BASE-ação de oposição ao regime político da ditadura

Fernando Abreu*

A radiosa madrugada em que o MFA pôs fim ao regime fascista devolvendo a Liberdade ao Povo português, não ocorreu sem que legiões de mães e filhos, pais e maridos, tivessem sofrido, na carne e no espírito, em incontável número de negras madrugadas, originadas pelo medo, a dor e o sofrimento de que a repressão sanguinária do regime político recaísse sobre algum dos seus membros.

Este artigo tem por objectivo abordar alguns dos aspectos mais importantes de Intervenção política, alguns dos quais estão pouco divulgados, uma Intervenção Política do Movimento BASE que ocorreu sob o regime político salazarista e caetanista.

Foi para lutar contra tão infame regime que, em 1966, trabalhadores cristãos, todos eles dirigentes ou antigos dirigentes dos Movimentos da Acção Católica Operária (JOC/JOCF,LOC/LOCF) tomaram a decisão de constituir um Movimento Político com o Objectivo de, clandestinamente, incorporarem a  Luta pelo fim do regime fascista.

O Movimento que viria ser designado por BASE (para efeitos policiais Biblioteca de Assuntos Sociais e Económicos) teve, na fase inicial de cuidar em se adaptar às “regras” da clandestinidade, de modo a não precipitar, demasiado cedo, a repressão policial, difundido documentação e publicações sem denominação de origem, sendo esta ir sendo desvendada a “conta gotas” através de contactos “pessoa a pessoa”, muitas das quais assumiram, prontamente, a sua difusão.

Contactos nacionais e internacionais

Progressivamente foram sendo estabelecidos, por intermédio de militantes do Movimento, contactos com Organizações nacionais sem que, a estas, fosse revelada a existência do Movimento, aos núcleos embrionários do MES e da Intersindical, tendo tido importante participado na fundação da Cooperativa PRAGMA, de cuja Direcção fizeram parte os membros da Coordenadora da BASE, João Gomes e António Macieira Costa.

Com a PRAGMA, entre outras actividades, estabeleceu-se  colaboração a nível da intervenção sindical, cujo Sector era da Responsabilidade do Dr.Mário Murteira e na organização do Encontro e Exposição sobre a Emigração, actividade esta que, segundo a polícia política,  foi a motivadora da decisão do Ministro do Interior de ditar a sua extinção e a prisão, temporária de alguns dos seus dirigentes.

No plano Internacional, os contactos iniciais começaram por ser comuns aos do Centro de Cultura Operária, tendo passado, posteriormente, a ser distintos.

A nível Sindical, a FORMAÇÃO foi assegurada pelo CCO com o apoio da Confederação Internacional dos Sindicatos Cristãos (CISC) e, após a dissolução desta, pela Confederação Mundial do Trabalho (CMT) e as suas afiliadas: a Confederação de Sindicatos Cristãos da

Bélgica (CSC) e pela  Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT) e, ainda, pelo  Departamento de Educação Operária da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A ACÇÃO SINDICAL dos clandestinos Grupos de Acção Sindical (GAS) teve o apoio do Comité de Liberdade Sindical da OIT e das acima referidas Confederações Sindicais.

Progressivamente, e como se impunha, beneficiando dos contactos proporcionados aos membros da BASE que eram dirigentes das Direcções Nacionais dos Movimentos Operários da Acção Católica, foram  sendo estabelecidas Relações de Colaboração e Apoio  de carácter sindical e político com a HOAC (Organismo correspondente à LOC portuguesa), Edições ZYX, USO (União Sindical Obrera de Espanha). Centrais Sindicais da Catalunha e do País  Basco.

È forçoso destacar a relação com a Associação Cristã de Trabalhadores Cristãos  Italianos (ACLI)  , a qual constituiu frutuoso apoio à acção de carácter político, além de proporcionadora de estágios de formação , certamente, mais importante, a implementação de  um sistema de Informação com vista à divulgação da situação religiosa, social e política em Portugal, com relevo para a luta anti-colonialista, relativamente à qual, a comprová-la está . o facto de a BASE ter sido a única Organização portuguesa a ser convidada a enviar um seu membro ao Encontro promovido pela ACLI de Apoio aos Movimentos de Libertação das Colónias portuguesas, no qual se fez representar pelo Cesário Borga (havia estado na guerra em Moçambique)  tendo tido, na ocasião, um Encontro, a sós, com o dirigente da FRELIMO, Marcelino dos Santos.

