Alguns trabalhadores, nomeadamente do Continente/Sonae, tiveram a coragem de fazer greve ao trabalho no domingo.Muitos consumidores interrogam-se se tem sentido fazer compras ao domingo, mais ainda ,se tem sentido trabalhar ao domingo para que fábricas de bens não essenciais estejam a laborar continuamente.l Os direitos e interesses pessoais, familiares e sociais dos trabalhadores devem sobrepôr-se ao eventual aumento da produção de bens não essenciais e aos lucros dos acionistas.
Ter o Domingo livre é não apenas um direito mas também um desafio para quem usufrui do mesmo.Que fazer dele, como viver e valorizar esse tempo especial?Num pequeno mas pertinente artigo no« VOZ DO TRABALHO», jornal da Liga Operária/Movimento de Trabalhadores Cristãos (LOC/MTC),o Padre Manuel Simões* escreve a dado momento:«estamos a encher os centros comercais,não nos preocupamos com filas de trânsito nem de andar meia hora à procura de estacionamento….»Eis o artigo:
É fundamental humanizar o trabalho e o tempo de descanso e não apenas mudarmos da condição de “escravos da produção” a “escravos do consumo”
Conheci recentemente um jovem casal a viver longe doslaços famliares de um e de outro, quase nem os vizinhos conhecem. Os dois trabalham por turnos. Veio um filhote e perguntei: Quem cuida do bebé nestas circunstâncias de trabalho? Responderam rapidamente: “Sabe Sr. padre, quando éramos solteiros trocávamos turnos com os nossos colegas de trabalho para estarmos juntos. Agora continuamos a trocar turnos, mas para estarmos separados, e assim cuidarmos do nosso filho”. Os trabalhos por turnos, o trabalho aos sábados e domingos, a laboração contínua, estão a multiplicar-se. Já não são só os trabalhos indispensáveis na saúde, na segurança e nos transportes mas a abertura de centros comerciais, a indústria automóvel, a transformação de cortiça, etc.
Estas realidades complicam cada vez mais a vida às famílias no acompanhamento e cuidado dos filhos e na própria relação de família, fraccionando-a, pois já não conseguem estar juntos, viver juntos dias especiais, conviver com outras famílias ou, para os crentes, participar como família nas actividades religiosas da sua comunidade. É frequente escutarmos pessoas referir que só têm um domingo de dois em dois meses. O domingo tornou-se um dia igual aos outros. Já não se distingue pelas roupas especiais, nem pelo repouso, nem pelo encontro. Tudo está orientado para a eficácia, a produção e o lucro, e o trabalhador feito escravo da produção, da ganância e do dinheiro.
E quando temos um domingo livre, que fazemos dele?
Na realidade estamos a encher os centros comerciais, não nos preocupamos com filas de trânsito, nem de andar meia hora à procura de estacionamento. Adoramos o fruto do trabalho humano e, incentivados pelas acólitas de serviço, compramos o que podemos e o que não podemos. Confundimos “bem-estar”, com estar “rodeados de coisas”. De escravos da produção passamos a escravos do consumo. Qual a diferença, se continuamos escravos?
A verdadeira liberdade e humanização não acontecem só porque não trabalhamos ao domingo, mas por fazemos dele um dia libertador, da produção desenfreada e do consumo! Também temos de crescer na consciência de que é fundamental humanizar o tempo de descanso e não apenas mudarmos de condição de “escravo”. É preciso que o domingo se torne um tempo de descanso e encontro, celebração e solidariedade, dom e gratuidade. Um tempo de relação com Deus, com o mundo, com as pessoas, com a natureza.
A fé tem um potencial libertador
Para as distintas Igrejas do mundo devia estar claro que o grande problema que enfrentam hoje não é a descrença mas a idolatria, a celebração exacerbada das “virtudes” do capitalismo. Adorar outros deuses, neste caso, o dinheiro. Acumular. Evangelizar o mundo do trabalho traz consigo a exigência de cortar com estes ídolos modernos que desumanizam a pessoa, tornando-a escrava da produção e do consumo. E renunciar a este potencial libertador da fé cristã só serve para continuar a apoiar as diferentes formas de opressão que se dão na sociedade. Por isso o domingo livre não pode ser o dia do consumo, mas o dia para contrariar a ganância e experimentar a fraternidade, o dia para fazer emergir a solidariedade com os pobres, o dia para reconhecer que tudo é dom de Deus, único senhor, o dia para colocar nas suas mãos o trabalho realizado, o dia para desenvolver o associativismo entre trabalhadores.
*O Padre Manuel Simões é Assistente da LOC/MTC e a publicação do artigo tem a devida autorização.