Desumanização neo-liberal exige plataforma ampla de luta

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No Congresso  da BASE-FUT realizado a 6/7 de novembro,no Porto, foi aprovado um Plano Nacional de Ação para os próximos quatro anos.Duas preocupações fundamentais atravessaram os congressistas:uma relativa ao relançamento, reorganização e rejuvenescimento desta histórica Organização;outra a necessidade de enfrentar as profundas mudanças do mundo do trabalho que lançam novos desafios ao sindicalismo e ao activismo social.

O dirigente da BASE-FUT António Brandão Guedes, esteve na preparação do Congresso e na elaboração do Plano de Ação.Aqui responde a  algumas questões sobre os desafios presentes para os militantes e simpatizantes da BASE-FUT.

A BASE-FUT realizou o seu XVIIº Congresso em novembro passado.A que desafios procurou responder este encontro?

Este congresso procurou debater e aprovar orientações politicas, sindicais e organizativas para os próximos anos, com destaque para dois eixos.O primeiro, que nos vai dar muito trabalho,porque não temos funcionários, é o relançamento da BASE-FUT preparando-a para o estado de pandemia e pós-pandemia.Temos que enfrentar o envelhecimento das pessoas, a renovação de quadros, com mais forte recrutamento de trabalhadores jovens e profissionalmente activos.

Queremos melhorar a comunicação, as nossas sedes, a quotização,os aspectos financeiros.A BASE-FUT não tem acesso a fundos públicos e sobrevive com apoios e quotas dos seus militantes.Através da rede EZA promove uma ou duas ações de formação  de quadros apoiadas financeiramente.A restante actividade sai dos bolsos dos militantes e simpatizantes.Somos das poucas organizações onde raramente há subsidios de viagens e alimentação nas actividades.A nossa existência e persistência é quase um milagre.Mas esta situação, caso não haja solidariedade, impede que os mais pobres possam participar.

O segundo eixo/desafio prende-se com a necessidade de enfrentar as mudanças no trabalho no quadro de um capitalismo globalizado altamente predador e tóxico.Tornou-se uma prioridade a luta pelo trabalho digno numa economia indigna e que mata.Um modelo económico onde se perde o sentido do trabalho, aumenta a precariedade, a exclusão e a sobre-exploração dos trabalhadores com o aumento dos riscos psicossociais como o assédio moral e o stresse.

Trabalha-se em excesso, sem necessidade, e para aumentar a riqueza de uma minoria.Segundo os últimos relatórios da OIT e da OMS estima-se que morrem por ano 750 mil trabalhadores por excesso de horas de trabalho!Reduzir o horário de trabalho para 30 e 35 horas é urgente e possível para que mais gente possa trabalhar e ter mais tempo autónomo para  si próprios.

Apesar da informatização e automação 60% dos trabalhadores europeus afirmam sofrer de lesões musculo-esqueléticas relacionadas com o trabalho.Sem esquecer sectores profissionais que se queixam de exaustão como é o caso do pessoal de saúde e dos professores.

A pandemia acentuou estes problemas?

A pandemia aprofundou e alargou alguns destes problemas e criou fortes constrangimentos à vida dos trabalhadores.Os estudos da OIT e de outras entidades credíveis como do Colabor e da Agência Europeia para a segurança e Saúde no trabalho mostram que a pandemia acentuou e agravou o desemprego, a precariedade e as condições de trabalho.Esta realidade foi constatada recentemente num seminário internacional promomovido pela LOC/MTC, nossa parceira na rede EZA.

Em algumas regiões como nos USA existem inclusive fenómenos ainda mal estudados de abandono individual do trabalho,chamada a «grande demissão»,abrangendo milhões de trabalhadores.Sem um sistema de proteção na pandemia milhares de trabalhadores protegem-se fugindo do emprego.O fenómeno já assume uma dimensão colectiva e lança contradições no sistema capitalista.Por todo o lado se sente um grande mal estar no trabalho, uma perda de sentido do mesmo.

Ora, todos estes problemas são problemas das organizações de trabalhadores ,dos activistas sindicais, mas também de outros militantes sociais e investigadores.

Acredito por outro lado que estes problemas vão ser cada vez mais preocupação de instituições com peso histórico como a Igreja Católica e dos seus movimentos sociais.O combate á desumanização neo-liberal exige uma ampla plataforma de luta para evitar uma nova escravatura.

 

O teletrabalho em larga escala é também um fenómeno da pandemia?

 É inegável que o teletrabalho aparece como uma forma de diminuir o risco de infecção.Todavia, para além de algumas vantagens que o teletrabalho possa ter, nomeadamente no quadro da pandemia há que reflectir o impacto do mesmo na vida pessoal e nos colectivos de trabalhadores, nomeadamente no sindicalismo.

Com o teletrabalho corre-se o risco de transformar a nossa casa num local de trabalho acabando com o nosso reduto de privacidade, de descanso e de família.Por outro lado, as empresas podem optar pelo teletrabalho para diminuir os custos e esmagar os salários, dada a fragilidade da organização e ação colectiva.Pode ocorrer de facto uma grande transformação da vida laboral com grandes repercussões no sindicalismo.

