A Direção da BASE-FUT esteve reunida por video conferência e analisou os resultados das recentes eleições para a Presidência da República. Eis a síntese dessa reflexão:
«As eleições presidenciais de 24 de janeiro resultaram numa vitória expressiva do presidente em exercício, Marcelo Rebelo de Sousa, que foi reeleito com cerca de 61% dos votos. A BASE-FUT saúda democraticamente o vencedor e deseja-lhe felicidades no cumprimento do seu mandato. Esperamos, no entanto, que corrija vários aspetos da sua ação – em particular, a atenção quase nula que tem dedicado às questões do trabalho.
Para além da definição clara do vencedor, a interpretação dos resultados eleitorais deve ser feita com cautela. Estas eleições decorreram em confinamento, o que afetou severamente a campanha eleitoral e acabou por desincentivar a própria participação eleitoral. Por outro lado, o partido com maior representação na Assembleia da República, o Partido Socialista, optou por não apresentar candidato próprio nem recomendar aos seus militantes e simpatizantes que votasse em qualquer um dos candidatos existentes.
É certo que não devemos escamotear o mau resultado obtido pelos três candidatos à esquerda – e, em particular, daqueles que beneficiavam do apoio do seu próprio partido, como foi o caso de Marisa Matias e de João Ferreira. Voltámos a assistir à incapacidade de se construir uma candidatura comum e agregadora das esquerdas, sendo resultado disso a eleição de um candidato de direita pela quarta vez consecutiva. Dado o lugar crucial que a Presidência da República ocupa no nosso sistema político, tal é, sem dúvida, uma derrota assinalável para a esquerda. Só nós resta trabalhar para que o erro não se repita daqui a cinco anos.
No entanto, a dimensão desta derrota também não deve ser exagerada. Pela sua popularidade e exposição mediática únicas, o apelo da figura de Marcelo Rebelo de Sousa transcende o seu espaço político de origem e leva-o captar apoios no eleitorado de todos os partidos – apoio esse que terá sido maciço entre os eleitores do PS e do PSD, os dois maiores partidos portugueses. Nesse sentido, e face à divisão notória à sua esquerda, os números da vitória de Marcelo Rebelo de Sousa acabam por não surpreender. É uma vitória pessoal, sendo a sua votação muito superior à força dos partidos que formalmente o apoiaram, PSD e CDS.
A grande novidade acaba assim por ser a votação bastante relevante obtida por um candidato de extrema-direita. Muito se falou das votações relativamente elevadas de André Ventura em distritos que tradicionalmente votam maioritariamente à esquerda – em particular no Alentejo. Mas o que uma análise mais cuidada dos dados existentes sugere é que a votação de Ventura se fez muito mais através da captação das franjas mais reacionárias do eleitorado do PSD e do CDS – que sempre existiram nesses distritos – e de pessoas que habitualmente não votam por não se verem representadas nos partidos tradicionais do que propriamente de transferências diretas de eleitores que anteriormente votavam em partidos de esquerda.
No entanto, seria um erro ignorar o aviso que este resultado representa. Foi possível a André Ventura obter 11% dos votos manifestando desprezo pelos valores democráticos e pela constituição e recorrendo a provocações gratuitas através de declarações racistas, xenófobas, misóginas. E igualmente preocupante é que este resultado é um indicador forte da recomposição em curso da direita, que inclui o desaparecimento do CDS e uma nova radicalização à direita do PSD. É, com efeito, alarmante ver o entusiasmo com que o líder do PSD celebra os resultados de Ventura no sul do país. A ambiguidade de Rui Rio sempre que questionado sobre Ventura e o seu partido sugere que não terá grandes escrúpulos em franquear-lhe as portas do governo, se a matemática parlamentar assim o exigir. E uma eventual entrada de um partido como o Chega no governo deveria ser uma perspetiva aterradora para qualquer democrata, seja ele de esquerda ou de direita.
Mas não devemos ignorar que, apesar dos enormes avanços civilizacionais que Portugal conseguiu desde 1974, continua a existir em Portugal um terreno fértil para a demagogia. Um terreno que é irrigado pelos baixos salários, pela precariedade, pela falta de democracia no trabalho, pelas insuficiências do nosso sistema de proteção social, pela fraca progressividade do nosso sistema fiscal, pelo desinvestimento continuado nos serviços públicos de educação e saúde, pela tibieza das políticas públicas de habitação e pelas barreiras no acesso à cultura e ao lazer. A que se junta agora o isolamento e desespero induzidos pela pandemia e pelo confinamento.
Mas a resposta para estes problemas será sempre o aprofundamento da democracia política, social e económica e nunca um regresso ao autoritarismo. É por isso que as organizações de trabalhadores são mais fundamentais do que nunca. Organizações como a BASE-FUT, que chamam a atenção para estes problemas, dando voz às preocupações e constituindo-se espaços cruciais de articulação e promoção dos seus direitos e interesses.
A BASE-FUT tem, por isso, a obrigação de intensificar a sua atividade, apesar de todas as dificuldades que o atual contexto de crise sanitária acarreta. Nesse sentido, iremos realizar dois seminários internacionais já no próximo mês de março. E estamos também a organizar um conjunto de eventos de âmbito nacional e regional até ao verão, com vista à preparação do nosso XVII Congresso. Ontem como hoje, só os trabalhadores (e não os demagogos) libertarão os trabalhadores.
Lisboa, 10 de fevereiro de 2021
Os órgãos diretivos da BASE-FUT