Lutar contra a precariedade

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Pierre Marie*

A precariedade laboral continua a ser um ângulo morto da atual solução governativa em Portugal e mantém-se como um dos principais travões para a conquista de um trabalho digno. As organizações de trabalhadores e os sindicatos têm um papel fundamental para travar esta luta contra a precariedade. O tema da precariedade ganhou mais destaque nos anos 2000 com a sua generalização e com as políticas de austeridade. Os protestos da “Geração à rasca” em 2011 deram voz a estes jovens para quem a precariedade constituía o único horizonte.

Se a precariedade ganhou novos contornos, não devemos esquecer que é uma constante do desenvolvimento do capitalismo. Como escreve João Fernandes Ferreira no livro Trabalho igual, salário diferente: Uma análise das denúncias publicadas pela plataforma Ganhem Vergonha. (2017) “foram reinventadas antigas formas de exploração laboral, tais como o pagamento por serviço […], a subcontratação ou o trabalho temporário” (p. 27). As condições de vida dramáticas de trabalhadores ao longo do século XX mostram que, para algumas classes profissionais, a precariedade laboral sempre foi uma realidade.

O pretexto da crise e o desenvolvimento das novas tecnologias reconfiguraram os mecanismos desta precariedade e alargaram-na a novas camadas da população, nomeadamente os jovens com formação. O boom do “capitalismo de plataforma” (Uber, Airbnb…) e a promoção de um falso empreendedorismo constituem um regresso ao passado da precariedade. A promoção do trabalhador independente, a ganhar à peça, sem direito a férias ou a segurança aparece como o modelo de que sonha essa suposta “nova economia” assente na individualização das relações de trabalho.

Temos de lutar contra a ideia de que a precariedade possa ser uma norma. Para toda uma geração de trabalhadores mais jovens o trabalho precário, os estágios, os recibos verdes aparecem como uma normalidade e, cada vez mais, como a única forma de ingressar no mercado de trabalho. Esta precariedade pode ser pensada como algo provisório, mas para muitos trabalhadores prolonga-se no tempo. Temos de lutar contra a precariedade como um dado adquirido e transmitir a ideia de que não deveria ser normal trabalhar sem ser pago, de que não é normal trabalhar sem ter direito a férias, de que não é normal trabalhar sem ter acesso aos direitos associados ao trabalho. E relembrar que estes direitos foram conquistados pela organização dos trabalhadores. O trabalho com contrato e com direitos deve ser a norma. A organização dos trabalhadores precários passa por um primeiro passo de consciencialização e de recusa que a precariedade possa representar uma norma para o trabalho.

Devemos também sensibilizar os outros trabalhadores, os trabalhadores com situação estável, para travar a generalização da precariedade. Existe um dever de solidariedade que nem sempre está a ser cumprido. Os trabalhadores com estatuto deveriam recusar ter colegas a fazer o mesmo trabalho do que eles sem nunca poder alcançar este estatuto. São estes trabalhadores que têm mais força e mais segurança para poder protestar. Esta solidariedade é também uma necessidade porque se um trabalhador cumpre a mesma função sem ter direitos, como é que se pode justificar a permanência destes direitos? As lutas recentes dos estivadores representa um exemplo da importância da unidade para fazer face à precariedade.

A reivindicação de uma maior regulação do mundo do trabalho deve fazer parte da agenda das organizações de trabalhadores. Devemos apoiar um reforço da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) para fiscalizar e pôr termo às situações de incumprimento da lei. Os falsos recibos verdes, pela sua generalização, são uma autêntica vergonha para o país. Existe no Código do Trabalho o artigo 12º que visa definir a presunção de contrato de trabalho. Há que fazer cumprir esta presunção e fiscalizar as empresas e as próprias entidades do Estado. Citando novamente o livro Trabalho igual, salário diferente, os anúncios de emprego são uma “zona de ninguém” (p. 15) que não pode permanecer sem regulação. As organizações de trabalhadores têm que lutar pela implementação de regras de fiscalização.

Os gestores e empresários mostram assim uma grande criatividade para dar continuidade à precariedade e renovar os mecanismos de exploração. Estas práticas revestem-se de várias roupagens: estágios não remunerados, concursos criativos, falsos anúncios de emprego para fins comerciais, recibos verdes abusivos… Para protestar contra esta precariedade, as organizações de trabalhadores e os sindicatos também devem abrir novos caminhos na militância. A organização dos trabalhadores surge como a única forma de fazer recuar estes mecanismos, obrigar o Estado a uma maior regulação do mercado de trabalho e criar respostas coletivas para a uma verdadeira democracia política, económica e social.

*Membro da Comissão Executiva da BASE-FUT e Coordenador da Região Centro

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