Para o alargamento da Acção Política foi importante a possibilidade criada de trabalho “em rede”  com o CCO dada a convergência de pensamento com o Movimento BASE, bem como pela influência política de militantes da BASE  junto de militantes e dirigentes dos Movimentos Operários da Acção Católica, nomeadamente no tocante à positiva influência na capacitação ideológica, cultural e organizativa, e no melhoramento qualiatativo dos seus Orgãos de Informação, Lar e Trabalho da LOCF, e Voz do Trabalho da LOC.

A positiva influencia da BASE (sempre no respeito pela Autonomia dos seus Orgãos  dirigentes) , no caso da LOC, consistiu na nomeação  do seu membro, o jornalista Cesário Borga Martins, para director do “ Voz do Trabalho”, missão esta da qual deu conta o João Gomes que, entretanto, também por influência da BASE, havia sido convidado a entrar  para a Direcção Geral da LOC, integração que foi possibilitada  pela capacidade que o Assistente  Pe. Jardim Gonçalves teve de convencer o Cardeal Cerejeira a esquecer os motivos (a participação na Revolta de Sé) pelos quais havia sido demitido de presidente da Direcção Geral da JOC.

Ação de informação e formação de militantes sociais 

Ainda na importante área da Informação, a  BASE influenciou a realização de Cursos de Formação Jornalística  com o objectivo de melhorar a capacitação dos Colaboradores dos jornais dos Movimentos, das publicações do CCO , bem como dos Responsáveis Regionais de modo a tentar garantir a necessária descentralização da Informação, adequando-a ás realidades das várias regiões do país e à problemática das situações nelas sentidas pelos trabalhadores.

A clarividência política dos Responsáveis da BASE consistiu em não dar crédito às esperanças que algumas personalidades respeitáveis e oposicionistas inicialmente depositaram em Marcelo Caetano, destacando-se os membros da ALA LIBERAL que aconselhavam contenção na oposição a Marcelo Caetano  o que recusámos, tendo contribuído para  evitar que o ex-presidente da LOC, Manuel Alpiarça, aceitasse o convite que lhe foi  dirigido para candidatar-se à Assembleia Nacional, evitando, assim, a repetição do erro do Pe. Abel Varzim, ao corresponder ao ardiloso convite de Salazar para se candidatar na Chapa da União Nacional.

No campo da Informação e da Formação Cultural, Sindical e Política, a BASE,  em 1969, começou a considerar premente iniciar a publicação de livros dirigidos à classe trabalhadora e, para tal, iniciou contactos que estavam a ser bem acolhidos, para a constituição de uma Cooperativa, projecto que teve de ser abandonado devido à publicação de Legislação impeditiva da formação de constituição de Cooperativas Culturais.

Porém, a ideia de iniciar a publicação de livros a preços acessíveis e de temáticas de interesse para trabalhadores não seria abandonada, até porque o Núcleo dirigente do Movimento considerava que tal objectivo era da máxima importância para alargar a capacidade  de Intervenção política.

Existindo um  “furo” na Legislação, e após consulta a Jurista idóneo, e encontrada o nome  de “Biblioteca de Assuntos Sociais e Económicos>” definidora da sigla BAS, foi iniciada uma Campanha de Angariação de Fundos com vista à primeira edição experimental.

Para o  pretendido aumento da influência política, foi considerado necessário que a capa dos livros fosse identificada com a sigla BASE, embora se tivesse tomado consciência de que tal inclusão teria o condão de despertar a investigação policial, o que comportaria   consequências persecutórias para os Coordenadores, Autores ou Tradutores que na base do referido “furo” assumiriam a responsabilidade pelas publicações, inconconvenientes aos quais se sobrepôs  a necessidade e urgência de utilizar a simbologia BASE para dar consistência e visibilidade ao Movimento.

A Campanha de Angariação de Fundos começava a dar alguns resultados, porém, como previsto, a mesma teria um lento andamento dada a escassez de recursos dos trabalhadores a quem era dirigida.

