Na véspera de mais uma Jornada Nacional de Luta que se efectuou ontem dia 25 de fevereiro a Direção da CGTP fez um balanço da vida laboral e social em tempos de pandemia.Sem deixar de valorizar as medidas que foram sendo tomadas, muitas das quais por pressão sindical,aquela Central Sindical avança com novas propostas urgentes para valorizar o trabalho e os trabalhadores:
«No momento em que se assinala um ano desde o início do surgimento do surto epidémico no nosso país, a CGTP-IN faz um balanço do caminho seguido e do impacto que as opções e medidas tomadas pelo Governo e tantas vezes aproveitadas pelo patronato tiveram na vida dos trabalhadores.
São necessárias medidas urgentes de apoio aos trabalhadores e famílias, é urgente um outro rumo para o país, onde a valorização do trabalho e dos trabalhadores seja um dos eixos centrais. Esta necessidade de alteração das opções do Governo reforça a necessidade de uma grande participação na Jornada Nacional de Luta, amanhã, dia 25 de Fevereiro, pelos “Salários, Emprego, Direitos – Confiança, Determinação e Luta por um Portugal com Futuro!”.
Em 2 de Março de 2021 faz um ano que foi oficialmente anunciado o primeiro caso de infecção por SARS-CoV-2 em Portugal. A 18 de Março de 2020 foi decretado em Portugal o estado de emergência e o país entrou em confinamento, com consequências graves e ainda não completamente calculadas na vida dos trabalhadores e das populações e na situação económica e social do país, tendo em conta as debilidades acumuladas ao longo de décadas de política de direita e os constrangimentos resultantes da submissão aos interesses do grande capital e às imposições da União Europeia, com o modelo de baixos salários, precariedade, fragilização do aparelho produtivo, desinvestimento nos serviços públicos e nas Funções Sociais do Estado, mas também a insuficiência e desequilíbrio das medidas de resposta à presente situação do Governo no plano económico e social.
Passado praticamente um ano, estamos de novo em estado de emergência (o 11º desde que a pandemia começou) e o país está mais uma vez com milhares de empresas encerradas, inúmeras actividades suspensas, todos os estabelecimentos de ensino fechados, o ensino a distância a ser novamente uma realidade e milhares de trabalhadores em casa, em teletrabalho, em layoff ou a prestar assistência aos filhos menores, com um novo lote de consequências negativas imediatas e de forte impacto futuro.
Economia portuguesa registou uma queda de 7,6%
A economia portuguesa registou uma queda de 7,6% em 2020 relativamente ao período homólogo, uma queda significativa, em grande parte resultante do comportamento do consumo interno e das exportações.
Estes dados revelam a importância dos salários e das pensões para a evolução da economia nacional, num contexto em que a procura externa (e em especial o turismo) é condicionada pelos efeitos da pandemia da doença COVID 19. Na verdade, a situação económica evidencia a importância de manter os salários e o emprego. A resposta nacional dada pelo Governo, ficou muito aquém do possível e do necessário com muitos milhares de trabalhadores a ficaram desempregados logo no início do primeiro confinamento, sobretudo os trabalhadores com vínculos laborais precários e, por outro lado, apesar das proibições de despedimento associadas a algumas das medidas de apoio a empresas, o número de despedimentos colectivos aumentou em 2020, havendo o risco de continuar a aumentar, no quadro deste novo confinamento, com muitas empresas à beira da falência e milhares de postos de trabalho em risco.
As remunerações dos trabalhadores e os rendimentos das famílias reduziram-se ao longo do ano de 2020. De acordo com o Relatório Mundial sobre Salários 2020-2021, da OIT, Portugal foi de entre 28 países europeus estudados, o país onde ocorreram as maiores perdas salariais no 2º trimestre de 2020 (-13,5%, acima da média de -6,5% dos 28 países). Estes valores não têm em conta os apoios pagos às empresas para suportar salários (no caso português foi o layoff simplificado).
Os regimes de layoff e as ausências ao trabalho para prestar assistência aos filhos devido ao encerramento das escolas determinaram cortes substanciais nos salários dos trabalhadores; os despedimentos, com muitos trabalhadores sem acesso a prestações de desemprego devido à precariedade dos vínculos; a paralisação da actividade de muitos trabalhadores definidos como independentes, muitos deles sem acesso a qualquer tipo de protecção social; a multiplicação de situações de doença, com o respectivo subsidio pago inicialmente apenas a 65% da remuneração; e o insuficiente reforço dos apoios sociais necessários para acorrer a todas estas situações, são outros tantos factores que levaram ao agravamento da situação económica das famílias.
