua produção e o ambiente não tem fronteiras, a poluição não se reduz. Aquilo que se reduz são mesmo os empregos na região, é a capacidade produtiva nacional, é a soberania energética.

Mal vai o Governo do PS, quando transporta boa parte destas teses e das medidas para o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho.

Mal vai o Governo quando apresenta uma “agenda para promover o trabalho digno e valorizar os jovens no mercado de trabalho”, que não contém uma medida que impulsione a subida geral dos salários, que promova a redução do tempo de trabalho, que faça com que cada posto de trabalho permanente seja ocupado por um trabalhador com vínculo efectivo, que não retire os bloqueios que fragilizam a contratação colectiva, nomeadamente a revogação da norma da caducidade ou a reintrodução do principio do tratamento mais favorável.

No meio de tantas agendas, de tantas medidas, continuam a escassear as soluções que libertem o país da estagnação económica, da produção amarrada a produtos de baixo valor acrescentado, das desigualdades e do empobrecimento.

A CGTP-IN, hoje como ao longo dos seus 50 anos de história, continuará, de forma intransigente, a desenvolver uma acção e luta em prol da melhoria das condições de vida e de trabalho e pelo desenvolvimento sustentável do nosso país.

Setembro de 2021

 

*Secretária Geral da CGTP-IN

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