No dia 18 de maio de 2025 terão lugar as eleições para a Assembleia da República – pouco mais de um ano desde as últimas legislativas. Esta situação deve-se exclusivamente à conduta eticamente reprovável do primeiro-ministro. Recorde-se que a empresa da família do primeiro-ministro recebia quantias avultadas de empresas privadas – com interesses diretos em decisões governamentais – quando este já estava no cargo. Neste cenário, a demissão do primeiro-ministro e a nomeação de um novo governo seria o caminho natural. Em vez disso, o PSD e o CDS insistiram em negar a gravidade evidente do caso, recusando qualquer cenário de substituição do primeiro-ministro e forçando as eleições, com a anuência do Presidente da República – ele próprio prisioneiro do erro que foi a dissolução do parlamento anterior.
Toda esta situação acarreta dois riscos para o regime democrático. Por um lado, a desvalorização da Assembleia da República e a promoção da pessoalização da vida política. Por outro lado, a utilização da legitimidade eleitoral para tentar menorizar comportamentos eticamente reprováveis – o que leva à degradação dos padrões éticos que se exigem aos titulares de cargos públicos.
Neste quadro, a BASE-FUT entende, em primeiro lugar, ser necessário reafirmar o princípio constitucional de que as eleições legislativas são sobre candidaturas ao lugar de deputado à Assembleia da República e não ao cargo de primeiro- ministro! É a partir da composição da AR e das correlações de forças nela existentes que é nomeado um Governo. E é da AR que emana a legitimidade desse Governo. Lembre-se que não é sequer obrigatório que o PM seja um deputado! No centro da decisão do voto devem estar os programas eleitorais dos partidos e a avaliação da prática passada destes na AR e nos governos de que fizeram parte.
A Assembleia da República é soberana
Em segundo lugar, é necessário defender a componente parlamentar do nosso regime político. A Assembleia da República é soberana. Salvo situações de gravidade extrema, só deve ser dissolvida quando já não for capaz de produzir soluções de governação estáveis – e nunca pelo destino ou comportamento deste ou daquele membro do executivo.
A queda do Governo PSD-CDS deu-se apenas um ano após a sua tomada de posse. Sendo um período curto, existe já matéria para uma avaliação do seu mandato. Algumas medidas tomadas são positivas e até incompreensível que o governo anterior do Partido Socialista não as tenha tomado. Entre estas encontra-se a resolução das situações relativas às carreiras e tempo de serviço de algumas profissões – como os professores – ou a revisão das condições de acesso ao Complemento Solidário para Idosos.
No entanto, o grosso dos sinais são negativos. É o caso da adoção de medidas socialmente regressivas como as reduções do IRC – que apenas beneficiam as grandes empresas – ou a criação da Garantia Jovem para aquisição de habitação – que coloca o Estado a financiar a compra de (mais) casas pelas famílias mais abastadas e contribuindo para o aumento dos preços da habitação. É também o caso da nova Lei dos Solos, que pode promover sobretudo a degradação ambiental e a especulação imobiliária. É também o caso do relançar de dúvidas injustificadas sobre a sustentabilidade da segurança social, sempre com a intenção velada de privatizar partes do seu funcionamento ou de reduzir a taxa social única paga pelos patrões. E é também o caso da forma acrítica como o Governo parece ter aderido à corrida ao rearmamento e a sua atitude titubeante face ao genocídio em Gaza perpetrado pelo governo de Israel. A inação em áreas fundamentais para a vida dos trabalhadores – de que a Saúde é o caso mais evidente – não pode ser também esquecida.
Os problemas que afetam os portugueses
Neste quadro, a BASE-FUT julga pertinente recordar os problemas que afetam os trabalhadores portugueses e as soluções que, cremos, lhes dão melhor resposta.
