Actividade educativa-formativa do Centro de Cultura Operária

 

A formação  de trabalhadores, em particular a formação social e sindical, é tema permanente de debate na BASE-FUT.,bem como no âmbito do EZA-Centro Europeu para os Assuntos dos Trabalhadores.Não apenas a qualidade das ações de formação,mas também as pedagogias e os valores e objectivos.

Neste quadro foi pedido ao Fernando Abreu,fundador da BASE-FUT, para nos dar um contributo histórico sobre esta temática nos tempos do Centro de Cultura Operária (CCO),organismo de formação dos Movimentos da Ação Católica Operária  e que mais tarde, com a democracia, seria integrado na BASE-FUT.Eis o texto:

Nota Prévia

«O pedido para dar o meu contributo sobre a Ação Educativa e Formativa do CCO para a reflexão que o nosso Movimento se propõe efectuar sobre esta temática, encontrou-me em fase avançada de recolha de elementos que possibilitem concretizar o projecto de complementar, com novos contributos, a Memória Histórica do CCO, que se encontra publicada, na íntegra, no livro “Igreja em Mundo Operário-Contributos para a História da Liga Operária Católica”..

A versão publicada no referido livro sintetiza demasiadamente alguns aspectos que, pela sua importância, justificavam maior desenvolvimento e aprofundamento, porém, à data, dada a urgência em disponibilizar a minha contribuição para a publicação daquele livro e, de modo mais imperativo,o pela impossibilidade de acesso a “fontes” que não consegui localizar nos arquivos da Base-FUT, parte dos quais penso que se tenham perdido para sempre.

Para este trabalho, digamos, complementar, recorri ao meu (desorganizado) arquivo pessoal que na altura estava disperso e aos Relatórios dos Encontros Nacionais do CCO que, entretanto, localizei e na base dos quais tenho estado a desenvolver e a enquadrar ideológicamente alguns dos tópicos anteriormente focados e a inserir outros, nomeadamente o da vigilância exercida pela PIDE/DGS , cujo Processo, então, ainda não se encontrava disponível para consulta pública.

Este tópico terá por suporte o Processo, em arquivo, na Torre do Tombo, o qual, não sem surpresa, abrange sómente parte da designada Segunda Fase da Actividade do CCO. Aberto em 18.03.1970 tem como primeiro registo inicial o Curso de Formação Cívica (Política), e seu termo em 24.01.72, “ vazio” este que indicia a abertura de um outro Processo, certamente,de grau superior de Investigação, o que reforça a credibilidade da informação que, em princípios de 1974, foi transmitida, por pessoa idónea e bem relacionda, de que o Ministro do Interior havia proposto a Marcelo Caetano o encerramento do CCO.

 

Contributo para a reflexão sobre a formação na BASE-FUT

 

O trabalho que acima refIro daria uma contribuição mais valiosa do que esta simples resenha em que me limito às ideias-chave que presidiram no plano pedagógico e ideológico à actividade formativa .

Como é sabido, a Actividade do Centro decorreu em contexto social e político muito diverso do actual, o que impôs pesados constrangimentos, que não obstaram, sobretudo nos últimos anos do regime fascista, a uma forte mobilização dos trabalhadores, inegávelmente superior à dos tempos presentes.

É meu pensamento que, no essencial, as Linhas Orientadoras do CCO adoptadas na 2ª. Fase da sua  Actividade, continuam válidas para uma actividade educativa-formativa que se queira libertadora da influência nefasta da ideologia dominante e motor de ação de transformação das Estruturas/Instituições desrespeitadoras da dignidade humana dos trabalhadores ( da qual ,na sua imensa maioria, não têm consciência), bem como da luta pelo reconhecimento dos seus direitos e interesses materiais, espirituais, culturais, sociais e polítcos, cuja amplitude um Movimento como a Base-FUT, que não tem, nem deseja ter acesso à governança, deve ajudar a descobrir porquanto eles vão muito para além dos reconhecidos por lei.

Sabemos que os Movimentos de Trabalhadores, e não só o Sindical, estão, presentemente, afectados pela notória e deslizante perda de força da classe operária, que, em consequência da desindustrialização e da implementação das novas tecnologia está, digamos assim, em vias de extinção. A que acresce a ocorrência da aceitação prática da ideologia neo liberal por parte considerável dos trabalhadores que o patronato, com notório êxito, tem vindo a impôr transformando os seus dependentes e servidores em “colaboradores” e “independentes”.