Inesperadamente, e em consequência, das boas relações  existente com pessoas progressistas de outros meios sociais, a Maria da Conceição Moita (opositora do regime que sairia de Caxias no dia 25 de Abril, onde se encontrava presa por ter acolhido em sua casa um perseguido pela PIDE/DGS), foi providencial para o arranque das Edições BASE.

As edições Base tiveram grande sucesso!

Esta Amiga e Colaboradora da BASE havia tomado conhecimento da iniciativa editorial em curso, e contactou a  BASE propondo a publicação do livro  “Libertar o Povo”  acompanhada da  solidária decisão de contribuir, sem qualquer contrapartida, para o início da actividade editorial, tomando a seu cargo o custo da execução tipográfica, e  doando às Edições a  receita da tiragem  de  3.000 exemplares do referido livro, cujo valor utilizaríamos para  posterores  publicações, gesto que, reconhecidamente, foi aceite.

Foi, pois, com o rendimento da venda total da primeira edição que se procedeu à reedição de mais 3.ooo exemplares , cujo pagamento, obviamente, ficou a cargo das Edições BASE.

A venda da quase totalidade da segunda edição constituiu um inesperado  sucesso que, com o rendimento obtido, estavam criadas as condições que permitiram  que, até à Revolução de Abril, fossem publicados  “O SOL É SÓ UM”, Coordenado pela Maria Elisa Salreta, à data, presidente da Direcção CCO, e, em 1973, Coordenado e  com Apresentação de Fernando Abreu. o  “CHILE –  Socialismo Impossivel”, livros que tiveram  importante êxito editorial.

Registe-se que a qualidade dos conteúdos e da apresentação gráfica deste livro, bem como dos dois anteriores livros prestigiou a nascente e pequena Editorial  abrindo  “portas”  à  actividade editorial que Edições BASE viriam a registar, de forma, verdadeiramente  avassaladora, após o 25 de Abril , dada a então excepcional  procura que  o  livro político teve.

À data da eclosão do 25 de Abril, a BASE, através das suas Edições, conheceu uma forte divulgação e os seus militantes puderam contar com meio importante e eficaz de apoio à sua actividade militante, sucesso este que contribuiu para aliviar Responsáveis e Militantes do Movimento das sérias preocupações que marcaram os últimos meses anteriores  à Revolução de Abril.

De entre tais preocupações, umas dolorosas, outras inquietantes,  destaque-se : a morte da  Maria Elisa, extraordinária militante e penúltima Presidente da Direcção do CCO, o falecimento, em acidente de automóvel, do militante dos GAS, o Manuel Rodrigues , à data dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa, a  instauração de um Processo-Crime  pela Policia Judiciária ( por instruções da PIDE/DGS) ao Coordenador do livro Chile – Socialismo Impossível por alegadas ofensas a Pinochet constantes da Apresentação, e a informação , dada por pessoa idónea,  amiga de um dos filhos de Marcelo Caetano , de que na Secretária do pai se encontrava um “dossier”  do Ministro do Interior a recomendar a dissolução do Centro de Cultura Operária.

Preocupações, de algum modo aliviadas, por notícias chegadas de Santarém. O militante e fundador da Base-FUT, José Afonso de Oliveira – militante dedicado da BASE e extraordinário divulgador das Edições –  que se encontrava em cumprimento do Serviço Militar na Escola  Prática de Cavalaria de Santarém, em que tinha por chefe, o Capitão Salgueiro Maia, em carta datada de  4 de Abril de 1974, à qual juntava um cheque para pagamento de livros por eles colocados, escrevia: .

 “Olá, Fernando,

“…..Sopram ventos (talvez salutares). Há correntes de ar. Prevê-se borrasaca. Enfim uma Primavera um bocado irregular..”.

Há uns meses, falámos. E, cele contou-me este episódio que, cito de memoria:

“Uns meses antes do 25 de Abril, ao entrar no quartel cruzei-me com o meu Capitão Salgueiro Maia e, pela fotografia de Salvador Allende reconheci que o livro que ele levava debaixo do braço era o “Chile-Socialismo Impossível” e, atrevidamente, perguntei-lhe:  –  Meu Capitão, também lê dessas coisas” , imperturbável: “É como vês”.

Viva o 25 de Abril.

*Fernando Abreu, fundador e primeiro Coordenador Nacional da BASE-FUT

 

 

 

Junta-te à BASE-FUT!