Greves na Covilhã de 1941 contra a fome e a repressão

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José Duarte*

“Há exactamente 80 anos, a 5 de Novembro, operários e operárias da Covilhã, rebelaram-se, entraram em greve, enfrentaram a polícia da ditadura e alguns acabaram na cadeia política de Caxias.  Uma página em brasa na história da cidade, da qual não há imagens nem ficaram escritos públicos, impedidos pela censura.  O Jornal do Fundão foi aos processos da PIDE e a outras fontes para reconstruir os acontecimentos.

– Destaca o Jornal do Fundão, na sua edição do passado 4 de Novembro, onde descreve os acontecimentos que vão das fábricas paradas à invasão do Pelourinho.

Naquele dia 5 de Novembro de 1941, pelas 8 horas da manhã, cerca de cinco mil operários dos lanifícios da Covilhã e arredores iniciavam uma greve e punham-se em marcha a caminho do Pelourinho.  O comandante Ramos Paulo, da GNR da Covilhã, está no largo do município às 8,30h da manhã e pouco depois (como escreveu no relatório enviado ao ministro do interior) vê “uma grande multidão de operários de ambos os sexos a vir pela rua Direita em grande algazarra e atitude hostil…”  Já havia patrulhas policiais desde manhã cedo nas imediações das fábricas, junto às ribeiras da Carpinteira e da Goldra.

Com a lei do Estado Novo, Salazar proibira a greve e a oposição política, controlava os sindicatos numa estrutura nacional e encarava a paralisação do trabalho como um crime a punir severamente, o que abafava as tensões sociais e as reivindicações dos operários. A miséria vai-se agravando e, naquele mês de Novembro de 1941, a tampa salta com estrondo na cidade-fábrica onde laboravam mais de 130 empresas de lanifícios.

O escritor Ferreira de Castro, no seu livro “A Lã e a Neve” havia de escrever depois que “os operários viviam em casebres insalubres: homens de faces ocultas nas golas dos velhos sobretudos, mulheres embrulhadas nos xailes escuros e garotos de 12, 14 anos vestidos com remendadas roupas”.

   Os operários vinham reclamando aumentos de salário e, no mês anterior, uma comissão de operários das maiores fábricas apresentou ao sindicato um pedido para que houvesse um aumento de salários… Sem respostas, na noite de 4 de Novembro vão ao sindicato algumas centenas de trabalhadores que se mantiveram concentrados enquanto a comissão voltava a falar com a direcção do sindicato… Perdida a confiança na intermediação do sindicato, terá ficado ali combinado a greve para o dia seguinte.

As fábricas são patrulhadas e uma dezena e meia de operários são presos e levados para os calabouços que ficam na base do edifício dos paços do concelho (levados depois para cadeia política de Caxias). É para o Pelourinho que se dirige  “uma enorme multidão de mulheres e crianças, seguidas de perto pelos homens” exigindo a libertação dos presos. Chegam reforços policiais e um pelotão militar do quartel de Caçadores 2. Alguns feridos são levados para o hospital e um dos operários fica com uma perna amputada.

É a vigilância das fábricas e dos edifícios públicos. Uma equipa da PVDE, incluindo o subdirector Pessoa Amorim, deslocou-se para a Covilhã e começa a fazer interrogatórios.  Alguns operários influentes são convocados para demoverem os grevistas. O trabalho é retomado no dia 8 de Novembro, com promessas de que a situação seria remediada…

Porém, nada foi remediado e a 6 de Dezembro as fábricas voltam a parar.   Face a nova greve, o próprio Grémio dos Industriais de Lanifícios reúne em assembleia geral e, perante as “perturbações graves da vida social e económica da Covilhã”, envia a Salazar um telegrama a favor de uma melhoria salarial. Mas nada muda.

O governador civil, António Pinto Castelo Branco, manda a seguir publicar um comunicado ameaçando com pena de prisão e degredo aos grevistas. Os industriais são intimados a apresentarem listas de operários presentes e ausentes. Nem todos retomam o trabalho, mas a greve dilui-se.

O Notícias da Covilhã, dois meses mais tarde, refere-se à penúria que alastra na cidade e aos “bandos famélicos cobertos de farrapos”, apelando a  uma união das instituições de beneficência para “dar comida a quem tem fome e vestir os desenrpoupados”…

Só em 1943, viria a verificar-se uma aumento salarial, com um novo contrato colectivo para os lanifícios. Em 1946  as greves nos lanifícios  voltarão a agitar a Covilhã, com muitas dezenas de presos, incluindo mulheres, mas a ditadura acabaria por resistir e endurecer ainda mais a repressão.  Os alvos da “PVDE – Polícia de Vigilância e Defesa do Estado” (em 1945 passa para PIDE e em 1969 para DGS – Direcção-Geral de Segurança), não eram só as organizações políticas forçadas à clandestinidade, mas também o próprio movimento operário, no qual o salazarismo procurava extinguir qualquer cultura de protesto e acção colectiva, enraizada na Covilhã.

Entre os operários presos e levados para Caxias, a polícia do regime procurava ligações a organizações políticas, mas não as encontrou. Os 15 operários quase todos jovens estiveram sete semanas em Caxias, com passagens pela sede da PIDE e pela prisão do Aljube. Um deles, Felisberto Fernandes, casado, com 28 anos de idade e analfabeto, após mais um interrogatório, viria a morrer no hospital de S. José.

Após anos e anos de controlo e repressão laboral em todo o país, o operariado da Covilhã, põe fim à resignação e surpreende o regime. “É o que vai desencadear os movimentos grevistas até 1946. Os operários dos lanifícios estiveram na vanguarda” – conclui o historiador António Rodrigues Assunção.

Nota:

Texto redigido com base na reportagem do Jornal do Fundão, publicada a 04 de Novembro de 2021.

Covilhã, Novembro de 2021 

*José Manuel Figueiredo Duarte foi sindicalista, é militante da BASE-FUT e Animador  Social

 

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