A maioria silenciosa

com Sem comentários

 

José Ricardo*

Finalmente podemos observar a quantidade de saudosos do antigo regime.

Como tudo na vida, podemos ver sempre o copo meio, ou como meio-cheio ou como meio-vazio. Portanto, é preferível aguardar pelas eleições autárquicas que poderão confirmar ou não estas votações. Sem grandes informações estatísticas podemos usar o “achómetro” para tecer comentários ao acaso. Se são certos ou errados iremos descobrir no futuro.

Começando pela novidade da votação do Chega, acho que, finalmente, podemos observar a quantidade de saudosos do antigo regime que estavam acoitados noutros partidos, a começar pelo Ventura. É bom. A clareza é sempre uma boa coisa. Causa-me tristeza, é certo, o pensamento de tantas pessoas do interior do País e do Alentejo, mas os 48 anos de autoritarismo fascizante deixaram as suas marcas culturais e não será por acaso que a expressão eleitoral deste grupo é menor em populações mais instruídas e maior em populações mais endinheiradas. Para compreender este fenómeno, sobretudo o do Alentejo é preciso estudar “a servidão voluntária”. A submissão a poderes instituídos cria uma cultura de servidão, mesmo que o moleiro se afirme amigo do povo.

É minha convicção que nas autárquicas estes “pessoais” irão levar uma banhada, tal qual o BE nas primeiras eleições autárquicas após as legislativas. A meu ver, esta expressão nacional não se vai refletir nas autárquicas. Acresce que irão aparecer muitos rostos, mais conhecidos dos lugares e, por certo, pouco recomendáveis. Neste contexto poderá ser mais difícil a atuação em jeito de propagandista, oco, com meias verdades e mentiras descaradas.

Relativamente ao BE, depois do voto contra o Orçamento de Estado deveria ter-se abstido, apoiando a Ana Gomes, e reaparecer nas autárquicas. A sua opção de voto, apesar de poder ter muitas razões na falta de apoio ao SNS, foi entendida de novo como a de um partido de protesto e não de negociação. Sucumbiu à campanha dos comentadores sobre a sua atitude crítica constante “faroleira”, mas que votavam sempre a favor do PS. Não perceberam que essa mordacidade não era estendida ao PCP e morderam o anzol. Estas votações foram a expressão dessa atitude.

Devo confessar que esta foi a minha opção. Voto quase sempre no BE mas, desta vez, fi-lo em Ana Gomes, mesmo que me identifique mais com as ideias da Marisa Matias. Nós precisamos de uma maioria de esquerda e ela tem de ser negociada até ao possível. A política é a arte do possível na diversidade de interesses e opções. A radicalidade cultural e educativa deve ser feita constantemente a partir da base, com as populações e os militantes. À medida que as posições e propostas mais socialistas ganham adeptos o PS é forçado a negociar. É preciso entender que o PS é marxista na sua fundação, mas no seu seio coexistem muitas forças organizadas que pouco ou nada têm de socialistas.

Nestes tempos de pandemia os resultados foram o melhor contributo para afastar o espectro de uma crise política, como já era anunciada. A estabilidade política está assegurada, o poder do presidente foi consolidado, mas não esmagador, de forma que deixa margem de manobra ao Governo do PS. Para tal foi imprescindível a candidatura da Ana Gomes. Com este resultado, vamos ter vozes dentro do PS para assegurar que os compadrios nos concursos públicos serão escrutinados e combatidos tanto à esquerda como dentro do PS, não deixando esse legado para a extrema direita.

Por último, penso que não são corretas as críticas ao António Costa sobre a oportunidade de apresentar um candidato próprio apoiado pelo PS. Não podia ter escolhido de outra forma. Alguém pensa que o ministro Duarte Cordeiro apoiou a candidatura de Ana Gomes sem a concordância do António Costa? Desculpem a imodéstia, mas quem pensa assim, percebe pouco de estratégia política.

27/1/2021

*Mestre em Ciências da Educação,Dirigente da BASE-FUT e Animador Social

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