As perspetivas do destacamento: o caso português

Nuno Boavida*

António Moniz*

O Destacamento de trabalhadores em Portugal

Este artigo resulta do Projeto de Investigação “Posting of workers during the Covid-19 pandemic, current challenges and future prospects”[1] cujo objetivo do projeto reside na delineação dos impactos mais visíveis e imediatos da recente crise pandémica no processo de destacamento dos trabalhadores da indústria transformadora. Pretende-se igualmente proporcionar alguma reflexão crítica e construtiva, na perspetiva dos trabalhadores destacados, das empresas, dos parceiros sociais, dos empregadores e das partes interessadas desde o envio. e países recetores. Os dados mais recentes fornecidos pela Autoridade para as Condições do Trabalho revelam que, em 2022 54993 trabalhadores foram destacados para fora de Portugal, segundo os dados da DSI-ACT Comunicações.

O principal destino destes destacamentos compreendeu a França com 41%, seguido da Bélgica com 17%, a Espanha com 16% e a Alemanha com 7%. Em segundo lugar, estes dados indicam que a esmagadora maioria dos trabalhadores destacados (99%) eram homens. Para além disso, a análise dos dados da ACT permite perceber que o fluxo da receção de destacamento incide sobre países emissores circunvizinhos de Portugal. Por um lado, a Espanha representa 48% do fluxo de destacamentos para Portugal e a Alemanha 30%; por outro lado, a Itália (8%), os Países Baixos (2%), a França (2%), e outros (11%), apresentam valores significativamente inferiores. Os dados revelam ainda que o setor das indústrias transformadoras compreendeu o terceiro sector mais representativo (14%), após os setores das “Outras atividades” (51%) e da “Construção” (32%).

Existem três atos legislativos principais que enquadram o destacamento de trabalhadores em Portugal. Em primeiro lugar, e de acordo com a Direção-Geral do Emprego e Relações de Trabalho (DGERT), a Lei 7/2009 aprova o Código do Trabalho que se refere aos trabalhadores destacados nos artigos 2.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º e 551.º; em segundo lugar existe a Lei 29/2017 que transpõe a Diretiva 2014/67/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, relativa à implementação da Diretiva 96/71/CE (a “Diretiva de Execução”) para a ordem jurídica interna do Parlamento Europeu e do Conselho; e em terceiro lugar, o Decreto-Lei 101-E/2020, de 7 de dezembro, que transpõe a Diretiva (UE) 2018/957, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito da prestação de serviços, procedendo à primeira alteração da Lei 29/2017.

Tendo em conta a natureza móvel da sua atuação e a especificidade do setor dos transportes rodoviários, prevê-se que à data de entrada em vigor na ordem jurídica nacional do diploma que transpõe o ato europeu que altera a Diretiva 2006/22/CE, nomeadamente no que diz respeito aos requisitos de implementação, estabelecer regras específicas sobre as Diretivas 96/71/CE e 2014/67/UE.

Metodologia

Em termos metodológicos, foi conduzida uma abordagem qualitativa com a realização de entrevistas semi-diretivas conduzidas através de meios virtuais, como o Zoom e o Teams, mas presencial e telefonicamente. Foi elaborado um registo do conteúdo das entrevistas e a gravações seguiram as regras éticas em vigor para projetos de investigação para seres humanos, com a permissão do interlocutor.

Em termos de obtenção de entrevistados, foram levadas a cabo tentativas de contacto com vários atores interessados (stakeholders). No entanto, poucas respostas foram obtidas, não apenas em Portugal, mas também nos restantes sete países envolvidos. No caso português, foram enviados para sessenta emails para organizações tendo sido apenas recebidas quatro respostas. O inquérito em linha não foi adequado para alcançar os trabalhadores destacados, sobretudo pelo facto de as empresas e os trabalhadores das PME metalúrgicas do Norte de Portugal não quererem divulgar qualquer informações. Estas empresas não se encontram disponíveis para permitir entrevista aos seus trabalhadores destacados. De facto, alguns destes indicaram que estão a enfrentar a fadiga das consultas online, sobretudo no período pós-pandemia de Covid-19.

