«Direitos Laborais e sociais são direitos fundamentais» é primeiro documento para preparar XVIIº Congresso da BASE-FUT

No quadro da preparação do XVIIº Congresso da BASE-FUT publicamos na integra o primeiro documento temático intitulado « DIREITOS LABORAIS E SOCIAIS, DIREITOS FUNDAMENTAIS» que serve de base para o  debate necessário numa altura em que o poder governamental pretende limitar ou esvaziar esses mesmos direitos. Um debate para o qual não estão apenas convidados os militantes da BASE-FUT mas também todos os que se sintam desafiados dando os seus contributos por escrito para- nacional@basefut.pt- ou nas sessões regionais a realizar.

Introdução

A União Europeia, e nela Portugal, vive uma encruzilhada dramática quanto ao rumo a dar à sua dimensão social, à sua história de luta pelos direitos humanos e sociais. Por um lado, a dinâmica de uma economia globalizada e altamente competitiva que aumenta e concentra a riqueza numa minoria, criando desigualdades, e, por outro, a obrigação de combater a pobreza e respeitar o “Diálogo Social” com um certo nível de participação dos trabalhadores, bem como os direitos fundamentais do trabalho plasmados nas convenções da OIT e documentos sociais da União.

Procurando dar um novo impulso à dimensão social da UE, após anos de estagnação, a Comissão Europeia avançou com a proposta do Pilar Europeu dos Direitos Sociais em 2017 integrando o respetivo Plano de Acão na Cimeira Social do Porto na Primavera de 2021. Entretanto, a Comissão tem procurado desenvolver um conjunto de ações, em parceria com os Estados membros, para materializar os direitos do Pilar Europeu, nomeadamente no que diz respeito ao emprego e condições de trabalho e descanso, educação, proteção social e segurança e saúde no trabalho.

O Pilar tem sido acolhido e desenvolvido de modo diferente pelos Estados-membros e respetivas organizações sociais, algumas das quais de forma crítica porque aponta para patamares sociais mínimos.

A BASE-FUT sempre defendeu como essencial para Portugal uma Europa social, de paz e de liberdade, onde o poder dos trabalhadores, incluindo o poder de organização autogestionária, seja elemento determinante do progresso e do modelo democrático.

A atual situação geopolítica no mundo, com uma guerra a ocorrer na Europa, bem como a ascensão das forças de extrema-direita, podem dinamitar o processo do Pilar Europeu.

O objetivo central da atividade da BASE-FUT é a luta pelo trabalho digno com direitos não apenas na lei, mas também na prática, num processo de combate á exploração dos trabalhadores e trabalhadoras e pela sua emancipação!

No âmbito do programa de formação do Centro Europeu para os Assuntos dos Trabalhadores (EZA) 2024/2025 o CFTL, Centro de Formação e Tempos Livres da BASE-FUT, promoveu e coordenou em 2024-2025 um Grupo Internacional de Trabalho sobre “A Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho como Direito Fundamental no quadro do Pilar Europeu dos Direitos Sociais” e um seminário internacional sobre “A Promoção dos Direitos Sociais e Laborais como Direitos Fundamentais e o Futuro do Estado Social”. As conclusões e relatórios destas iniciativas serão tidas em conta neste documento.

Aqui procuramos partilhar algumas preocupações e propostas sobre direitos laborais fundamentais que estão a ser atacados, esquecidos ou negligenciados pelas empresas e pelo poder político e, por vezes, até pelos sindicatos. Direitos que a nossa Constituição democrática consagrou em 1976, nomeadamente no seu artigo 53º. Todas as revisões constitucionais posteriores respeitaram este núcleo fundamental de direitos que são pedra angular do regime democrático implantado com a Revolução de Abril.

  1. O direito a um ambiente de trabalho seguro e saudável

Este direito foi levado à categoria de direito fundamental na 110ª Conferência Internacional da OIT a 10 de Junho de 2022, após intenso trabalho em diversas instâncias mundiais da Confederação Sindical Internacional (CSI). As convenções 155 e 187 da OIT são a base deste direito fundamental que deve ser assumido por todos os Estados e dinamizado pelo Movimento Sindical.

É um direito fundamental inscrito nos vinte Princípios do Pilar Europeu.

A Diretiva 391/89, Diretiva Quadro, e várias diretivas específicas transpostas para o direito nacional, estabeleceram na UE um verdadeiro modelo de prevenção dos riscos profissionais e promoção da segurança e saúde no trabalho. Nas décadas seguintes deram-se passos significativos neste domínio em Portugal, nomeadamente com a implementação de um sistema de serviços de prevenção e segurança e saúde no trabalho com reflexo na redução da sinistralidade laboral e com um aumento de sensibilidade para a prevenção da parte da Administração Pública, sindicatos e algumas empresas.

