-Papa Francisco e Movimentos Populares reflectem em conjunto desenvolvimento humano integral-Por FERNANDO ABREU.*
O Encontro convocado pelo Papa Francisco sobre Economia inicialmente previsto para Março passado, devido à pandemia, teve de ser adiado, pelo que a sua realização vai ter lugar entre 19 e 21 do corrente mês, na cidade de Assis.
O Encontro é dirigido a jovens economistas de idade inferior a 35 anos, professores, estudantes, empresários e gestores de empresas, e a responsáveis de movimentos populares promotores de atividades ao serviço do bem comum e da economia inclusiva.
O Convite do Papa Francisco foi recebido com assinalável interesse, traduzido em cerca de 2.000 inscrições na participação presencial, em representação de 115 países, nomeadamente de Portugal (Universidade Católica e Associação Cristã de Empresários e Gestores de Portugal).
O Encontro tem estado a ser preparado na maioria dos países, com destaque para aqueles em que os Movimentos Populares têm uma forte implantação e uma ação relevante, com destaque para os países da América Latina, sobre os quais pouco se escreve em Portugal.
Os Movimentos Populares, desde há anos que estão organizados a nível internacional no Movimento Mundial dos Movimentos Populares (MMMP) sendo constituído por Movimentos de países de todos os Continentes e por organizações de trabalhadores tão diversas como os Indignados de Espanha, o Sector Informal de Moçambique ou a Associação dos Juízes para a Democracia (Brasil).
Os precedentes Encontros dos Movimento Populares com o Papa Francisco ocorreram em Roma (2014), Bolívia (2015) e o último, de novo em Roma (2016). Foi na sequência destes Encontros que, há cerca de 6 meses, os dirigentes do MMMP receberam uma carta do Papa francisco em que referindo o atual momento de pandemia como de “muitas angústias e dificuldades” denunciava que os trabalhadores mais humildes e indefesos “foram excluídos dos benefícios da globalização” mas não dos seus danos, porquanto “os males que atingem a todos, a vocês atingem duas vezes”.
No final desta carta, o Pontífice convidava o MMMP para com ele refletir “sobre o projeto de desenvolvimento humano integral ao qual aspiramos”, Reflexão que teve lugar por videoconferência no passado dia 24 de Outubro, com a participação dos Cardeais Michael e Peter Turkson , respetivamente, subsecretário e o prefeito do Discatério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral e da representação do MMMP composta por dirigentes da União dos Trabalhadores da Economia Popular (UTEP-Argentina), Caminho Camponês (Brasil), Moradores das Favelas (India) e do Movimento Mundial dos Trabalhadores Cristãos (do qual é membro o Movimento dos Trabalhadores Cristãos/Liga Operária Católica de Portugal.
A reflexão centrou-se em três temas: 1)Terra, Teto e Trabalho, 2)Encíclica “Fratelli Tutti”, 3) Contribuição dos Movimentos Populares para o Encontro “Economia de Francisco”, tendo sobre este Tema o MMMP enviado à Organização do Encontro “Economia de Francisco” o documento intitulado Documento de los Movimientos Populares” que, na íntegra, poderá ser consultado em www.movpop.org.
Dada a sua extensão, propomo-nos destacar algumas das passagens deste documento que está organizado em cinco grandes eixos: 1. Ecologia Integral e bens comuns,2. Democracia Económica, 3. Terra, Teto e Trabalho, 4. Educação, saúde, comunicação e tecnologia, 5. Soberania, mobilidade humana e paz.
Documento que, segundo os autores, está elaborado na base dos antecedentes documentos resultantes de reflexões regionais e nacionais, bem como dos três Encontros Mundiais dos Movimentos Populares, pelo que pensam estarão em sintonia com a “ radicalidade” dos ensinamentos do Papa Francisco, que classificam como o pastor de povos que num diálogo “sem precedentes”… chama os mais pobres a serem protagonistas do seu próprio destino convocando-os a liderar o processo de mudança que necessita o conjunto da humanidade”.
É convicção do MMMP, expressa pela voz dos seus Autores, que a Mudança terá de passar pela superação da crise socio-ambiental imposta pelo sistema capitalista mundialmente hegemónico, o que implica a erradicação da idolatria do dinheiro que estrutura a economia global e as nossas vidas.
Reconhecem que a luta é desigual, porquanto o poder do dinheiro subordina os governos, amplia os privilégios das elites e reduz os direitos das maiorias, mas partilham da confiança na capacidade dos povos para resistir à injustiça e transformar a realidade, pelo que, entre outras, formulam as seguintes propostas tendentes ao desenvolvimento e aprofundamento do debate que motiva o Encontro de Assis:
Propostas dos Movimentos Populares
– Uma Reforma Agrária Popular em que a terra seja para quem a trabalha, com adoção da agroecologia e imposição de uma dimensão máxima de direito de propriedade agrícola, respeitadora das formas de organização social e de produção e dos direitos sobre os seus territórios, cultura e crenças dos povos nativos, indígenas e outros.
– Para que todos tenham direito a uma vida digna, propõem a Implementação do Rendimento Mínimo Universal, o pleno direito ao trabalho digno da população adulta e a proibição do trabalho de crianças e adolescentes até aos 16 anos(aos quais deve ser garantido o acesso à educação, ao desporto e à cultura)
–Para garantia do pleno emprego sugerem a redução dos tempos de trabalho diário para 6 horas/dia e 4/dias semana, medida que permitirá tempo para outras atividades, e a criação de empregos sociais e ambientais vocacionados para funções coletivas, tais como o cuidado de pessoas, vigilância de florestas e rios.
– Para a promoção da democracia económica, sugerem a adoção de uma nova moeda internacional emitida pelas Nações Unidas não sujeita ao controlo de nenhum Estado de modo a evitar as desigualdades internacionais e os ataques especulativos contra as moedas nacionais, assim como a eliminação dos paraísos fiscais que permitem aos mais ricos fugirem ao cumprimento das suas obrigações fiscais com prejuízo para toda a sociedade. E a implementação de uma política de impostos dirigidos às indústrias de armamentos e a todas as atividades que impliquem danos para a saúde física ou psíquica das populações.
– Contra as privatizações, propõem que seja mantido sob controlo dos Estados nacionais todos os serviços e bens que sejam considerados “essenciais” para a vida coletiva, tais como: água, minerais, petróleo, energia, terra, produção e abastecimento de alimentos, saneamento e transportes.
– Para garantia de vida democrática, propõem que todas as vozes sejam ouvidas e eliminados os monopólios dos diversos meios de comunicação.
– A Educação deve ser garantida a todas as pessoas e a todos os níveis de escolaridade, devendo ser adotado um processo educativo que proporcione uma outra dinâmica económica tendente a apoiar e desenvolver um padrão tecnológico de integração que desde a infância conduza à integração do ser humano com a natureza.
– Os Serviços de Saúde e os medicamentos devem ser garantidos a todas as pessoas e os fármacos não podem ser considerados como mercadorias ou objetos de lucro.
– O conhecimento científico deve ser declarado património da humanidade.
1o de Novembro de 2020
- Ex-Presidente e Fundador da BASE-FUT