Brandão Guedes*
Nos últimos tempos têm aparecido algumas pessoas e instituições a sugerirem um subsídio de risco para os trabalhadores de sectores de actividade mais expostos ao COVID 19, nomeadamente pessoal da saúde que está na primeira linha deste combate.As motivações podem ser generosas e os tempos são de emoções à flor da pele. Tais propostas merecem algumas reservas, pois o súbsídio de risco é polémico e perverso como adiante se referirá.
Aliás, em várias sessões de formação de segurança e saúde no trabalho tive ocasião de debater esta questão com activistas sindicais.Claro que onde existe subsídio de risco como mineiros, trabalhadores de limpeza, forças de segurança e outros não existe sindicato que proponha a sua supressão.Também não sugiro a sua supressão e sei que não seria compreendido por uma parte dos que recebem tal remuneração.Sempre é um acrescento às parcas remunerações destes trabalhadores.
Todavia, o subsídio de risco é perverso pois serve ,quase sempre, para legitimar condições de trabalho deficientes, nomeadamente de segurança e saúde no trabalho.A entidade empregadora, pública ou privada, ao pagar o subsídio de risco lava as mãos no que respeita a uma verdadeira promoção da segurança e saúde dos trabalhadores.
Por outro lado,neste momento quase todas as profissões são de risco, portanto, todos teriam direito ao respectivo subsídio.Ora, tal situação não tem sentido.Embora possamos compreender que um polícia ou um enfermeiro tenha um subsídio de risco também é verdade que tais profissões foram por escolha dos próprios.Por outro lado, se verificarmos as estatisticas dos acidentes de trabalho quem mais morre no trabalho, e a grande distância de outros profissionais, são os trabalhadores da construção civil.
O que efectivamente tem sentido é pagar salários dignos e justos a todos os profissionais tendo em conta a sua categoria, competência e empenhamento.Em vez de propôr subsídios de risco ao pessoal de saúde será melhor avançar com a valorização salarial destes trabalhadores e, em simultâneo, exigir condições de segurança e saúde no trabalho, nomeadamente com proteção colectiva e individual, exames médicos, horários e descansos normalizados.
O que a Constituição diz , bem como o regime juríidico da promoção da segurança e saúde dos trabalhadores (Lei 102/2009) é que todos temos o direito a trabalhar em condições seguras e saudáveis.Estas condições não podem ser trocadas por meia dúzia de euros de subsídio.Neste sentido insistir em propostas de subsídio de risco é perpetuar algo que já deveria estar extinto há muito tempo nas nossas relações laborais.
.A verdadeira reivindicação sindical não é exigir um subsídio de risco para uma profissão, mas antes exigir serviços de segurança e saúde que não sejam uma fraude, que avaliem efectivamente os riscos dos locais e postos de trabalho, que façam uma vigilância da saúde periódica e sempre que existam alterações nos locais de trabalho ou nos produtos e equipamentos.É instituir horários de trabalho que permitam o descanso e a conciliação da vida profissional , social e familiar.É combater as causas do stresse e do assédio!
Considero, no entanto, que determinadas profissões estão, não apenas mais expostas a riscos especiais, como a um desgaste mais rápido, para além do que seria a «normal» erosão do trabalho.As relações de trabalho do sistema capitalista estão em profundas mudanças, a competitividade e os ritmos de trabalho são enormes e temos segmentos de trabalhadores cada vez mais sujeitos a uma intensa exploração que se reflecte indiscutivelmente na sua saúde.Os profissionais de saúde em todo o mundo estão nestas condições.Os melhores remédios são a diminuição do tempo de trabalho para as 35 e 30 horas, ou quatro dias por semana sem cortes salariais, a diminuição progressiva da idade de reforma, a participação dos trabalhadores e das suas organizações na organização do trabalho para evitar que esta se torne patológica.
Se há matéria onde se pode aprender com esta pandemia do COVID 19 é na prevenção e promoção da segurança e saúde dos trabalhadores.Não podemos considerar mais a prevenção um custo mas um importante investimento social e económico.Um investimento que o Estado faz em saúde pública e que as empresas fazem na qualidade de trabalho e bem estar dos trabalhadores.
*Dirigente Nacional da BASE-FUT