As relações de trabalho em Portugal continuam a ser marcadas por uma profunda desigualdade de recursos e de poder. A qualidade da negociação coletiva é baixa, fruto de um quadro legal adverso. A elevada incidência de doenças profissionais e acidentes de trabalho em Portugal são testemunha da prevalência de locais de trabalho marcados pelo autoritarismo e pela exploração. Mesmo ao nível dos salários, os ganhos dos últimos dois anos devem-se ao aumento consistente do Salário Mínimo Nacional, à escassez de mão-de-obra e à capacidade de luta dos trabalhadores em alguns setores. Não resultam, pois, de uma dinâmica de reequilíbrio de forças entre trabalhadores e patronato – e, como tal, são ganhos frágeis e que não compensam as perdas da última década e meia. É fundamental promover a sindicalização dos trabalhadores e a representação coletiva nos locais de trabalho, reformar a Concertação Social e reequilibrar o campo da negociação coletiva setorial – através da revogação da caducidade das convenções, da aplicação da sua renovação automática, da reintrodução do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador e da reversão da possibilidade de suspensão temporária das convenções.
O país continua a ser marcado pelas desigualdades – territoriais e outras – de acesso ao Serviço Nacional de Saúde, a que se acrescem golpes na confiança dos utentes dados por medidas como o encerramento periódico de urgências. Tudo isto tem aberto o campo ao engodo dos seguros de saúde como substituto fácil. É necessário pois reafirmar que a saúde é um direito fundamental e não um negócio. A experiência nacional e internacional demonstra que soluções universalistas – como o SNS – são, de longe, as mais eficazes e eficientes na provisão de cuidados de saúde às populações. E que, pelo contrário, modelos assentes em seguros privados e sistemas parcelares conduzem necessariamente a desigualdades profundas e a resultados medíocres. É, por isso, necessário reforçar o SNS com profissionais de saúde – médicos, enfermeiros e auxiliares – e oferecer-lhes melhores condições de trabalho, bem como investir em
equipamentos. Mas é também importante chamar privados e seguradoras à responsabilidade, regulando estritamente as suas práticas e preços.
O direito fundamental à habitação está hoje posto em causa para a maioria da classe trabalhadora, confrontada com um aumento exponencial nos custos do arrendamento e compra de habitação. A raiz do problema encontra-se no favorecimento da especulação imobiliária e a excessiva dependência de soluções de mercado para a provisão de habitação em Portugal. É, pois, fundamental aumentar maciçamente a provisão de habitação de qualidade a custos suportáveis para os trabalhadores – seja pela construção de novas habitações, seja pela recuperação de habitações devolutas ou degradadas. Tal implica um aumento da oferta de habitação pública – seja para arrendamento, seja para venda a preço de custo – e de um apoio renovado à constituição e operação de cooperativas de habitação.
É preciso desmistificar receios e recentrar o debate sobre a Segurança Social. Atualmente, o desafio para a Segurança Social portuguesa não é o da sustentabilidade financeira – que, graças às reformas da segunda metade da década de 2000, está garantida por muito tempo. É sim o de melhorar e alargar a cobertura da proteção que a Segurança Social oferece, incluindo a redução do prazo mínimo para acesso ao subsídio de desemprego e o financiamento adequado do sistema de cuidados aos idosos.
Portugal deu grandes passos nas últimas décadas para combater o seu atraso histórico na educação – uma das piores heranças do regime salazarista. No entanto, persistem importantes desigualdades de trajetos e oportunidades ligadas à classe social – em desfavor das crianças da classe trabalhadora – e à raça – em prejuízo, por exemplo, das crianças afro-descendentes e ciganas. Também os erros de planeamento, as restrições orçamentais e a generalização de lógicas de gestão empresarial na administração pública
levaram à escassez de docentes e à precarização das condições de trabalho dos trabalhadores não-docentes – em particular os auxiliares. É fundamental reforçar os mecanismos que permitem alocar recursos para as escolas situadas em territórios vulneráveis e garantir estabilidade e condições de trabalho dignas a todos os trabalhadores da educação, docentes e não-docentes.
