Foi há cinquenta anos….obreiros da Intersindical!

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-Poderemos construir o futuro sem conhecer a nossa História?

O dia 1 de outubro de 1970 é a data oficial da constituição da INTERSINDICAL.Mas o processo desenvolveu-se nos anos anteriores, na década de sessenta, e envolveu dezenas de sindicalistas que lutavam contra a ditadura e queriam um movimento sindical livre e democrático. Nesta luta contra a ditadura estiveram envolvidas duas correntes: a comunista e a católica (1). Nesta última, dois nomes se destacaram muito cedo:um, o Manuel Lopes, ex-dirigente da Juventude Operária Católica e Animador Sindical do Centro de Cultura Operária (cco) que, com outros companheiros da oposição e o apoio do CCO, elegeram uma direção honesta e democrática no Sindicato dos Laníficios, e da qual foi presidentee da Direcção e, após o 25 de Abril, dirigente destacado da CGTP, morrendo prematuramente aos 55 anos;  outro, o Fernando Abreu, também ele dirigente dos Movimentos Operários da Ação Católica e do CCO, activista no sindicato dos escritórios, co-fundador do  Movimento BASE na clandestinidade e mais tarde em 1974, co-fundador da BASE-FUT.

O ano de 1970 culminou uma década de lutas operárias e estudantis em grande parte dos países europeus.O diatador Oliveira Salazar acaba por morrer após dois anos de coma, mas a ditadura continua com Marcelo Caetano.Ocorrem vários movimentos grevistas com destaque para os estivadores, Penteadora de Unhais da Serra (Covilhã), pescadores do Algrave, na fábrica de vidro, Pereira Roldão, na Marinha Grande.Nas universidades continua a contestação dos estudantes com greves nas universidades de Coimbra e Lisboa. Estudantes e operários são presos e torturados nas prisões.Alguns sectores dos Movimentos Operários Católicos denunciavam  não apenas a ditadura, mas também o capitalismo, vigiados pela polícia política e com apreensão do Cardeal António Ribeiro que viria, em 1974, a ser confrontado com a impossibilidade de, como era sua vontade, promover a criação de Sindicatos Cristãos.

.Em 1969 entre os presos estava um dos padres mais rebeldes da época, o conhecido Padre Mário de Oliveira.Os seus livros, que criticavam a guerra e a Igreja comprometida com o regime, eram perseguidos pela censura e pela PIDE e apenas passados de mão em mão entre católicos e ateus.

 

Foi necessário coordenar a luta sindical contra a ditadura

Foi neste ambiente efervescente dos últimos anos da década de sessenta que se acentuou a luta dos trabalhadores pela conquista de melhores salários, condições de trabalho e de liberdade sindical.Um dos grandes objectivos era conquistar os sindicatos corporativos com direções impostas pelo governo e aproveitando uma ligeira abertura do regime.Pouco a pouco foram sendo eleitas direções democráticas e honestas para sindicatos importantes como os bancários, caixeiros(comércio), metalúrgicos e lanifícios.Este movimento, clandestino e animado por sindicalistas da oposição foi crescendo de tal maneira que foi necessário estabelecer o mínimo de coordenação para dar mais força e sentido ás lutas e eleições sindicais a realizar.

Nas primeiras reuniões de coordenação intersindical destacaram-se dois nomes, o Manuel Lopes e o Fernando Abreu, ligados aos movimentos operários católicos, nomeadamente ao Centro de Cultura Operária, o Centro de Formação criado pela Liga Operária Católica com o apoio da CISC (Confederação Internacional dos Sindicatos Cristãos), mais tarde  CMT (Confederação Mundical do Trabalhoi).

No desenvolvimento da sua ação sindical, o Manuel Lopes ganhou a direção do sindicato dos lanifícios para o que contou com o apoio operativo do CCO sendo convidado a integrar o Grupo Coordenador intersindical.O Fernando Abreu, director do CCO e activista do SITESE (Sindicato dos Trabalhadores de Escritório) era, à data, o Coordenador da Secção do Ramo Aautomóvel, pelo que viria a ser convidado pelo Manuel Lopes para essas reuniões intersindicais clandestinas.

Não aos sindicatos católicos

A criação em 1966 do Movimento BASE, na clandestinidade, por um grupo de vários dirigentes e ex-dirigentes dos Movimentos da Ação Católica Operária (Juventude Operária Católica e Liga Operária Católica, masculinas e femininas) bem como o  debate havido a partir do ano de 1968 no interior da Liga Operária Católica, particularmente no CCO resolvera algumas questões estratégicas importantes para os activistas operários católicos mais conscientes, nomeadamente que, em Portugal, não haveria lugar para sindicatos confessionais, neste caso cristãos, ao contrário do que existia e ainda existe em vários países europeus. Foi uma decisão assumida maioritariamente  e que clarificou a situação relativamente não só ás reuniões intersindicais como também à de contribuir para o reforço de uma organização sindical unitária desde que respeitasse a autonomia e a democracia interna.

