Cooperativas chegaram a construir oito mil fogos por ano!

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Manuel Tereso*

A Assembleia Constituinte, reunida em sessão plenária a 2 de abril de 1976, aprovou e decretou a Constituição da República Portuguesa (CRP), que no seu artigo 65º determinava que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”, para atingir esse desiderato ao Estado cabia, entre outras medidas, “incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respetivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e autoconstrução”.

 O percurso inicial

Foi com este estímulo da CRP, a par do fundamental e decisivo apoio prestado, naquela fase, pelo Estado através do então Fundo de Fomento da Habitação (FFH), e também pelo surgimento e arranque, em 1977, do Poder Local Democrático, o qual se revelou fundamental na promoção e desenvolvimento das virtualidades do sector, que se constituíram no País mais de 500 cooperativas de base do ramo habitacional, mais de 200 destas agruparam-se posteriormente em importantes estruturas locais e regionais de organização e promoção comuns, beneficiando assim de enormes ganhos de escala na sua ação, representatividade e sustentabilidade.

Processo de economia social

Nas décadas de 80 e 90 do século passado, nos anos de maior produção, calcula-se que tenha sido atingido o volume de produção de 8000 fogos/ano, e estima-se que o sector tenha edificado até agora, no seu conjunto, perto de 160.000 habitações, servindo com alojamento de iniciativa cooperativa cerca de 6% da população residente (600.000 pessoas).

Neste processo de economia social não se construíram apenas habitações. De uma forma geral, pelo menos nos projetos de empreendimentos com dimensão e escala adequados, foram inúmeros, diversificados e bem qualificados os equipamentos sociais produzidos e postos em funcionamento pelas cooperativas ao serviço dos seus membros, mas também da comunidade no seu todo, em áreas tão significativas e específicas que vão desde a infância aos mais idosos, do apoio social á educação, cultura, desporto até ao recreio e lazer.

Larga sobre oferta habitacional

Em todo este período apenas se lamenta o facto de o sector não ter conseguido gerar o necessário eco da sua importante missão de interesse social e económico nas importantes tarefas da reabilitação urbana e da promoção para arrendamento, para que outras missões pudessem ter sido confiadas ao sector, como foi insistentemente reclamado

A crise bancária do final da primeira década deste século que conduziu o País a uma enorme crise económica e social, determinou, a par da larga sobre oferta habitacional que o País registava, a inevitável consequência de desistência de um elevado número de cooperadores inscritos em Cooperativas com habitações em projeto, em construção ou até mesmo concluídas. Como consequência do acumular destas situações resultou o desaparecimento de um número significativo de cooperativas e as que se mantiveram ativas viraram o seu foco para atividades complementares, nomeadamente: gestão de condomínios, infância, geriatria, saúde e cultura e desporto. A promoção de habitação como atividade principal passou a ser residual.

Um novo fôlego

Desde o início da segunda década deste século, os sucessivos governos têm colocado nas suas agendas o regresso das cooperativas de habitação ao terreno, ainda que apenas na modalidade de propriedade coletiva. Lamenta-se a opção por um modelo sem experiências conhecidas, sem que se tenha feito a avaliação do trabalho realizado pelo modelo vigente, potenciando as suas virtualidades e saneando as suas debilidades.

Ainda assim e aproveitando a porta semiaberta pelos poderes públicos, as cooperativas de habitação para poderem tomar nas suas mãos um novo fôlego no relançamento das suas capacidades e potencialidades, com base nas experiências, capacidades adquiridas e resultados positivos alcançados com a sua ação durante mais de 40 anos de atividade, apenas pedem:

– A alteração do regime jurídico das cooperativas de habitação que vise considerar as habitações promovidas no âmbito da habitação a custos controlados (HCC), pertencentes ao parque público, com direito de preferência em transmissões futuras a ser exercido pela cooperativa, ou na sua ausência pelo IHRU ou pelo Município respetivo, por valores definidos conforme a lei, impedindo assim a especulação imobiliária dos fogos cooperativos para venda. Dessa forma garante-se que as poupanças dos cidadãos da denominada classe de rendimentos intermédios possam concorrer para o esforço nacional de combate às carências habitacionais identificadas. De caminho deve ser clarificado que a discriminação positiva decorrente da obtenção de benefícios e isenções fiscais deve ter aplicação não às cooperativas em si mesmo, mas às promoções por elas promovidas desde que cumpram os parâmetros e requisitos definidos para habitação a custos controlados;

E apoio público e formativo

– O apoio público, na forma de terrenos, património edificado e financiamento adequado, para construção/reabilitação de empreendimentos cooperativos para arrendamento, conjugados com promoção para venda (com reserva de propriedade) que sustente financeiramente os capitais próprios necessários para a parte destinada a arrendamento;

– Apoio à formação e desenvolvimento do “ideal cooperativo”, cumprindo-se assim o 5º princípio cooperativo (educação, formação e informação), tanto no que diz respeito aos dirigentes quanto aos cooperadores em geral. O momento exige uma ação concertada que permita capacitar os cidadãos “candidatos” a gerirem a nova geração de cooperativismo para a promoção de habitação acessível, mas também os cidadãos em geral que através da cooperação e entreajuda com outros concidadãos, com obediência aos princípios cooperativos, possam visar, sem fins lucrativos, satisfazer as suas necessidades habitacionais e que garantam o cumprimento do “ideal cooperativo.

Reforçar a Intercooperação

As comunidades e os cidadãos precisam de ser estimulados e apoiados no desenvolvimento de novos projetos de conceção inovadora e não apenas a chamada “habitação tradicional”, visando uma melhor resposta a toda uma nova geração de realidades/necessidades sociais e problemas atuais de realojamento, nomeadamente os direcionados para jovens, estudantes deslocalizados, outros residentes individuais, casais jovens, seniores ou mesmo idosos, compatibilizando boas soluções de projeto, de financiamento e de apoio ao funcionamento das respetivas atividades ajustadas e humanizadas às diferentes necessidades e competências dos interessados.

Agora como então, para cumprir o que determina o Artigo 65º da Constituição da República Portuguesa relativamente ao setor cooperativo, é necessário reforçar a intercooperação entre o Estado, o Poder Local e os Cidadãos agrupados em cooperativas.

 

*Presidente da Direção da Fenache

 

NOTA:Artigo inicialmente publicado no «Voz do Trabalho», nº 674, e aqui reproduzido com autorização e agradecimento ao autor e à Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos (LOC/MTC).

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