O pós-covid, porém, e ao contrário do que se imaginou, não melhorou a situação no domínio da prevenção dos riscos profissionais. Os acidentes de trabalho aumentaram nos últimos três anos em vários países da Europa, incluindo Portugal.

De acordo com a E​​U-OSHA, todos os anos as doenças relacionadas com o trabalho continuam a ser responsáveis por, aproximadamente, 2,4 milhões de mortes a nível mundial, 200.000 das quais na Europa.

 

Em 2024 foram confirmadas em Portugal mais de 6 mil doenças profissionais, cerca de 2.800 destas tiveram associada incapacidade do trabalhador.

 

Os últimos dados publicados pelo EUROSTAT, em 28 de abril de 2025, referem que na União Europeia (UE), em 2022, se verificou a ocorrência de 3.286 acidentes de trabalho mortais e de 2.97 milhões de acidentes de trabalho que resultaram numa ausência do trabalhador ao trabalho de pelo menos 4 dias.

 

Portugal foi um dos três países da UE que registaram um maior número de acidentes de trabalho não mortais por cada 100 mil trabalhadores. No mesmo ano, de acordo com o INE a incidência dos acidentes de trabalho mortais atingiu em Portugal 2,9 por 100 mil empregados, o que reflete o 6.º maior rácio entre os países da U​E.

 

Lamentavelmente Portugal tem estagnado na prevenção dos riscos profissionais nos últimos anos com lacunas graves, nomeadamente sem aprovar e implementar a Estratégia Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho 2021-2027 e sem atualizar a Lista Nacional de Doenças Profissionais.

A prevenção dos riscos psicossociais é uma dimensão ainda pouco trabalhada na maioria das empresas portuguesas com 2 em cinco trabalhadores a queixarem-se de estarem expostos ao stress, por exemplo.

 

A segurança e saúde dos trabalhadores é um direito fundamental que deve ser inscrito como prioritário pelo Movimento Sindical na sua lista de reivindicações; é igualmente fundamental reivindicar a simplificação da eleição dos representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde no trabalho e melhorar as suas funções, nomeadamente estipulando mais tempo para a sua ação nas empresas.

 

Os trabalhadores imigrantes e os operários fabris e da construção são os trabalhadores que mais sofrem com a ausência de segurança e saúde nos locais de trabalho.

 

  1. O Direito ao trabalho e a uma justa remuneração

O direito ao trabalho, garantido constitucionalmente, depende em larga medida das flutuações do mercado e da aceleração ou desaceleração da economia e da ação do Estado. Atualmente temos baixas taxas de desemprego embora o desemprego juvenil seja mais alto. Grave é a taxa dos jovens que não trabalham, não estudam nem estão em formação. São quase 9% dos portugueses entre os 15 e 29 anos em 2025, sendo uma taxa inferior à média europeia.

Para além dos baixos salários e da desigualdade salarial entre homens e mulheres em Portugal temos outros atentados a este direito. Os baixos salários são uma das causas fundamentais da pobreza na UE e em Portugal!

Em 2023 os salários em Portugal representavam 60% da média dos países do euro. Os rendimentos salariais líquidos das mulheres são inferiores, em média, em 17% aos recebidos pelos homens, com uma diferença de mais de 200 euros.

Mais de 57% dos trabalhadores recebe no máximo um salário bruto de mil euros e os trabalhadores precários ganham menos 20% que os trabalhadores permanentes!

Em 2019 cerca de 50% dos trabalhadores faziam horas extra não pagas. O Banco de horas e a precariedade agravaram esta situação que significam milhões de euros que não foram para os bolsos dos trabalhadores!

  1. O descanso e a vida social e familiar

Para além da Administração Pública e alguns setores de serviços, onde há décadas se aplicam as 35 horas a última grande conquista do tempo de trabalho no meio operário foi a das 40 horas nos finais da década de 90 do século XX.

Em Portugal quase 45% dos trabalhadores assalariados têm horários atípicos. A média de horas de trabalho é de 41 semanais com um milhão e 300 mil mulheres com horários desregulados; apenas 335 mil têm horários regulados, ou seja 21%.

Ainda são muitas as empresas que não cumprem a obrigação “da não conexão”, ou o “direito a desligar” instituída na última revisão do Código do Trabalho de 2023. Esta permanente conexão com o trabalho é uma das causas de doenças psíquicas e físicas!

O direito ao descanso e a conciliação da vida profissional com a vida familiar e social materializa-se na redução acentuada, para as 35 horas, de todos os trabalhadores ou a aplicação de horários semanais diferentes com as mesmas horas de trabalho e com o acordo dos trabalhadores.