No entanto, com a conquista de mais sindicatos e a evolução do processo  os sindicalistas mais ligados ao PCP no grupo coordenador intersindical apresentaram uma proposta para que este grupo fosse apenas constituido por dirigentes sindicais eleitos em listas de oposição aos dirigentes do sindicalismo oficial. A proposta, que visava eliminar algumas pessoas, teve a votação de 4 votos a favor e de 3 contra, pelo que venceu apenas por 1 voto de diferença, tendo o Manuel Lopes e o Armando Santos, do Sindicato dos Trabalhadores de Seguros e Movimento BASE votado vencidos. O  Fernando Abreu, embora eleito democraticamente na sua secção, pertencia ao SITESE cuja direção central ainda era oficial, ligada ao regime. Embora sendo ativista de um sindicato fundador da UGT, e reconhecido apoiante da Central Única de Trabalhadores, o Fernando Abreu seria mais tarde, sob proposta da CGTP agraciado pelo Presidente da Républica, Ramalho Eanes  em 1983, com a prévia aprovação da Comissão Executiva da Central, sendo mais tarde convidado a integrar a direção da CGTP pelo Coordenador José Luis Judas. Convite que não foi aceite apenas porque considerou não poder conciliar com as responsabilidades executivas na Base-FUT e por estar a  atravessavar um momento problemático da sua vida familiar.Foram, pois, sinais significativos de reconhecimento da sua actividade sindical, não apenas a nível nacional, como, muito particularmente,  a nível internacional dadas as suas ligações ao sindicalismo de inspiração cristã.

Os mais empenhados sindicalistas católicos estavam na Intersindical

De realçar que, muitos outros sindicalistas ligados aos Movimentos da Ação Católica Operária e do Movimento BASE, já haviam sido eleitos dirigentes em vários sindicatos conquistados, nomeadamente  o Júlio Ribeiro, o Batista de Sá e o Joaquim Calhau dos bancários, José Barreto Roque, metalúrgicos, Maria Emília Reis do vestuário , José Manuel Duarte da construção e Armando Santos, dos seguros, todos eles, posteriormente, em 1974  militantes da BASE-FUT. De entre estes, o Joaquim Calhau e a Maria Emília Reis foram eleitos no Congresso de Todos os Sindicatos para a Direção da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP).

Ao longo destes já longos 50 anos de vida da CGTP muitos outros militantes que estiveram ligados ao Movimento BASE , ao CCO, às Edições BASE e à Base-FUT desenvolveram, ou ainda desenvolvem a sua ação em sindicatos da CGTP e na própria direção da Central. Permitimo-nos citar só alguns como a Maria Vitória Pinheiro (impulsionadora e co-fundadadora do Sindicato dos Trabalhadiores dos CTT), o Emídio Martins, o Manuel Rodrigues (metalúrgicos), falecido em acidente de automóvel quando se deslocava ao Porto em trabalho sindical com os GAS (Grupos de Ação Sindical do Movimento BASE), a Maria das Dores (Limpesas, Portaria e Vigilância),  a Maria Regina Santos (Trabalhadores da Camara Municipal de Liaboa), o João Lourenço que terminou o seu madato na Central por imperativo do limite de idade, o  Carlos Trndade que, apesar de nunca ter aderido  formalmente à Base-FUt , participou no seu Plenário constituinte e durante mais de 20 anos foi membro ativo do Setor de Intervenção Sindical da Base-FUT, e hoje é o Cordenador da Corrente Socialista, e, finalmente, o Padre Jardim Gonçalves que, certamente com espanto para muitos, foi inspiração e apoio também para muitos sindicalistas.

.Fruto desse trabalho que envolveu sindicalistas de todas as cores, e quatro dias após o 25 de Abril de 1974, teve lugar  o mais extraordinário 1º de Maio da nossa História, com centenas de milhares de portugueses a festejarem a liberdade de norte a sul do país.Grandiosos desfiles populares de alegria espontânea, que devidamente organizados pela Intersindical, percorreram as ruas de Lisboa e do Porto, bem como outras cidades do País.

Nesse Primeiro de Maio em Lisboa, para além de falarem Álvaro Cunhal e Mário Soares, também tomaram a palavra o Manuel Lopes, o Teotónio Pereira e o Francisco Pereira de Moura, todos conhecidos militantes da oposição católica á ditadura. O Fernando Abreu, cujo convite para a Tribuna lhe foi entregue na empresa em que trabalhava por um desconhecido, participou discretamente com muitos outros obreiros da primeira página do nosso sindicalismo livre após a ditadura.

Brandão Guedes

Texto escrito com base em entrevista com Fernando Abreu militante e fundador da BASE-FUT.

 

(1) Prefácio de Manuel Carvalho da Silva na.pag. 3  ao livro das Edições BASE da Base-FUT “Pela Dignidade do Trabalhoi-Utopias e Práticas do Trabalho de Base, e José Barreto in. Revista Análise Social (1994, 1º-2º pag.287)

Junta-te à BASE-FUT!