Desde o início que se verificou um grande desequilíbrio e clara desproporção entre as medidas e os recursos postos à disposição das empresas e as medidas tomadas para apoiar os trabalhadores e as famílias, com a agravante de se ter verificado um favorecimento das grandes empresas, que logicamente dispunham de maiores recursos para enfrentar o embate da pandemia, face às micro e pequenas empresas com muito mais dificuldades para a suportar.
Por outro lado, as condições de acesso das empresas aos apoios públicos foram sempre pouco exigentes face ao respectivo volume, resumindo-se normalmente à verificação de uma determinada percentagem de quebra na facturação. E, apesar destes apoios serem quase sempre atribuídos sob a capa de apoios à manutenção do emprego, a verdade é que a exigência em termos de manutenção de postos de trabalho foi sempre muito débil, limitando-se à proibição de despedimentos colectivos e por extinção do posto de trabalho, durante o período de atribuição dos apoios e nos 60 dias subsequentes, o que deixou as mãos livres às empresas não só para dispensar todos os trabalhadores com vínculos precários, como para despedir ilimitadamente logo que terminasse o período de nojo.
Mas nem só a redução de remunerações afectou a vida dos trabalhadores no contexto da pandemia.
Em muitas situações, as condições de trabalho também se agravaram profundamente:
– em primeiro lugar, para todos aqueles que continuaram sempre a trabalhar, nomeadamente por exercerem funções essenciais ao funcionamento do país e à sobrevivência de todos nós, razão por que não podiam paralisar, muitas vezes sem que lhes tenham sido ou sejam garantidas condições mínimas de protecção contra a infecção pelo novo coronavírus, frequentemente sujeitos a exigências exorbitantes em termos de horários de trabalho e a violações constantes dos seus direitos;
– para os muitos milhares de trabalhadores subitamente enviados para o regime de teletrabalho, muitas vezes sem qualquer preparação e sem as necessárias condições para este exercício nas suas casas, sem adequação dos equipamentos e sem que as empresas ou o Estado, no caso de serviços públicos, apesar do disposto na lei, suportem os custos acrescidos que a prestação da actividade em casa implica, nomeadamente com a energia, as comunicações e os consumíveis. A privacidade das famílias foi comprometida, quer porque o simples facto de trabalhar em casa pode revelar-se invasivo, quer porque muitos empregadores não hesitam em usar dissimuladamente meios de controlo ilícitos. O tempo de trabalho aumentou e misturou-se com o tempo livre, afectando o descanso dos trabalhadores. E como se tudo isto não bastasse, com as escolas encerradas e as crianças em casa (às quais é preciso prestar assistência), os pais em teletrabalho não têm direito ao apoio social devido por este motivo, o que significa que têm de prestar trabalho e simultaneamente dar atenção aos filhos, no exercício quotidiano do impossível;
– para os trabalhadores de empresas e serviços encerrados ou com actividade suspensa obrigados a gozar férias ou a prestar actividade apesar de as empresas os terem colocado em regime de layoff;
– para muitos milhares de trabalhadores que viram as condições de trabalho agravadas e os seus direitos violados.
Todo este quadro só revela que ainda há muito que pode ser feito, muitas medidas a concretizar, para melhorar a protecção dos trabalhadores e das famílias em tempo de pandemia. É sintomático que, segundo dados do BCE, Portugal tenha sido o terceiro país que, tendo por referência o PIB, menos verbas destinou à resposta à situação económica e social.
A própria execução orçamental em 2020 exibe taxas de realização abaixo do orçamentado, o que traduz a insistência em priorizar o défice em detrimento de um mais robusto investimento no SNS, na Escola Pública, nos apoios sociais e nos serviços públicos, ou na imperiosa valorização salarial e das carreiras dos trabalhadores da Administração Pública.
CGTP valoriza medidas tomadas mas são insuficientes
A CGTP-IN não deixa de valorizar alguns avanços obtidos, mesmo sendo insuficientes, para os quais foi fundamental a luta dos trabalhadores e a acção da CGTP-IN, nomeadamente: o pagamento do subsídio de doença a 100% da remuneração de referência, durante 28 dias, em caso de doença COVID 19; o pagamento da remuneração a 100% aos trabalhadores abrangidos pelos regimes de layoff e da retoma progressiva (embora esta medida peque por tardia e por não considerar o total da remuneração efectivamente recebida pelo trabalhador); o aumento do salário mínimo nacional; o aumento das reformas; a redução dos prazos de garantia para acesso ao subsídio de desemprego e subsídio social de desemprego durante o ano de 2020; o suplemento de insalubridade e penosidade; a criação de apoios sociais específicos para trabalhadores independentes, empresários em nome individual, gerentes de micro e pequenas empresas e membros de órgãos estatutários com funções equivalentes e para trabalhadores com actividade informal em situação de desprotecção económica – embora estes apoios se tenham sempre revelado demasiado complexos e tenham, na maioria dos casos, valores irrisórios que não garantem aos respectivos beneficiários uma subsistência condigna; ou a previsão expressa de que os trabalhadores em regime de teletrabalho mantêm o direito ao subsídio de refeição, bem como a possibilidade de recusar o teletrabalho por falta de condições, nomeadamente habitacionais.
