l
O facto de a maioria das aplicações de inteligência artificial (IA) no local de trabalho aumentar o poder dos empregadores não é propriamente uma novidade. Sendo esta tecnologia amplamente aplicada pelos empregadores, e não pelos trabalhadores, no ambiente laboral, a capacidade da IA de corroer o poder dos trabalhadores através da vigilância, da gestão algorítmica, da desqualificação e da substituição é amplamente observada. Assim, será que a IA, uma tecnologia que visa dissolver a ligação entre o julgamento humano e os processos analíticos, é intrinsecamente incompatível com o objetivo de reforçar o poder dos trabalhadores? As tecnologias de IA desenvolvidas no contexto do atendimento ao cliente poderiam ser repensadas e remodeladas para servir como instrumentos de solidariedade e ativismo?
O nosso artigo tenta responder a estas questões, examinando a forma como duas organizações sindicais, a Organization United for Respect (OUR) nos Estados Unidos e o sindicato United Workers Union (UWU) na Austrália, utilizaram um agente conversacional (chatbot) alimentado por IA no âmbito das suas atividades organizacionais. Inicialmente, a aplicação WorkIt foi desenvolvida pela OUR com o objetivo de organizar uma força de trabalho de mais de um milhão de trabalhadores sem o apoio institucional de um sindicato oficial ou o direito de aceder ao local de trabalho. Posteriormente, foi alargada pelo UWU aos setores dos casinos, cuidados domiciliários e hotelaria na Austrália. Graças às suas capacidades de reconhecimento de linguagem natural, o agente conversacional fornecia respostas automatizadas às questões escritas pelos trabalhadores nos seus dispositivos móveis sobre os seus direitos. As questões às quais o agente não conseguia responder com um grau de certeza aceitável eram encaminhadas para um interlocutor humano, cujas respostas eram então reintegradas no “cérebro” do agente para aumentar a sua capacidade de responder automaticamente a questões semelhantes no futuro.
Três questões chave surgiram como elementos a serem considerados pelos sindicatos que ponderam utilizar a IA para reforçar o seu poder:
- É essencial que a tecnologia seja repensada de forma a refletir os valores da sindicalização, e não os dos serviços
As versões comerciais do IBM Watson foram desenvolvidas com fins comerciais. Elas assumem que as organizações as utilizariam com o objetivo de “racionalizar” e reduzir ao máximo as interações humanas nas transações de serviços. No entanto, no contexto de um modelo de sindicalização, os sindicatos mantêm uma relação diferente com os seus membros. Eles querem envolvê-los e ajudá-los a exercer o seu poder coletivo no local de trabalho, o que implica usar a tecnologia para iniciar e enriquecer as conversas com os membros, em vez de as encerrar o mais rapidamente possível. Para que a aplicação sustentasse esta filosofia, o UWU reformulou fundamentalmente o agente conversacional. Em vez de uma abordagem inicial de “fornecimento de informações”, o sindicato substituiu a programação do agente conversacional. Embora as informações tenham sido fornecidas aos membros de maneira útil, foram formuladas de forma a refletir o facto de que as regras de trabalho, e a forma como são aplicadas, estão sempre relacionadas com questões de poder no local de trabalho. Esta abordagem preparou o terreno para a organização futura.
- Envolver os trabalhadores nos processos de conceção
Para que o agente possa fornecer respostas que promovam a capacitação, o processo de construção do “cérebro” do agente conversacional exige muito trabalho prévio. Inicialmente, o sindicato concebeu este trabalho como uma tarefa única, mas depois percebeu que seria mais sensato dividir o trabalho em dois papéis: os “especialistas”, ou seja, delegados no local de trabalho que respondiam às questões sobre o conteúdo, e os “administradores”, ou seja, responsáveis sindicais que se encarregavam do trabalho técnico de preparação das informações para o agente conversacional. Esta divisão de tarefas dentro do sistema teve um impacto positivo nos trabalhadores de ambos os lados do agente conversacional; permitiu o surgimento e desenvolvimento de novos líderes que se sentiam à vontade para ativismo num ambiente digital.
- A IA pode ajudar os sindicatos a traçar um panorama dos locais de trabalho, especialmente nos setores onde a sindicalização é difícil
O valor do agente conversacional não reside apenas no facto de ser uma ferramenta de perguntas e respostas, mas na sua qualidade como mecanismo que ajuda os organizadores a compreender melhor quem são as pessoas que fazem perguntas nos locais de trabalho e quais são os problemas chave para os trabalhadores. Ser capaz de mapear os problemas desta forma permitiu aos organizadores preparar as visitas aos locais de trabalho. Conhecer os problemas também se revelou muito útil em setores onde os trabalhadores não partilham um local de trabalho físico (por exemplo, os cuidados domiciliários), permitindo ao sindicato identificar e organizar problemas que, de outra forma, não teriam sido detetados. Como disse um responsável do UWU: “Graças à aplicação e ao portal Web, a capacidade de participar em conversas online sobre sindicalização foi alterada. É a capacidade de identificar problemas, ativistas e líderes potenciais online, com base no tipo de questões que nos chegam, de uma maneira realmente otimizada.”
De uma forma geral, o recurso à IA por parte dos sindicatos parece apresentar vantagens potenciais, mas apenas se estes estiverem preparados para repensar deliberadamente esta tecnologia em torno de uma filosofia de sindicalização e considerá-la como uma ferramenta adicional para a sindicalização das pessoas, em vez de a ver como uma medida de poupança de custos ou de mão-de-obra.
Este artigo foi publicado originalmente pela IndustriAll Europe.
Fonte ETUI/Instituto Sindical Europeu