A greve dos trabalhadores das matérias perigosas

Brandão Guedes*

A recente mini-crise que envolveu o conflito entre o pequeno sindicato dos motoristas das matérias perigosas e os seus patrões revelou alguns aspectos que  merecem reflexão e debate político sindical.

Em primeiro lugar esta crise acabou aparentemente por ser bem gerida pelo governo que evitou uma situação políticamente embaraçosa na quadra da Páscoa, com um aumento da mobilidade das famílias e reforço do turismo e, portanto, do aumento do consumo de combustível. Algumas forças «anti-geringonça» esfregavam as mãos de contentamento perante uma situação desgastante semelhante aos incêndios do ano passado!

Em segundo lugar esta crise mostrou quanto o País está dependente da rodovia, nomeadamente esquecendo a alternativa ferroviária que nestas circunstancias poderia resolver alguns problemas

Em terceiro lugar este esboço de caos mostrou quão impreparados estão os portugueses para enfrentarem situações deste género.Filas longas de carros nos postos de abastecimento, com pessoas a atropelarem-se,gente temendo que não pudesse ter comida nos supermercados, enfim, gente quase a entrar em pânico com uma pequena ameaça.Decididamente não estamos preparados como povo para uma prova mais dura, uma catástrofe da natureza ou uma crise social e política.

Em quarto lugar toda a gente ficou a  conhecer uns 800 trabalhadores que há muitos anos trabalham todos os dias a transportar matérias perigosas , que em alguns casos são autênticas bombas.Eram ignorados mas eles descobriram que têm muito poder.O poder de paralisar um país caso seja necessário.Existem outros casos e situações semelhantes de grupos de trabalhadores que são subalternizados até pelas suas próprias macro organizações sindicais.Pelo que fazem e pelos perigos que correm não têm direito a uma categoria própria?Não tê direito a uma remuneração justa?

Em quinto lugar esta situação mostrou que não basta andar com bandeirinhas e manifestação para aqui e para acolá num sindicalismo demasiado conformista e bem comportado politicamente.Há efectivamente sectores, grupos de trabalhadores descontentes com a situação.A economia cresceu, as exportações aumentaram, diminuiu o IVA para alguns sectores, aumentou, enfim, a riqueza,mas os salários são lentamente repostos e apenas com ajustamentos ou aumentos pouco significativos.Veja-se o sector do turismo e restauração, calçado, vestuário, transportes e energia, entre outros.São muitos os trabalhadores com o salário mínimo e este tornou-se numa referência para contratar inclusive os jovens licenciados.

Finalmente esta situação mostrou que tal como no caso dos estivadores e dos enfermeiros há sectores de trabalhadores descontentes e que se deram conta que têm nas suas mãos um grande poder se estiverem coesos e conscientes da sua força.São sindicatos com alguma distanciação relativamente ás centrais sindicais e às suas estratégias.

É natural que outros grupos de trabalhadores decidam destacar-se das grandes organizações e lutar por sua conta.Um risco  terão que evitar:ver apenas os interesses imediatos da sua classe adoptando um corporativismo cego sem terem em conta a situação política concreta e os interesses mais gerais dos trabalhadores dando  «tiros nos pés»,ou seja, dando azo a futuras limitações ao direito de greve ou ao alargamento inaceitável dos serviços mínimos.

Uma perspectiva se desenha: tanto a CGTP como a UGT terão que repensar em alguns sectores as suas estratégias de organização sindical.Fazer macro organizações onde se metem todos os grupos possíveis de trabalhadores tem algumas vantagens, nomeadamente de controlo, negociação e de gestão dos recursos.Todavia, os diferentes grupos que integram uma federação, por exemplo, terão que ser considerados nos seus interesses específicos.Hoje mais do que  nunca! Aliás, será normal que alguns sectores sem grande história sindical queiram ter uma estratégia  independente das grandes organizações sindicais.

  • Coordenador da Comissão para os Assuntos do Trabalho da BASE-FUT

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