Olinda Marques*
No ano em que se comemoram 50 anos sobre o 25 de Abril repetem-se um pouco por todo o lado as iniciativas a assinalar esta data.A LOC – Movimento de Trabalhadores Cristãos não podia deixar de se associar a esta festa colectiva que assinala os 50 anos de democracia em Portugal.
O Encontro de Formação da Zona Centro, com o lema “Celebrar os valores de Abril, dignificar o trabalho”, decorreu este Domingo, dia 19 de maio e reuniu cerca de 35 militantes e simpatizantes do movimento das dioceses de Aveiro, Coimbra e Guarda. Para os mais novos, mas também para aqueles que nasceram poucos anos antes ou depois do 25 de Abril é difícil fazer memória. Neste encontro foi possível escutar relatos na primeira pessoa, de um outro tempo, de um país profundamente desigual, onde grande parte da população vivia em condições que hoje descreveríamos como miseráveis, sem água canalizada, sem eletricidade, com uma taxa de analfabetismo gigante, onde era comum começar a trabalhar na infância, onde a mulher era propriedade do marido, sem liberdade para fazer escolhas, onde não era possível falar abertamente sobre estas realidades, onde qualquer crítica ao regime era severamente castigada.
Do José Cadete e do Eduardo Ferreira, escutámos relatos emocionados na primeira pessoa das dificuldades de ficar longe da família e começar a trabalhar com pouco mais de 10 anos, histórias de perseguição, de pobreza, mas também da esperança de um mundo novo que a revolução veio trazer.
O Brandão Guedes, dirigente da Base-Fut – Frente Unitária de Trabalhadores, falou-nos da importância histórica e social do 25 de Abril e do 1º de Maio de 1974. Relembrou-nos que o 25 de Abril foi um processo de libertação, uma conquista colectiva que continua a fazer-se, ainda hoje, todos os dias. E recordou também que importa fazer memória, e assinalar e comemorar o 25 de Abril porque esquecemos facilmente. Se não sabemos de onde vimos, corremos o risco de voltar para trás e regredir.
O Ramiro Vilar, militante cristão da diocese do Porto falou-nos nos desafios que esta data nos traz, enquanto militantes cristãos e recordou-nos que foram inúmeros os contributos positivos que o 25 de Abril trouxe aos portugueses: o fim da Guerra Colonial e a novidade de uma Paz duradoura; a liberdade e a democracia,…
Mas importa olhar para os números:
– há 50 anos, apenas 50% das casas tinham água canalizada e casa de banho, hoje esse número aproxima-se dos 100%;
– há cinco vezes menos analfabetos; dez vezes mais alunos no Ensino Secundário e mais de metade dos doutorados são mulheres, enquanto em 1974 esse número era cerca de 10%;
– a mortalidade infantil caiu do triplo da média europeia para um valor um pouco abaixo dessa média; temos mais médicos, mais enfermeiros e outros profissionais de saúde, mais polícias, mais professores, melhor rede viária;
– temos um Serviço Nacional de Saúde que funciona mal, mas existe é de nós todos e a todos, mesmo os mais pobres, nos protege, nos momentos de maior vulnerabilidade;
– temos um sistema de Segurança Social imperfeito, mas temo-lo: as reformas são baixas mas acodem a todos e não só a alguns;
– continuamos a emigrar e a procurar um futuro melhor em outras paragens, mas muitos dos que vão já o fazem com dignidade;
– o salário mínimo é insuficiente, mas garante o mínimo de dignidade e é também uma conquista de Abril: foi definido pela primeira vez em 1974.
Em 50 anos de Abril acertámos em muito e falhámos noutro tanto, mas o balanço é claramente muito positivo. Temos um país mais livre, mais justo, mais próximo dos ideais de Abril de justiça, igualdade e liberdade do que o pais em que se deu o Abril de 1974. O maior sonho da geração de Abril era garantir um futuro melhor aos seus filhos. Apesar dos avanços incríveis, esse sonho não está assegurado aos netos da geração de Abril. Mas nunca ninguém disse que cumprir Abril era tarefa só dos nossos pais e avós. Não é! Onde eles falharam teremos nós de acertar. A responsabilidade é nossa. E dos nossos filhos e filhas! Não se pode aceitar um país desigual, com demasiada pobreza, que falha muitas vezes aos mais frágeis. Não se pode aceitar um país onde os imigrantes são usados como um bode expiatório de todos os males, um país onde a violência doméstica ainda persiste e o direito ao dia de descanso em família, é desvalorizado para dar lugar ao consumo desenfreado e à corrida aos hipermercados aos domingos e feriados. E o nosso país ainda é demasiado assim.
É tempo de investir nos pequenos grupos de pessoas que pensam pela sua cabeça e em conjunto procuram encontrar soluções coletivas. É preciso transformar os medos em desafios e perceber que as descobertas realizadas não podem silenciar-se: “Vós sois o sal da terra; mas se o sal perder o sabor, com que se há de salgar? Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte; Nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas em cima da mesa, para dar luz a todos que estão na casa. MT 5, 13-15”.
Não é preciso, hoje, uma revolução nas ruas. É preciso uma revolução em nós! Façamo-la!
Dirigente Nacional da LOC/MTC