Estas são realidades que não podem deixar de ser consideradas pelos movimentos de trabalhadores ao definirem os seus Programas e Métodos de Formação dado que, em consequência da profunda penetração da ideologia neoliberal no seio dos trabalhadores (e do povo em geral), estes estão corroídos pelo o individualismo e concorrência desleal, em que o inimigo é o “outro”, o colega, e não o seu patrão, director ou administrador. Um indidualismo “cego” gerador da indiferença, quando não de oposição, à participação no movimento sindical, com reflexos no plano político.

Embora, a crescente indiferença pela participação na “coisa pública” seja,hoje, um fenómeno  universal, em Portugal tem-se agravado ano após ano, situação esta confirmada recentemente por Inquérito à escala europeia, no qual o nosso país surge como o de menor índice de participação em movimentos associativos, em toda a Europa.

 

Os objectivos do CCO e actividade formativa na 1ª fase de vida do CCO (1964/1967

 

O CCO foi criado com a missão de “Elevar a cultura geral dos trabalhadores e prepará-los doutrinária e tecnicamente para o desempenho consciente das múltiplas tarefas que se exigem aos operários conscientes da sua missão e das suas responsabilidades”.

Entre 1964 e fins de 1967, o CCO promoveu, maioritáriamente em Lisboa, com o Objetivo da preparação de Formadores, Animadores e de Trabalhadores filiados nos Movimentos da Ação Católica Operária, mas aberto a todos os trabalhadores que dele quisessem usufruir, Cursos de Francês e Inglês, Iniciação à Sociologia, Doutrina Social da Igreja, Economia , Tecnicas de Trabalho em Grupo, Falar em Público e Sindicalismo.

Embora o formato académico do CCCO viesse a ser posto em causa, foram, contudo, as profundas  divergências ideológicas no campo sindical/político a seguir mencionadas, o principal motivo da crise que levou à mudança de Direção e de Orientação :

1) a proposição pelo Director do Centro de um Sindicalismo de Conciliação em alternativa ao sindicalismo corporativo estatal;

2) a informação dada pelo Permanente do CCO, num Encontro clandestino, promovido conjuntamente pela OIT e a Confederação Internacional de Sindicatos Cristâos, de que o CCO estava a organizar sindicatos cristãos em Portugal, sem que de tal iniciativa, a Direcção do CCO e da Liga Operária Católica da qual, estaturáriamente, o Centro dependia, tivessem conhecimento.

Na avaliação da actividade desenvolvida no período em referência, não se pode deixar de reconhecer que, se é certo que na concepção dos dirigentes e cooperadores do Centro a mesma não atingiu os resultados esperados e desejáveis, foi, sem dúvida, muito importante para a formação cultural dos participantes, na sua maioria, militantes dos Movimentos da Ação Católica Operária e para a preparação e formação de um pequeno grupo de Animadores/Formadores.

 

Ação formativa-educativa na 2ªfase (1968/1974)

 

A nova Direção ao iniciar o seu mandato começou por reflectir sobre o conceito da pedagogia formativa de trabalhadores mais adequado aos objetivos de desalienação , da tomada de consciência de classe e de compromissos de ação em ordem à promoção e libertação da Classe Trabalhadora.

Baseados no “VER, JULGAR e AGIR” de Cardijn (o fundador da Juventude Operária Católica) e da “REVISÃO DE VIDA” (pedagogia de actualização do V-J-A), em que a totalidade dos novos dirigentes haviam sido formados nos Movimentos da Acção Católica Operária, e em Inquérito então lançado, definiriam que o CCO não seria um Centro, tipo “pronto-a-vestir”, pelo que a sua Estrutura e Actividade Educativa-Formativa, no plano prático, deveria ser evolutiva e em permanente revisão de modo a poder responder, o mais adequadamente possível, às necessidades formativas que os Movimentos, os formandos e as realidades sociais, no dia a dia, se tornassem manifestas, tendo presente a necessidade de evitar uma não desejável dicotomia entre o SABER e o FAZER.

Para a concretização destes Principios e Objectivos, a Direção Nacional, as Delegações, a Estrutura, os Sectores e os Serviços, ao longo dos anos, foram-se adaptando e readaptando às crescentes  necessidades e à diversidade das mesmas, em resultado da ação empreendida, pelo que dos dois Sectores inicialmente existentes: Informação/Documentação e Sindical (este último posteriormente denominado Acção no Trabalho e Sindical) foram , sucessivamente, criados até 1974, os Sectores de Ação Cultural no Ensino, Acção nos Tempos Livres e Acção Cívica/Politica.