Os resultados da pesquisa atraves do inquérito online revelaram-se como pouco significativos, visto que não foi obtido um número satisfatório de respostas, ou seja, apenas 8 indivíduos, destes apenas uma mulher, participaram no inquérito, tendo estes idades compreendidas entre os 24  e os 64 anos. Quanto ao nível de escolaridade, os participantes possuíam o ensino primário e o ensino superior, trabalhando, sobretudo no setor metalúrgico. Apesar de a amostra não ser conclusiva, cerca de 60% dos inquiridos respondeu que tinha melhores condições de trabalho no país de destino, enquanto 40% no país de origem. De igual forma, cerca de 61% acredita que o encaminhamento não contribuiu para a progressão na sua carreira, tendo a maioria regressado à mesma posição no país de origem, dentro da sua empresa. Todos os respondentes apresentaram uma opinião positiva relativamente à representação através dos sindicatos (assistência social e de saúde), enquanto 33% acredita que os comités de trabalhadores contribuíram para a representação coletiva durante o seu destacamento. Durante a pandemia de Covid-19, trabalhavam no país de origem cerca de 60%, destacando que os transportes representavam o problema mais premente. É de salientar ainda que apenas um inquirido permaneceu no país de destino, enquanto os restantes regressaram ao país de origem.

Em abril de 2023 foram realizadas 18 entrevistas em profundidade, com duração de cerca de uma hora. As mesmas envolveram a principal associação patronal da indústria metalúrgica ou Associação da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica (AIMMAP) que se encontra filiada na confederação patronal mais representativa em Portugal, a Confederação Industrial Portuguesa (Confederação Empresarial de Portugal – CIP).

Do ponto de vista metodológico, importa sublinhar que as empresas portuguesas do sector metalúrgico se apresentaram relutantes em seguir o novo quadro legislativo que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2022. A diretiva, a sua tradução contestada para o direito português pelo CIP e Metal Portugal. Foram realizadas entrevistas com a empresa patronal das industriais eletromecânicas – a Associação Industrial da Indústria Elétrica (ANIMEE) e com a principal confederação sindical do país – A Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional (CGTP), esta ultima em outubro de 2023. Durante setembro e novembro de 2023, foram entrevistadas três empresas do setor metalúrgico. A entrevista com o inspetor e diretor de departamento da Autoridade Nacional para as Condições do Trabalho (ACT), em novembro de 2023, permitiu trocar informação estatística atualizada sobre o destacamento de trabalhadores. Foram ainda desenvolvidos três questionários diferentes para abordar, de forma mais detalhada, cada uma das partes interessadas ( trabalhador destacado, sindicato e associação patronal).

O focus group, previsto no âmbito preparatório deste projeto, não foi realizado, visto que o mesmo se destinava a trabalhadores destacados, entre outros stakeholders. No entanto, muitos destes trabalhadores apenas podiam participar online, visto encontrarem-se no estrangeiro. Frequentemente, uma parte significativa dos trabalhadores destacados no setor metalúrgico é pouco qualificada, embora especializada, mas com menor destreza relativamente às ferramentas digitais para participação online. Uma parte significativa dos destacados no setor metalúrgico é mais velha e encontra-se em alojamentos onde a Internet não possui uma rede estável de conexão, para além da questão do desfasamento do horário. Outras das questões da recusa para entrevista reside no receio da exposição pública da sua identidade e/ou identificação do trabalhador destacado, assim como na relato dos problemas e dificuldades das suas empresas de origem e destino, comprometendo a sua posição e as condições de trabalho nas empresas de origem e de destino.

Como tal, a relutância das empresas em conceder uma entrevista à equipa de investigação foi bastante significativa. Apesar de abordadas vinte e uma empresas para entrevista via Zoom ou telefone, apenas foram possíveis três entrevistas, após a terceira ronda de contactos. De acordo com um representante do setor, esta relutância do setor da metalurgia parece prender-se com a entrada em vigor da diretiva do dia 1 de janeiro de 2022, entre outras possíveis causas não identificadas.

