A BASE-FUT região norte realizou no passado sábado, na sua sede em Matosinhos, um debate sobre o tema “A Crise da Habitação – Que soluções? – Movimento cooperativo: que aprender das experiências do passado? O que esperar do programa “Mais habitação”?. Introduziram o debate Guilherme Vilaverde, presidente da cooperativa Sete Bicas e o Arquiteto Manuel Correia Fernandes, um dos arquitectos que participou no projecto SAAL no pós 25 de Abril.
Foi debatido papel das cooperativas de habitação
Foi feita uma análise do papel importante que desempenharam as cooperativas de habitação no pós 25 de Abril, muitas delas nascidas da implicação das populações nas associações de moradores de então e mesmo da experiência que ficou do SAAL , o qual teve uma curta existência apesar da sua eficácia.
Infelizmente, dos vários projetos de cooperativas dessa altura, apenas vingaram as que adotaram um modelo que permitia a plena propriedade dos fogos construídos. Muitas dessas habitações vieram depois a engrossar o mercado imobiliário, com todos os efeitos nefastos, à medida em que a habitação foi sendo encarada como mercadoria especulativa, Outros projectos existiram em que a propriedade permanecia da cooperativa, sendo o objectivo o uso da habitação em condições acessíveis dadas as bonificações do Estado, desde logo por facultarem o terreno que representa um custo importante. Razões culturais por parte da população portuguesa para quem a casa própria ainda continua a ser encarada como um investimento futuro, mas sobretudo o boicote da Banca em não dar financiamento às cooperativas por um prazo que seria necessariamente longo, levaram ao fracasso deste tipo de cooperativas…
Foi esta constatação, e o facto de na sociedade actual existir uma enorme mobilidade ao longo da vida, quer seja por razões profissionais, quer seja por pelo projecto de vida de cada um, que surgiu a proposta do que no programa “Mais habitação” vem identificado como cooperativas de nova geração. Seriam cooperativas que construiriam com ajudas do Estado, para arrendamento, o que permitiria que, em situações de mobilidade a pessoa poderia aceder ao mesmo tipo de habitação noutra zona. Valorizar o acesso e uso da habitação em condições não especulativas.
Estado deve garantir acesso ao crédito
A condição para isto poder vingar é que o Estado garanta o acesso ao crédito e obrigue a banca a conceder financiamento para este fim e nessas condições.
Outras dificuldades foram apontadas no actual contexto, do ponto de vista do arquitecto por muito empenhado que esteja na elaboração de alternativas: o facto de haver cada vez menos terreno disponível o que faz disparar os preços dos terrenos; a burocracia e a legislação que impõe regras completamente inadequadas face aos novos modos de vida. A vontade de ver o problema da habitação não só como o construir de casas mas de criar espaços sociais de vida onde trabalho, comércio, escola, estruturas socias tecem relações sociais.
O debate foi bastante enriquecedor , quer pela reflexão, quer pela partilha de experiências que mostram que o problema não é só de jovens porque pessoas mais velhas e de fracos recursos, vítimas da denúncia do contrato por parte do senhorio, vêm-se obrigadas a sair das casas onde viviam há muitos anos, com rendas ainda suportáveis. Recorrendo à Càmara para se candidatarem a alojamento social, confrontam-se com um círculo infernal de burocracia para finalmente serem informadas que não reúnem a pontuação necessária para essa candidatura. Um membro da associação Habitação Hoje, partilhou também os inúmeros casos que lhes chegam e que eles procuram ajudar, quer informando juridicamente, quem mobilizando as pessoas colectivamente.
Estado tem responsabilidades na promoção do direito à habitação
Para além do relançamento desejável das cooperativas de habitação, podemos dizer ter sido unânime que isso não dispensa a responsabilidade do Estado em assegurar o direito à habitação às camadas mais desfavorecidas da população. Foi constestada a terminologia do direito a habitação social, preferindo o termo de habitação pública. O direito à habitação é um direito constitucional (artº 65º da Constituição da República Portuguesa).
O Programa Mais Habitação aparece assim como um ato desesperado de quem quer lançar todas as frentes para que se construa, sem acautelar o essencial. Falar de habitação acessível, mesmo sendo 20% abaixo do preço de “mercado”, sem agir sobre os factores que permitem a especulação do preço das rendas e do imobiliário em geral, não resolve os problemas mesmo de camadas tidas por classe média.
Uma ideia força deste debate é que a resolução do problema da habitação passa pela sinergia de três atores: Estado central, autarquias e a sociedade em geral. Mas pareceu-nos que na situação de carência actual, não ser aceitável que promotores imobiliários utilizem o estatuto de cooperativas para beneficiarem dos benefícios fiscais acordados às cooperativas para promoverem habitações de luxo…
O problema da habitação não é um problema só de quem luta por uma habitação digna. Ele é de todos nós, da sociedade em geral . E enquanto houver gente na rua, crianças a correrem o risco de serem institucionalizadas por perderem um teto e não por incúria ou incapacidade parental (conforme Jornal público de 27 de novembro), é a nossa sociedade que está doente.
Texto: Manuela Guimarães
Fotos: Mariana Sousa Ramos