Os Cursos, se bem que nem todos, e os Encontros de Formação, estes na sua maioria, deixaram de obedecer a rigidos Guiões, decisão que teve por objectivo, dar autonomia aos participantes para se expressarem livremente (dando-lhes o “direito à palavra” que o “sistema” lhes negava), opção esta que se viria a revelar deveras estimulante. É certo que, por vezes, tal opção implicou que os Animadores/Formadores, se viram surpreendidos com importantes e oportunas interveções que implicaram  o “desvio” da Temática prevista, porém, na análise habitualmente realizada de Revisão/Avaliação das atividades, foi concluído que, em regra, tais situações haviam tido o mérito de abertura a novas perspectivas de ação.

Nas referidas reuniões de Revisão/Avaliação foi também reconhecido que a autonomia e a liberdade permitidas gerava nos participantes um positivo estado de espirito ao sentirem-se tomados em consideração, o que abria maiores possibilidades para que, progressivamente, eles assumissem a condição de actores da sua própria Libertação e, em percentagem, alguns se tivessem tornado actores da ação de libertação de outros trabalhadores.

Importa destacar que, salvo os Encontros de carácter Tecnico, as Actividades Formativas eram orientadas por Animadores/Formadores sem estudos académicos, ao contrário de hoje, em que, por regra, são confiadas a “especialistas” . A Formação de Animadores/Formadores, para além dos estágios proporcionados por Organizações Internacionais que, devido à escassez de trabalhadores com domínio do idioma francês, não foram inteiramente aproveitados.

No entanto, a insistência com que se recomendava e estimulava a Auto-Formação pela leitura e o estudo, e o aconselhamento de fazer pequenos resumos de leituras, pode-se afirmar que constituiu uma das bases de formação que, aliás, já antes da formação do CCO era usada, com êxito, pelos Movimentos da ACO que, inclusivé os dos jovens, eram dirigidos pelos seus filiados jovens trabalhadores, em geral, com reduzida escolaridade.

As exigências de formação foram crescendo à medida que os militantes dos Sectores de Ação foram assumindo níveis superiores de Intervenção o que exigiu a criação de Equipas de Estudo formadas  por jovens licenciados (voluntários) e um ou dois trabalhadores. Foram formadas Equipas de Legislação do Trabalho, Tecnica Sindical e Juridica. Estas Equipas, além de responderem às necessidades que se foram manifestando de Apoio aos Sectores, conjuntamente com o Sector de Informação/Documentação, prepararam uma larga variedade de documentos de formação/ divulgação de Temas que, por sua vez,  originaram a publicação de vários Opúsculos e Cadernos, os quais, tal como os emblemáticos Cadernos de Cultura Operária (suspensos em consequência da Censura) tiveram larga divulgação quer entre os filiados dos Movimentos da ACO como entre trabalhadores .

De notar que, tais publicacações, em fascismo e tempo de alta taxa de analfabetismo, atingiram elevadas tiragens. Vendidas de “mão em mão” constiuiram a fonte de inspiração para a formação das edições BASE dada a reconhecida necessidade de publicar livros que contribuissem para um maior aprofundamento da formação cultural, sindical e política, nomeadamente, os livros Libertar o Povo, Acção Sindical e Chile-Socialismo Impossivel que, editados pelo Movimento BASE em 1973 e início de 1974, nasceram da íntima relação com o CCO.

A título, meramente informativo, registe-se que o Opúsculo “Despedimentos Colectivos” teve 3 edições, a 1ª. de  500 ex, a 2ª. de 300, e a 3ª. de 900, e os Cadernos de Cultura Operária, tinham 1200 Assinantes e vendia em livrarias de Lisboa uma média de 200 exemplares.

Para concluír,direi que dois foram os eixos centrais da Actividade Formativa do CCO: A Educação dos Trabalhadores como Pessoas Humanas e A Tansformação Social e Política do País, actividade que tem sido merecedora de positiva apreciação por Entidades nacionais e internacionais, e da qual a Base-FUT e o CFTL são originárias, pelo que a estas cabe a missão de, nas condições e constrangimentos actuais, valorizar o património histórico que do CCO herdaram, enriquecendo-o ao Serviço da Promoção e Libertação dos Trabalhadores.

Algés, 7 de Julho de 2022

Fernando Abreu

Junta-te à BASE-FUT!