O número de entidades identificadas com conhecimento da situação atual é bastante reduzido. Para além dos organismos do Estado e das associações patronais e sindicais que foram entrevistadas, não foi possível identificar especialistas que soubessem caracterizar a situação atual do destacamento para dentro e fora de Portugal. Para além disso, a escassez de estudos sobre esta temática são referentes ao período pré-pandémico, incidindo sobre o setor da construção civil. Por último, os dados disponibilizados pelo setor na Autoridade para as Condições do Trabalho foram corrompidos, aguardando-se a sua recuperação. A Segurança Social e o Ministério do Trabalho não aceitaram o convite para fornecer dados e outras informações sobre o destacamento em Portugal.

No entanto, restavam ainda três entidades que, eventualmente, poderiam participar num focus group: A Autoridade para as Condições do Trabalho, a CIP e a CGTP. No entanto, não existia um racional para colocá-los juntos numa sala em confronto direto para discussão do um tema “o destacamento de trabalhadores no setor da metalurgia num contexto pós-pandémico”, pouco abordado em Portugal. No entanto, foi possível entrevistar cada uma destas entidades de forma separada e aprofundada.

Entre final de agosto e o final de outubro de 2023, foi ainda possível realizar oito entrevistas aprofundadas, conduzidas com os representantes dos empregadores, representantes sindicais e gestores de empresas selecionadas do setor metalúrgico que enviam trabalhadores para o estrangeiro. Os trabalhadores destacados das três empresas selecionadas da indústria metalúrgica foram enviados para trabalhar em França, Espanha, Alemanha e Bélgica.

A primeira empresa pertence a um grupo multinacional que procede ao envio de trabalhadores para a casa-mãe noutro país e, posteriormente, trata do destacamento para o país de destino (França ou outro país). As outras duas empresas nacionais que destacam trabalhadores concentram-se essencialmente na fase pós-projeto de instalação e manutenção, maioritariamente na Europa. Segundo os três testemunhos recolhidos, os destacamentos encontram-se sempre em conformidade com a Diretiva 2018/957 e com a legislação transposta, em vigor desde janeiro de 2022 em Portugal e nos países de destino. O valor  do salário auferido pelos trabalhadores portugueses no estrangeiro é superior, o que torna este tipo de trabalho bastante aliciante. Além disso, as equipas envolvidas nos destacamentos são profissionais na realização deste tipo de trabalho, e raramente ocorre qualquer problema.

As conclusões

As entrevistas realizadas a associações de empregadores revelaram que o grau de insatisfação com a presente diretiva é substancial entre o pequeno grupo de empresas que fazem este tipo de destacamento na indústria metalúrgica.

Foi indicado que algumas empresas do setor não estarão a cumprir com toda a legislação, visto que perderam a sua competitividade nos mercados externos onde operam. Uma empresa salientou, em particular, a falta de informação sobre as regras em vigor no país de destino, suscetíveis de mudança frequente, obrigando à contratação de uma empresa de advogados no destino para garantir o cumprimento da legislação local. O destacamento é, parcialmente, efetuado para países onde se verifica a existência de comunidades migratórias portuguesas.

Alguns destacamentos parecem estar a ocorrer pela via clássica da emigração e não com recurso ao destacamento. No caso das empresas de metal, este facto relaciona-se com a inserção das empresas portuguesas na cadeia de valor de empresas internacionais. Os países de destino são, muitas vezes, os locais onde se encontram as empresas clientes ou empresas fornecedoras. Os países de destino coincidem com os países onde existe emigrantes, com a exceção da Holanda e Espanha. Estas exceções revelam que, em alguns casos, o destacamento no setor da metalurgia é diferente, dirigindo-se para as empresas da cadeia de valor, sem a influências das comunidades de emigrantes portuguesas aí localizadas.

A pandemia de Covid-19 implicou mudanças no destacamento habitual, pois muitas encomendas foram canceladas ou suspensas, para além de grandes restrições colocadas ao movimento de pessoas, e períodos de confinamento. Na esfera do trabalho, houve implicações, sobretudo em termos de condições de saúde e segurança adequadas para os trabalhadores, verificando-se, inclusivamente situações de contágio e ampliação do espaços empresariais para que os trabalhadores pudessem compartilhar as mesmas salas. Houve implicações na organização, redução da jornada de trabalho, aumento do trabalho remoto. Segundo os gestores entrevistados, as respostas aos desafios da crise pandémica foram ultrapassadas com o tempo, tendo tudo voltado à “normalidade”. Dois dos gestores de empresas afirmaram que o aumento das tensões em termos geopolíticos está a ter mais impacto nas suas operações (ex. importação do aço e inflação), do que a pandemia propriamente dita.

