Estudar para quê?

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Aristides Silva*

Há cerca de duas semanas, foi notícia o facto de haver muitos trabalhadores (perto de 25 %) com qualificações a mais para a função que desempenham. Isto levou-me a pensar na resposta à pergunta em título, partindo do meu caso concreto.

Há mais de 60 anos, o meu professor da 4ª classe mandou chamar a minha mãe porque queria falar com ela a meu respeito. Naquele tempo, não havia Associações de Pais nas escolas e quando um pai ou uma mãe eram chamados pelo professor a razão primeira era o aluno ter feito alguma asneira de maior!

Não foi o meu caso. O professor Nozes incitou a minha mãe a que eu continuasse os meus estudos para além da 4ª classe. Sendo eu, como muitos, filho de um casal de operários (meu pai era metalúrgico e minha mãe têxtil), o normal seria que eu fosse, com 10 anos de idade, para aprendiz de uma profissão similar.

Na verdade, meus pais (com influência maior da minha mãe) puseram-me a estudar, tendo a minha mãe sido criticada pelas vizinhas por esse facto!

Acabei por tirar um curso industrial (naquele tempo, os liceus não eram para os filhos das famílias pobres como a minha!) e ao fim de cinco anos, sem qualquer chumbo, tinha esse curso concluído. Ainda frequentei o ensino superior durante dois anos sem que tivesse, por várias razões, concluído um curso de engenharia.

É óbvio que, mesmo assim, os meus estudos me proporcionaram uma carreira profissional muito diferente daquela que me estaria destinada se não fosse a chamada de atenção do meu professor da 4ª classe e a “teimosia” da minha mãe! Assim, até consegui aceder a postos de chefia e ministrar formação profissional.

Mas hoje, olhando para trás, muito mais que uma carreira profissional diferente, os meus estudos também me proporcionaram o alargar de horizontes, para toda a minha vida, enquanto cidadão participativo na vida das várias comunidades por onde tenho passado! Por isso, costumo dizer que a melhor herança que os meus pais me deixaram foi terem-me posto a estudar, tendo eu aproveitado o mais possível essa oportunidade!

Voltando à pergunta em título, e extrapolando, a resposta é que devemos estudar (de preferência ao longo de toda a vida) não em função de uma profissão mais rentável do ponto de vista financeiro mas mais em função das aptidões de cada um, o que não foi bem o meu caso (diga-se de passagem) pois, ao fim destes anos todos, chego à conclusão de que a minha área deveria ter sido a das Letras e nunca a da Indústria!

Seja como for, não vejo mal nenhum (antes, pelo contrário) em ter-se mais estudos do que aqueles considerados necessários para o exercício de uma qualquer profissão! Por isso é que o ensino obrigatório é hoje o 12º ano quando, “no meu tempo”, era a 4ª classe para os meninos e a 3ª para as meninas, como foi o caso da minha mãe! Por alguma razão o regime político de Salazar e Caetano queria que fosse assim!…

Com o advento do 25 de Abril, não foi preciso eu ter sido chamado à escola das minhas filhas para que elas fossem estudar, sendo hoje ambas licenciadas em áreas da sua escolha!

O que importa, no fim de contas, é que a Escola não forme apenas trabalhadores qualificados para as várias profissões mas, sobretudo, cidadãos de corpo inteiro que se sintam pessoalmente realizados e que contribuam para a melhoria, cada vez maior, da sociedade em que se integram! Daí que, por exemplo, a disciplina de Educação Cívica seja uma ferramenta, entre outras, para esse efeito.

Mais uma vez, que o papel dos pais e da Escola (sobretudo dos professores) seja tudo fazer para evitar o abandono escolar precoce, garantir uma certa orientação vocacional e o de formar cidadãos para que, em última análise, sejam felizes e façam os outros também felizes!…

VILAR DO PARAÍSO, 01/11/2021

*Dirigente Associativo e sindicalista

 

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