A luta pelo encerramento das grandes lojas comerciais ao Domingo e o respeito pelo horário de trabalho, com o máximo das 35 horas, é uma das maiores e atuais lutas das organizações de trabalhadores.

O trabalho por turnos e a segunda atividade também afetam a saúde e a vida familiar e social. Em 2023 mais de 139 mil mulheres tinham uma segunda atividade. Mais de um milhão e 900 mil trabalhadores trabalham por turnos.

O futuro do trabalho é de algum modo sombrio neste capitalismo atual! Todavia, existem condições, nomeadamente de produtividade, para um trabalho mais gratificante para todos, com menos horas de trabalho e mais tempo de lazer e cultura!

 

  1. O direito à Segurança e Proteção social

O direito à Segurança Social é um direito de proteção, constitucionalmente garantido a todos os cidadãos sem qualquer distinção, todos têm direito à Segurança Social, que protege e apoia todos na falta ou diminuição de rendimentos e em todas as situações de carência, com rendimentos sociais mínimos de subsistência.

O sistema de Segurança Social desempenha um papel essencial no combate à pobreza, às desigualdades e à exclusão social e para a manutenção da coesão social. Sem as transferências sociais, os níveis de pobreza seriam ainda mais elevados do que já são.

Sem a existência do sistema público de Segurança Social, o número de pobres em Portugal subiria de 1,7 milhões de pessoas (16,6 % do total) para perto de 4,3 milhões de pessoas (40,3 % do total), aumentando de 19,6 % para 86,7 % entre os reformados, de 44,3 % para 66,7 % entre os desempregados e de 9,2 % para 17,4 % entre os trabalhadores no ativo.

A Segurança Social Pública, Universal e Solidária, assenta nos princípios da contributividade, com base numa relação direta entre a obrigação de contribuir e o direito às prestações e da solidariedade profissional, em que o montante das contribuições efetuadas pelos trabalhadores constituem um todo, do qual se retiram as prestações a pagar em caso de doença, desemprego e diminuição de rendimento.

O regime público de pensões, de base contributiva, é fundado na solidariedade intergeracional, sendo que as contribuições dos trabalhadores no ativo em cada momento financiam as pensões que estão em pagamento e as suas futuras pensões serão financiadas pelas contribuições dos que então estiverem a trabalhar e assim sucessivamente, numa cadeia solidária.

A situação da Segurança Social neste momento é robusta. Os saldos positivos são crescentes. Em 2024 o saldo foi de 5,5 mil milhões de euros, sendo superior ao ano anterior, prevendo-se que volte a aumentar em 2025.

O setor financeiro nacional e internacional estão com os olhos no dinheiro das nossas pensões. Vislumbram-se propostas de privatização do nosso sistema e reduções da TSU. Urge combater tais propostas esclarecendo os trabalhadores.

  1. O direito de organização e ação coletiva dos trabalhadores e movimentos sociais

O direito de organização e ação sindical é um direito fundamental dos trabalhadores e pilar de qualquer democracia; mas também o direito à participação na economia, nas empresas e nos serviços e à negociação coletiva. Estes direitos estão garantidos pela nossa Constituição e pelas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A nossa lei fundamental também estabelece o direito dos trabalhadores a constituírem Comissões de Trabalhadores nas empresas públicas, privadas e sociais. As Comissões de Trabalhadores portuguesas adotaram um modelo que permite a informação, a consulta e, inclusive, a dimensão de controlo e participação na gestão.

Portugal é dos países da UE com menor taxa de participação social e de ação cívica. Sabemos que tem diminuído a participação sindical ao mesmo tempo que existe uma pulverização sindical em todos os setores e até em empresas com sindicatos que são corporações pouco solidárias com as outras categorias profissionais.

Há que renovar o sindicalismo atraindo mais mulheres e jovens para as direções, adequar o discurso às novas camadas juvenis, combater o sectarismo e melhorar a comunicação tradicional e na internet. Para a BASE-FUT não existe democracia sem poder organizado dos trabalhadores nas suas formas tradicionais ou noutras eventualmente mais inovadoras.

Vislumbram-se medidas constrangedoras da organização e ação sindical, em especial que possam impedir a entrada dos sindicatos nas empresas e no direito à greve. Há que combater estas medidas com esclarecimento dos trabalhadores e com a afirmação destes direitos fundamentais.

A convergência e unidade entre o Movimento sindical e outros movimentos de causas, da PAZ, dos Direitos Humanos, do consumo, do clima, vai ser muito importante no futuro.

 

 

 

Junta-te à BASE-FUT!