Afirmar o direito á organização e ação sindical e a um horário de trabalho reduzido continuam a ser direitos e reivindicações fundamentais.

 

Quais os principais objectivos  na área do trabalho e sindicalismo aprovados no Congresso?

Um dos grandes objectivos é trabalhar para o fortalecimento e autonomia do movimento sindical portugues e reforçar o poder dos trabalhadores.

Vamos sensibilizar a população portuguesa para o que é, como funciona e qual a importância da representação dos trabalhadores – sindicatos, comissões de trabalhadores e representantes para a segurança e saúde no trabalho – e da contratação coletiva nas relações de trabalho;

Iremos  promover a introdução no debate público em Portugal dos desenvolvimentos mais recentes do conhecimento científico sobre o mundo de trabalho e contribuir para o aumento da sindicalização entre os trabalhadores e trabalhadoras portugueses;

Vamos promover uma atualização do pensamento em Portugal sobre diferentes modalidades de participação dos trabalhadores na vida das instituições onde trabalham – cogestão, autogestão e cooperativismo – à luz das experiências internacionais mais recentes, contribuindo para recolocar estes temas na agenda pública enquanto soluções viáveis para a organização da produção numa economia plural;

Iremos contribuir para a pluralidade da representação e para a vitalidade da ação e da reflexão quanto aos problemas dos trabalhadores e do mundo do trabalho no interior do movimento sindical, em particular na CGTP-IN;

Apoiaremos a informação e formação de militantes de sindicatos independentes ou de grupos pró-sindicato.

 

O Congresso manteve a linha tradicional da BASE-FUT que é privilegiar a ação nos sindicatos da CGTP.

Desde a criação da CGTP que os militantes da BASE-FUT privilegiam a ação nos sindicatos desta Central sindical, bem como em sindicatos independentes que sejam efectivamente representativos de um sector profissional.Apoiamos todos os trabalhadores que ainda não tenham uma organização de classe e se queiram organizar.Não apoiamos, no entanto, iniciativas de promoção pessoal ou grupos meramente corporativos sem sentido de solidariedade.

Vamos melhorar a nossa participação na CGTP, procurando dar contributos sólidos ao debate sindical mantendo abertura e diálogo com todas as sensibilidades.

Devo ainda dizer que apoiamos os militantes e activistas que estão integrados nos sindicatos históricos da UGT como os do sector financeiro.

A prioridade para a BASE-FUT, porém, é ter mais activistas nos locais de trabalho e nos sindicatos.

 

No Congresso e no comunicado final não houve grandes referências às críticas que alguns sindicalistas e correntes da CGTP fazem á actual orientação da própria Central.

Estamos atentos e acompanhamos essas criticas e tensões existentes na grande organização que é a CGTP.Essas tensões devem-se a vários factores internos e externos ao movimento sindical.

A BASE-FUT considera que a CGTP é dos trabalhadores portugueses quer sejam comunistas, socialistas, bloquistas e independentes, católicos e não católicos ou protestantes.O tempo é de unidade na diversidade, no respeito pelas decisões da maioria e pelas posições das minorias.De preferencia pelos consensos com cedencias de parte a parte.Os tempos que virão são complexos e complicados para todos.

Na CGTP sempre houve e há diferenças politico sindicais entre as diversas sensibilidades.As nossas posições nem sempre convergem com as da maioria , nomeadamente sobre as questões europeias  e internacionais,inclusive sobre a participação e o papel da Confederação Sindical internacional (CSI) e sobre a Confederação Europeia  de Sindicatos(CES).A busca da unidade é permanente e exige sabedoria.

 

.Uma das ações de formação de quadros promovida  este ano foi um seminário internacional apoiada pelo EZA sobre o trabalho digno  numa economia sustentável, onde foi aprofundada a questão da necessidade de uma transição energética justa.Há aqui um novo campo de interesse para a reflexão e ação da BASE-FUT?

Esse seminário promovido pelo CFTL, que é o nosso centro de formação e é membro do Centro Europeu para os Assuntos do Trabalho-EZA foi muito importante porque participaram sindicalistas portugueses, franceses, alemães, espanhóis  e polacos com problemas comuns e lutas urgentes.É necessário aprofundar esta temática em conjunto com os movimentos ambientalistas.

Temos pouco tempo para salvar o nosso planeta e evitar preocupantes catástrofes.Todavia ,temos que fazer uma transição energética justa e verdadeira, que tenha em conta os direitos e interesses dos trabalhadores.Temos aqui um novo e grande desafio a que vamos dedicar algumas energias.

No seguimento deste seminário criamos um grupo de trabalho com o apoio do   EZA que vai aprofundar esta temática e vamos solicitar a sindicalistas de outros países que integrem este grupo de trabalho.Os sindicatos ganham muito se reflectirem em conjunto com os cientistas e os activistas dos movimentos ecologistas.

A BASE-FUT sempre defendeu e praticou uma intensa colaboração entre sindicalistas e investigadores sociais.E hoje temos um grande número de investigadores dispostos a colaborarem gratuitamente  com as organizações de trabalhadores.Dão excelentes contributos e também aprendem com os activistas.

Junta-te à BASE-FUT!