Eleições-da surpresa encantadora à enorme responsabilidade futura

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Carlos Trindade*

Na madrugada da noite de dia 31, confirmaram-se as sondagens à boca das urnas que todas as televisões tinham referido a partir das 20:00 horas – o Partido Socialista venceu as eleições com maioria absoluta!

Após a surpresa encantadora, surgia naturalmente uma interrogação pertinente – o que se passou?

De facto, qual a causa (ou as causas) de uma vitória tão expressiva do PS, tendo em conta as várias sondagens, particularmente as das últimas setenta e duas horas antes das eleições, que indicavam um empate técnico entre o PS e o PSD bem como que os restantes partidos das Direitas iriam ter um bom resultado?

E porquê uma maioria absoluta, se a memória colectiva mostrava uma grande aversão a essa solução eleitoral?

A pergunta poderá ter várias respostas mas há uma questão prévia a considerar definitivamente – os cidadãos interessam-se pela “res publica”, pela politica.

Quando confrontados com distinções claras em jogo, sabem fazer escolhas. Ao contrário de uma opinião generalizada (mas errada), os cidadãos são atentos politicamente e somente se desinteressam da política se se apercebem que não há diferenças em jogo. Este sinal já tinha sido dado quando vários estudos referiram que os debates televisivos entre António Costa e Rui Rio estavam a ser vistos por milhões de telespectadores. Na nossa História contemporânea, quando decisões importantes estiveram em jogo, sempre os cidadãos participaram activamente e decidiram positivamente!

O resultado eleitoral demonstra que a maioria da população acreditou nas sondagens. Porém, como tem memória, escolheu livremente quem preferia e quem rejeitava. Assim, mobilizou-se à boca das urnas e votou, reduzindo significativamente as abstenções, de 51.43% nas eleições de 2019 para 42.04% nesta eleições.

O primeiro elemento de decisão para a votação no PS e em António Costa foi certamente a enorme importância que os cidadãos atribuíram aos resultados da “geringonça”.

Materialmente, o governo do PS dirigido por António Costa, parou e reverteu a austeridade e o caminho para o empobrecimento, que a Direita aplicou durante cerca de cinco anos. O Governo PS, devolveu direitos e salários e, na generalidade, governou bem, favorecendo as classes populares, seja no combate à pandemia e aos apoios aos trabalhadores e empresas, seja no aumento dos rendimentos (pensões, salário mínimo nacional e redução dos passes sociais) seja ainda em várias políticas sociais que tomou (livros escolares gratuitos, creches). Por outro lado, no campo do simbólico, a “geringonça” foi a concretização de um velho sonho do Povo de Esquerda – a convergência dos partidos das Esquerdas num programa mínimo de governo.

O segundo elemento de ponderação terá sido a de que o regresso da Direita ao Poder era um risco real e sério, a acreditar nas sondagens.

Na memória popular, as malfeitorias do governo de Passos Coelho / Paulo Portas continua bem fresca! O retrocesso aos tempos da austeridade e pobreza, com ou sem Tróika, era uma hipótese séria. A marca “Direita”, assumida pelo CHEGA e a IL, com a qual o PSD ora rejeitava ora contemporizava, foi bem percepcionada pelos cidadãos – e a sua vitória era uma hipótese, a acreditar nas sondagens. A votação no PS resultou também da rejeição pelos cidadãos de tal hipótese.

O terceiro elemento muito possivelmente relacionou-se com a importância do espirito da “geringonça” no imaginário popular.

O PCP, o BE e o PEV, quando votaram contra o Orçamento na generalidade, sabendo que iriam provocar eleições, não tiveram uma explicação plausível para tal acto. Com esta votação, obliteraram o espirito da “geringonça” e não atribuíram (nem incorporaram na sua análise) a importância que esse espirito, simbolicamente, representa para as classes populares. Pelo contrário, desvalorizaram-no. Estes partidos fundamentaram a sua votação afirmando que o PS pretendia eleições antecipadas para alcançar uma maioria absoluta. Argumento infantil este porque tal a ser verdade, o PCP, o BE e o PEV fizeram exactamente o que o PS pretendia. Ao votarem contra o Orçamento (juntando-se, inacreditavelmente, com todas as Direitas), a Assembleia da Republica foi dissolvida pelo Presidente da República! O Povo de Esquerda não validou este argumento e, no momento das escolhas, escolheu votar no PS e no seu Secretário-geral, António Costa.

Porquê? Porque confiaram!

Este seguramente foi o quarto e último elemento de decisão. O factor confiança, na sua subjectividade, levou à vitória o PS por maioria absoluta. De todos os partidos das Esquerdas, o Povo de Esquerda escolheu o Partido Socialista.

Centenas de milhares de apoiantes do PCP, do BE e do PEV fizeram a sua escolha por estes motivos ou por algum deles em particular. Mas, simultaneamente, colocou uma enorme responsabilidade ao Partido Socialista e a António Costa – o próximo governo tem que cumprir a enorme esperança que o Povo de Esquerda neles depositou!

Continuar a desenvolver sustentadamente Portugal mas, simultaneamente, manter o caminho do progresso social; apoiar a economia mas, simultaneamente, criar condições para a repartição justa da riqueza; manter o espirito da “geringonça” com os partidos das Esquerdas e, simultaneamente, combater as Direitas; prosseguir o empenhamento na construção europeia mas, simultaneamente, combater os critérios do Programa de Estabilidade e Crescimento / PEC.

Estas serão as principais linhas políticas de governação para os próximos quatro anos. Da sua concretização dependerá se o Povo de Esquerda confirma a confiança e a esperança que depositou no PS e em António Costa e, muito em especial, se se concilia, ou não, com as maiorias absolutas que atribui ao PS.

Acreditamos que o António Costa e o PS têm capacidade para responder positivamente a este enorme desafio!

6-2-2022

*Sindicalista,membro do Conselho Económico Social Europeu

 

 

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