Honremos a Memória das Vítimas do golpe militar no Chile!

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Fernando Abreu*

Completam-se hoje, 11 de Setembro, 50 anos sobre o golpe militar que derrubou Allende e pôs fim a um legítimo governo constitucional, instaurando no Chile uma das mais cruéis e desumanas ditaduras de que há memória.

Dezenas de milhares de dirigentes e militantes de todos os movimentos progressistas, socialistas, comunistas e democratas cristãos de esquerda, dirigentes sindicais e de movimentos  populares de base, mulheres e homens, adultos e jovens, foram eliminados fisicamente, muitos deles após violentíssimas torturas que os deixavam irreconhecíveis, pelo que eram lançados de aviões para o mar.

A vitória eleitoral da esquerda e a posterior confirmação de Allende pelo Congresso de Deputados como chefe do governo constituiu um rude golpe para os Estados Unidos, tendo resultado infrutífera a acção da CIA, cujos funcionários e espiões que se movimentavam no país a apoiar, com poderosos meios, organizativos e financeiros, os partidos da direita e seus grupos terroristas.

Os Estados Unidos que se sentiam preocupados com a presença no continente da Cuba de Fidel de Castro, e recentes perdedores da guerra no Vietnam, sentiam-se em perda da liderança mundial, pelo que a presença no continente americano de um novo governo socialista, para mais eleito democráticamente,  representava uma intolerável afronta.

Ação ilegal dos Estados Unidos da América

Os governantes dos Estados Unidos que, desde sempre, consideraram a América  do Sul como uma espécie de “coutada” na qual impunham as suas leis e nas quais implantavam, por acordo ou à força, as suas empresas exploradoras das riquezas naturais e dos trabalhadores locais, tomaram a decisão de, usar todos os meios, mesmo os ilícitos, para criarem dificuldades à governação socialista e à eliminação dos seus leaders e apoiantes mais activos.

Para a consecução de tal objectivo, a CIA reforçou o apoio aos partidos e agrupamentos desestabilizadores da direita, formando e capacitando os  grupos terroristas, orientando os comerciantes para o boicote à distribuição de alimentos, ao mesmo tempo que o governo dos E.U. procedia ao corte de empréstimos ao novo governo a fim de lhe dificultar as importações de bens essenciais e  equipamentos.

Em simultaneo, reforçava  os contactos com os altos comandos das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aviação), muitos deles com formação nos Estados Unidos, convencendo-os a derrubarem o governo. De entre os Generais e Almirantes, Pinochet que durante os quase três anos de  governação de Allende, não dera sinais de oposição .ao programa governativo, acabaria por ser aliciado, provavelmente, com a proposta de lhe ser confiada a Presidência, e aderiu ao golpe militar.

A maior redistribuição de terras da História

Allende foi um socialista marxista que se propôs adoptar o que  classificava de “via chilena” para o socialismo convicto de que era possível edificar no Chile, em democracia, uma sociedade socialista assente nos princípios do socialismo e de um marxismo não colectivista.

Para tal, iniciara, de acordo com o Programa da Esquerda Unida, a divisão da Economia em 3 áreas: estatal, cooperativa e privada, constituindo as duas primeiras a Area de Propriedade Social, e limitando a área privada a pequenos negócios, procedeu à nacionalização de algumas das mais importantes empresas norte americanas que dominavam   a exploração do cobre e a agro-cultura.

Arrancou com a Reforma Agrária distribuindo, numa primeira fase, terras a cerca de 100 mil famílias, o que, segundo a FAO (a Agencia das Nações Unidas para a Agricultura) constituiu a maior redistribuição de terras, por meios legais, ocorrida na história, sendo de notar que, disposições governativas impediam as ocupações “selvagens”.

Estas medidas foram acompanhadas  pelo combate ao analfabetismo que, na base do “método”  de Paulo Freire, com a mobilização de professores e alunos das escolas de todo o país, em tão curto prazo de tempo, reduziram a metade o analfabetismo no  Chile.

Todas estas medidas que afectavam de forma drástica as oligarquias locais, eram indispensáveis para que a governação cumprisse a  sua promessa de criar as condições económicas e sociais que possibilitassem aos pobres, trabalhadores e classe média baixa saírem da miséria a que estavam submetidos por sucessivos governos de direita, pelo que, nas sondagens, a credibilidade do governo registava crescente aumento de popularidade.

Manifestar gratidão

É impossível saber até que ponto a “derrota” do projecto de Allende de edificar uma sociedade socialista democrática, teve, e terá no futuro, para os Movimentos que lutam pelo Socialismo Autogestionário.

Porém, independentemente de juízos históricos, que, por vezes, expressam pontos de vista contraditórios, julgamos ter o dever de, como trabalhadores e militantes socialistas autogestionários, manifestar gratidão a todos os dirigentes e militantes que lutaram pela promoção e dignificação do povo chileno e a construção de um país digno.

É,pois, justo destacar o “leader” Allende pela sua determinação na defesa do povo pobre e exaltar o dom de uma vida digna até ao último sopro recusando entregar-se vivo  aos traidores do povo da sua pátria.

É do seu último discurso transmitido pela rádio e os aviões já bombardeavam o palácio de La Moneda que respigamos a seguinte passagem:

~                              “Trabalhadores da minha pátria: Quero agradecer-vos a lealdade que sempre tiveram, a confiança que depositaram num homem que só foi interprete dos grandes anseios de justiça, que empenhou a sua palavra em que respeitaria a Constituição e a lei, e foi o que fiz”.

Algés, 11 de Setembro de 2023

*Fundador e primeiro Coordenador Nacional da BASE-FUT

 

 

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