De todo o modo, consideramos que os avanços alcançados são ainda muito insuficientes face à situação em que o país se encontra, sendo imprescindível adoptar muito mais medidas, a fim de garantir as condições de vida dos trabalhadores e das famílias e a assegurar melhores condições de trabalho.
Assim, consideramos que é urgente e necessária a mudança do rumo que tem vindo a ser seguido, com a valorização do trabalho e dos trabalhadores, que promova o aumento geral dos salários e garanta a retribuição total aos trabalhadores abrangidos por medidas de apoio, o fim da precariedade, a manutenção do emprego e proibição de despedimentos no quadro do surto epidémico, o investimento nos serviços públicos e nas Funções Sociais do Estado, designadamente com a execução de medidas do OE de 2021.
É necessário ainda garantir que as verbas são canalizadas para quem delas necessita, acabando com os apoios às empresas com situação financeira consolidada e, de forma urgente, garantindo a protecção social de forma robusta a todos os que dela necessitam e o respeito pelos direitos dos trabalhadores, designadamente:
- A prorrogação em 2021 dos subsídios de desemprego e social de desemprego que cessaram ainda em 2020 e não foram abrangidos pela prorrogação em vigor até 31 de Dezembro de 2020
- A redução para seis meses do período de garantia para acesso ao subsídio de desemprego durante o ano de 2021
- Redução para três meses do período de garantia para acesso ao subsídio de desemprego no caso de trabalhadores com contratos a termo certo de duração inferior ou igual a 6 meses ou a termo incerto de igual duração, que não sejam renovados ou caduquem durante o ano de 2021
- Eliminação do prazo de garantia para acesso ao subsídio social de desemprego, temporariamente durante o ano de 2021
- Aumento do valor do subsídio de desemprego, nomeadamente através da indexação dos respectivos limites ao salário mínimo nacional
- Alargamento do período de concessão do subsídio de desemprego especialmente para os trabalhadores que fiquem em situação de desemprego com idade igual ou superior a 55 anos
- Alargamento da cobertura do Fundo de Garantia salarial, quer do número de meses de remuneração, quer do montante máximo da mesma.
- Revogação da aplicação do factor de sustentabilidade ao cálculo das pensões antecipadas na sequência de desemprego de longa duração
- Fixação do valor do apoio excepcional à família para trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores independentes, durante o encerramento dos estabelecimentos de ensino devido à COVID 19, em 100% da remuneração de referência dos beneficiários (considerando-se a remuneração de referência tal como definida para efeitos de atribuição das prestações de parentalidade)
- Pagamento deste apoio à família também durante as pausas lectivas
- Dispensa da prestação de teletrabalho a mães ou pais trabalhadores com filhos menores de 12 anos, com direito a 100% da remuneração de referência, durante o período de encerramento dos estabelecimentos de ensino
- Atribuição do direito ao apoio excepcional à família a um dos progenitores, no caso de um deles se encontrar em regime de teletrabalho
- Simplificação do acesso a todas as prestações que garantam mínimos de subsistência, nomeadamente através da alteração das regras de cálculo da condição de recursos, de modo a proteger condignamente, durante o período da crise provocada pelo surto epidémico, as situações de pobreza e exclusão social
- Garantia da efectividade de todos os direitos legais e contratuais dos trabalhadores em regime do teletrabalho, nomeadamente a instalação e manutenção dos instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologia da informação e da comunicação, propriedade do empregador e que são da inteira responsabilidade deste, bem como todas as despesas de energia e de comunicações inerentes à utilização dos meios, instrumentos e equipamentos de trabalho necessários e o acréscimo das demais despesas resultantes do desenvolvimento das funções em teletrabalho a partir do local de residência.
- Reforço da fiscalização do cumprimento das regras de segurança e saúde aplicáveis no contexto da pandemia da doença COVID 19 nos locais de trabalho e do respeito por todos os direitos dos trabalhadores consagrados na lei e na contratação colectiva, estejam os trabalhadores nos locais de trabalho ou em teletrabalho.
- Alteração do regime contraordenacional no âmbito da situação de calamidade, contingência e alerta, de forma a proceder à qualificação contraordenacional dos deveres impostos às entidades empregadoras para garantir a protecção da saúde e segurança dos trabalhadores, no âmbito da pandemia da doença COVID 19.
DIF/CGTP-IN
Lisboa, 24.02.2021