A ação internacional de sindicalistas cristãos na ditadura

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Em 1966, a Confederação Internacional dos Sindicatos Cristãos (CISC) promoveu, com o apoio da OIT, (Organização Internacional do Trabalho) um Encontro de Formação para Responsáveis das Centrais Sindicais clandestinas de Espanha nela filiadas (USO – Union Sindical Obrera), ELA/STV do País Basco e SOC – Solidariedad Obrera da Catalunha), que não obstante terem sido fundadas por dirigentes e ex-dirigentes dos Movimentos da Acção Católica Operária não assumiram carácter confessional.

Convidado pela CISC, o CCO fez representar por dois dos seus dirigentes nacionais: Alfredo Morgado (Permanente) e Fernando Abreu.

As Sessões de Formação realizaram-se num Centro Católico de Friburgo (Suissa) tendo sido orientado por dirigentes da CISC e membros do Comité de Liberdade Sindical da OIT, tendo a primeira parte sido dedicada à análise da situação sindical e política nos países ibéricos, e nas seguintes debatida e aprofundada a prática da ação sindical em situações de ausência de liberdade sindical.

De relevar que, algo imprevistamente, num dos intervalos, o Representante da Santa Sé na OIT deslocou-se ao local para apresentar cumprimentos aos participantes, sem, no entanto, fazer qualquer referência, aos temas e objectivos do Encontro.

O facto é que a sua presença foi reveladora da atenção com que a diplomacia do Vaticano, independentemente do posicionamento das hierarquias nacionais, acompanhava a actividade política e sindical, mesmo se clandestina.

Nesse Encontro registou-se também um outro inesperado acontecimento e que constituiu um dos motivos que acelerou a já referida “ruptura” ocorrida no CCO.

Numa das suas intervenções, o Alfredo Morgado, declarou que o CCO estava a iniciar a formação de Sindicatos Cristãos clandestinos em Portugal, o que obrigou o Fernando Abreu, a refutar aquela afirmação, tendo assegurado que nem a Direcção do Centro nem a Direcção Geral da LOC, da qual era Vice-Presidente, e da qual o CCO dependia, não tinham discutido nem assumido tal decisão.

Divergências de fundo entre os militantes católicos

No regresso a Portugal, a questão foi avaliada e teve como consequência a demissão do Alfredo Morgado de Dirigente – Permanente, na sequência da qual, o Director do Centro, Carlos Augusto de Almeida, apresentaria, posteriormente, o seu pedido de demissão.

Em substituição do anterior Director do Centro, a Direcção Geral da LOC nomeou para o cargo o seu Vice-Presidente Fernando Abreu, nome que contribuiu para que o CCO clarificasse o seu posicionamento face à questão do confessionalismo sindical, pois, como referido anteriormente, os dirigentes que se mantiveram em funções, bem como a totalidade dos animadores, eram contrários à formação de sindicatos de denominação cristã.

Este posicionamento maioritário teve por fundamento não só a histórica falta de credibilidade do sindicalismo cristão em Portugal, mas também a evolução do pensamento social da Igreja sobre a matéria.

De registar que, à data, em Espanha, os militantes operários cristãos estavam envolvidos na organização de sindicatos clandestinos não confessionais, e que em França, em 1964, o Congresso da CFTC (Confederação Francesa dos Trabalhadores Cristâos) aprovara a desconfessionalização adoptando a designação de Confederação Francesa Democrática do Trabalho – CFDT.

Laicisação dos sindicatos

Este último processo viria a acelerar a laicização da Confederação Internacional de Sindicatos Cristãos que, em Congresso, adoptaria a denominação de Confederaqção Mundial do Trabalho – CMT. A demissão do Fundador e Director do CCO e a posição assumida pela BASE de oposição à fundação de sindicatos cristãos em nada afectou o relacionamento internacional, pelo que o CCO, tal como a BASE, tiveram o apoio incondicional da CSC da Bélgica e da CISC / CMT, fundamentalmente em acções formativas, e apoio financeiro que, embora modesto, foi importante.

Há que realçar, de modo especial, a solidariedade da CSC Belga que manteve durante anos um Permanente português ligado à BASE, José Dias Rodrigues, e publicou um jornal dedicado aos trabalhadores portugueses, e a da CFDT que além de proporcionar estágios a militantes idos do interior, prestou também expressivo apoio aos trabalhadores portugueses emigrados e que teve como Permanente para o Sector da Construção o português Fernando Domingues, também ele ligado à BASE.