É de salientar que a legislação europeia não mudou significativamente sob a influência da crise pandémica, sobretudo em termos de proteção jurídica laboral para os trabalhadores, pois não houve alterações nas diretivas ou regulamentos. De acordo com o representante da CGTP, a entrada em vigor dos efeitos da diretiva, após a sua transposição para o regime jurídico português em janeiro de 2022, clarificou significativamente o regime de deslocamento. No entanto, a transposição do regime foi também mais além do que a própria diretiva, tornando ainda mais difícil cumprir com todos os regulamentos, de acordo com a maior associação de empregadores CIP. Segundo o representante da CIP, os processos de movimento e destacamento de trabalhadores irão permanecer, visto que as empresas do centro da Europa pretendem mão-de-obra mais barata neste tipo de serviços especializados da indústria metalúrgica.

Por outro lado, o representante da CGTP afirmou que os sindicatos devem proteger os trabalhadores em destacamento para prevenir o dumping social, a discriminação e garantir os direitos laborais e sociais dos destacados em Portugal e no estrangeiro.são, muitas vezes, os locais onde se encontram as empresas clientes ou empresas fornecedoras. Os países de destino coincidem com os países onde existe emigrantes, com a exceção da Holanda e Espanha. Estas exceções revelam que, em alguns casos, o destacamento no setor da metalurgia é diferente, dirigindo-se para as empresas da cadeia de valor, sem a influências das comunidades de emigrantes portuguesas aí localizadas.

A pandemia de Covid-19 implicou mudanças no destacamento habitual, pois muitas encomendas foram canceladas ou suspensas, para além de grandes restrições colocadas ao movimento de pessoas, e períodos de confinamento. Na esfera do trabalho, houve implicações, sobretudo em termos de condições de saúde e segurança adequadas para os trabalhadores, verificando-se, inclusivamente situações de contágio e ampliação do espaços empresariais para que os trabalhadores pudessem compartilhar as mesmas salas. Houve implicações na organização, redução da jornada de trabalho, aumento do trabalho remoto. Segundo os gestores entrevistados, as respostas aos desafios da crise pandémica foram ultrapassadas com o tempo, tendo tudo voltado à “normalidade”. Dois dos gestores de empresas afirmaram que o aumento das tensões em termos geopolíticos está a ter mais impacto nas suas operações (ex. importação do aço e inflação), do que a pandemia propriamente dita.

É de salientar que a legislação europeia não mudou significativamente sob a influência da crise pandémica, sobretudo em termos de proteção jurídica laboral para os trabalhadores, pois não houve alterações nas diretivas ou regulamentos. De acordo com o representante da CGTP, a entrada em vigor dos efeitos da diretiva, após a sua transposição para o regime jurídico português em janeiro de 2022, clarificou significativamente o regime de deslocamento. No entanto, a transposição do regime foi também mais além do que a própria diretiva, tornando ainda mais difícil cumprir com todos os regulamentos, de acordo com a maior associação de empregadores CIP. Segundo o representante da CIP, os processos de movimento e destacamento de trabalhadores irão permanecer, visto que as empresas do centro da Europa pretendem mão-de-obra mais barata neste tipo de serviços especializados da indústria metalúrgica. Por outro lado, o representante da CGTP afirmou que os sindicatos devem proteger os trabalhadores em destacamento para prevenir o dumping social, a discriminação e garantir os direitos laborais e sociais dos destacados em Portugal e no estrangeiro.

*Universidade Nova de Lisboa – CICS.NOVA, nuno.boavida@fcsh.unl.pt

*Universidade Nova de Lisboa – CICS.NOVA, abm@fct.unl.pt

 

[1]https://www.innoved.gr/posting-of-workers-during-the-covid-19-pandemic-current-challenges-and-future-prospects/ – Projeto financiado pela União Europeia. Os pontos da vista e opiniões expressas são, no entanto, apenas dos autores e não refletem necessariamente os da União Europeia ou da Comissão Europeia. Nem a União Europeia nem a autoridade que concede os financiamentos podem ser responsabilizadas por eles.

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