A ciência e o ensino superior em Portugal têm trilhando um caminho rápido e alarmante rumo à um modelo neoliberal. Tendo sempre como pano de fundo um desinvestimento público não assumido, assiste-se à cobrança de propinas avultadas para mestrados e doutoramentos. As relações de trabalho nesta área são marcadas pela precariedade generalizada e pelo incentivar de práticas ultracompetitivas e predatórias entre os cientistas – esquecendo que a ciência é e sempre foi um esforço cooperativo. E cada vez mais se invoca o mercado como o que deve determinar o valor da ciência e da investigação e das diferentes áreas e subáreas científicas. É fundamental inverter esta situação, implementando a gratuitidade da frequência em todos os graus do ensino superior público, abrindo os espaços das universidades e politécnicos ao movimento associativo, oferecendo condições dignas de trabalho e acesso à carreira a todos os trabalhadores de ciência e defendendo a autonomia das agendas científicas face ao mercado. A ciência e o ensino superior em Portugal devem estar ao serviço do povo, não das empresas!
Alterações climáticas não podem cair no esquecimento
É com perplexidade que vemos o combate às alterações climáticas – fenómeno que ameaça toda a humanidade – quase cair no esquecimento. Ora, este combate exige mudanças profundas na forma como vivemos, produzimos e consumimos. Em vez disso, promove-se a ilusão de que, através da tecnologia, é possível manter o mesmo modelo económico destrutivo para o ambiente e para as pessoas. É fundamental romper com a ideia de crescimento infinito e promover práticas de produção, distribuição e consumo parcimoniosas e ambientalmente sustentáveis. Ao mesmo tempo, é fundamental
garantir que a transição energética não se faz criando “zonas sacrificadas”, seja pela destruição ambiental trazida pela exploração de recursos necessários às tecnologias ditas “verdes” – como é o caso da exploração do lítio em Covas do Barroso – seja pelo desaparecimento súbito de atividades económicas ditas “castanhas” sem qualquer preocupação de substituição por outras – como sucedeu no Pego.
É crucial refletir sobre o comportamento dos EUA sob a administração de Donald Trump, que assumiu de forma crua o paradigma da política internacional como o jogo de grandes potências. Mas, ao mesmo tempo, este comportamento levantou os impedimentos que existiam a uma política externa autónoma face aos EUA por parte da Europa e dos países europeus – uma política assente na neutralidade rigorosa face às grandes potências. Em vez de entrarem numa corrida cega ao armamento, Portugal e a União Europeia devem promover a construção de novas alianças diplomáticas assentes na promoção do multilateralismo e do primado do direito internacional como princípios da relação entre estados e na recuperação e reforço das Nações Unidas como o fórum privilegiado para a resolução de conflitos entre eles.
Xenofobia é repugnante
As políticas migratórias são outro tema que precisa de um recentramento do debate. Se a xenofobia é sempre repugnante, mais ainda o é num país de emigração como é Portugal! A vontade de alguém procurar uma vida melhor noutro país, para a si e para a sua família, é algo profundamente humano e que devia merecer toda a nossa empatia. Tanto mais na Europa, em que a miséria que obriga à migração é muitas vezes o resultado de uma experiência colonial e o produto de um sistema económico que favorece os países de acolhimento. Urge, como é óbvio, combater fenómenos como o tráfico de seres humanos. Mas neles, os trabalhadores imigrantes são as vítimas e não ameaças. Quanto ao resto, a luta dos trabalhadores imigrantes é a luta dos trabalhadores portugueses – e vice-versa. Acesso efetivo a habitação digna, à saúde e à educação,
combate à exploração no trabalho e pelo direito a ter ou reunir uma família, são causas que nos devem unir e nunca dividir.
A BASE-FUT apela assim ao voto de todos os cidadãos e cidadãs e, no caso dos seus e suas militantes, ao voto nos partidos cujos programas e práticas vão de encontro a estas preocupações.
Lisboa, 26 de abril de 2025
A Comissão Política Nacional