Pela importância de que se revestiram, há que evidenciar ainda as relações estabelecidas com a Associação Cristã de Trabalhadores Italianos (ACLI)   iniciadas no âmbito do Movimento Mundial dos Trabalhadores Cristãos.

Com a formação da BASE, e dados os objetivos que esta se propunha, estabeleceram-se relações nas áreas sindical, política e anti-colonial, tendo sido notável o empenhamento dos seus principais Dirigentes, o Presidente Livio Labor, o Secretário Geral, Emílio Gabaglio , e o Responsável das Relações Externas, Umberto Canullo, pelo contributo dado à luta dos trabalhadores portugueses e dos povos das colónias. Pela relação de proximidade do Presidente com o Papa João XXIII, e posteriormente com Paulo VI, o Presidente teve a oportunidade de, pessoalmente, lhes transmitir a vasta e actualizada informaçãp sobre Portugal, nomeadamente sobre a crise da Igreja, do regime político e da luta anti-colonial, o que terá representado um contributo, mesmo se não determinante, para a audiência de Paulo VI aos Líderes dos Movimentos de Libertação das Colónias.

Referiremos apenas algumas das iniciativas que permitem avaliar a importância deste relacionamento.

Uma das mais importantes foi talvez a da organização de um Sistema de Informações (que na prática se revelou eficaz) e teve por objectivo fazer chegar, via ACLI, a várias Organizações, Instituições, Publicações e Personalidades informação e documentação sobre as lutas dos trabalhadores nas empresas e nos sindicatos, a ação dos católicos no “aggiornamento” da Igreja, na luta contra o regime, designadamente a anti-colonial.

Para garantir a sua chegada ao destino eram obtidos e utilizados sobrescritos de entidades oficiais, bancárias e de Empresas fictícias, além do recurso a pessoas sem cadastro policial que se prestavam a fazer de “pombos-correio”.(6)

Em 1968, por proposta da ACLI, a BASE organizou uma “Viagem de Estudo” a Itália de católicos oposicionistas do regíme nas áreas sindical, política e religiosa.

Teve por finalidade estabelecer relações, conhecer a organização e sensibilizar as Centrais Sindicais e os Partidos Políticos (Partido Socialista, Partido Comunista e Democracia Cristã), bem como Entidades religiosas e culturais para a problemática da situação sócio-política em Portugal.

Encontro ibérico de sindicalistas

A Coordenadora da BASE delegou a organização e sua representação no Fernando Abreu e incumbiu-o de convidar o Nuno Teotónio Pereira, o Victor Wengorivius e o José Manuel Galvão Teles, escolha que atendeu à activa intervenção social destes católicos oposicionistas.

Para despistar a PIDE, as saídas e regressos tiveram lugar em dias desencontrados e fazendo “ponte” por países não coincidentes.

As relações com a ACLI saíram reforçadas e os três convidados, futuros fundadores do MES (Movimento de Esquerda Socialista), tal com a BASE, aproveitaram-nas para o desenvolvimento da sua intervenção cívica.

No seguimento destas deslocações, a BASE foi convidada pela ACLI a participar numa reunião em Itália com dirigentes da FRELIMO, cuja representação coube ao Cesário Borga, que por ter regressado recentemente da guerra colonial em Moçambique, teve a oportunidade de ter um encontro privilegiado com o dirigente Marcelino dos Santos. Talvez por motivo deste Encontro, Moçambique tenha sido a única antiga colónia que adquiriu várias dezenas de livros das Edições BASE, através dos Serviços do seu Ministério da Educação.

Não se pode deixar de referir também as relações mantidas com o Comité de Liberdade Sindical – CLS da OIT.

Iniciado, como já referido, no Encontro Ibérico de Sindicalistas clandestinos, foram mantidos contactos pelo CCO que foram reforçados após a constituição do Movimento BASE, e da qual foram informados, particularmente, por Gérard Fonteneau, Secretário – Geral – Adjunto da CMT – Confederação Mundial do Trabalho.

O lado mais importante não foi certamente o fornecimento regular de informação e documentação, nomeadamente a tradução pelos seus Serviços de Educação Operária para português do Manual sobre Negociações Colectivas (Colecção Manuais de Educ Operária), do qual fizeram chegar a Portugal, gratuitamente, várias centenas de exemplares, manual que muito contribuiu para a formação, nesta matéria, de elevado número de sindicalistas Portugueses.(Texto de Fernando Abreu para livro dos 40 anos da BASE-FUT).

 

Texto republicado no âmbito do 50º Aniversário da BASE-FUT

 

 

 

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