O que nesse ano aconteceu mudou o rumo das nossas vidas e a História de Portugal.O movimento grevista que ocorreu no outono de 1973 na cintura industrial de Lisboa e do Porto continuou nos primeiros meses de 1974 envolvendo cerca de 100 mil trabalhadores.
No dia 1 de janeiro, Dia Mundial da Paz, Vieira Pinto, Bispo de Nampula, Moçambique, profere uma homilia sobre o tema «Repensar a Guerra».Este Bispo vigiado pela ditadura lançava mais uma acha para a fogueira da luta anticolonial, animando os milhares de católicos que se tinham organizado na oposição.
Mais tarde 11 padres combonianos são expulsos de Moçambique, bem como o bispo Vieira Pinto.A ditadura estava a perder a guerra no campo político e, na Guiné,também no campo militar.
Em março temos o «Golpe das Caldas» conduzido por parte do MFA, ou seja ,por uma parte dos militares mais ligados ao General Spínola.A coluna não chegou a Lisboa e voltou ao quartel naquela cidade.O general Spínola e Costa Gomes, outro general com ligações aos miltares revoltosos,são demitidos pela ditadura dos lugares que ocupavam na hierarquia militar.Entretanto, são presos vários militares por delito de reunião ilegal.
Na mesma altura ocorre um dos actos mais caricatos da ditadura.Uma homenagem da «brigada do reumático», constituída pela quase totalidade dos generais e altas patentes militares a Marcelo Caetano.
E chegamos ao luminoso dia do 25 de Abril com o derrube da ditadura pelo MFA seguido de um poderoso movimento popular.Sucedem-se por todo o País grandes manifestações de alegria.Entretanto, no seu estertor a polícia política mata na rua António Maria Cardoso, sede da PIDE, algumas pessoas, Fernando Gesteiro,J. Barreto, Fernando Barreiros dos Reis e João Rego Arruda.
As cadeias abrem as portas e os presos políticos podem abraçar em liberdade os seus familiares e amigos que se juntaram ansiosos nos arredores das prisões.
No 1º de Maio das nossas vidas realizaram-se manifestações de unidade por todo o País com mais de um milhão de portugueses, assinalando o Dia do Trabalhador que ficou, desde então, a ser feriado nacional.
O Movimento BASE, constituído na clandestinidade por quadros dos Movimentos Operários Católicos junta-se à alegria do povo nas ruas.
Um fantástico 1º de Maio em unidade!
Ainda nesse fantástico mês de maio foi fixado o salário mínimo e a Junta de Salvação Nacional, que apenas nos queria salvar de uma parte da ditadura, declara opor-se à ocupação de casas, considerando-as uma grave infração da ordem estabelecida.Tal não impediu que, nos dias seguintes, se registassem ocupações de casas por habitantes de barracas no Porto.
Por esta altura e no quadro geral de ocupações de casas vazias por gente que não tinha casa decente, o Movimento BASE ocupa em Lisboa e no Porto casas abandonadas que viriam a ser as sedes da BASE-FUT.
Entretanto, e ao contrário da Hierarquia Católica que se mantinha paralizada e espectante, realizam-se várias Assembleias Livres de Cristãos onde se debate a nova situação de liberdade e se combatem as ténues tentativas da formação de partidos da democracia cristã.Defende-se a tese de que os cristãos não devem criar partidos nem sindicatos confessionais,mas empenharem-se livremente onde bem entenderem.
JOC masculina e JOC feminina divulgam um comunicado conjunto sobre a nova situação de liberdade pela qual lutaram e dizem aos militantes que podem ter as suas opções políticas que entenderem mas que os movimentos católicos continuam a ser espaço de pensar a ação à luz da fé que os anima.
Movimento grevista imparável pela melhoria das condições de vida
PS e PCP ainda sem estratégia afinada assustam-se com o surto grevista que ocorre nas principais cidades e tomam posição crítica procurando que o movimento não se propague.O próprio ministro do trabalho, militante do PCP, vai à televisão para falar da não oportunidade das greves.A Intersindical manifesta-se contra a«greve pela greve».O caso mas grave foi o da greve dos CTT.Spínola exige a intervenção militar e parte da esquerda , PS e PCP/MDP está contra a greve que termina com a derrota dos grevistas.Porém, as greves atingem mais de 150 empresas e, por vezes, a greve dá lugar à ocupação.
Em julho ,inoperante pela ação popular,demite-se o governo de Palma Carlos forçado pela esquerda do MFA. E é criado o CPCON , força militar de intervenção rápida para intervir nos conflitos sociais e que veio a ser comandada pelo militar mais emblemático da Revolução Otelo Saraiva de Carvalho.
«Nem mais um soldado para as colónias»
Nas maiores cidades ,entretanto, os jovens estudantes e operários continuam a mnifestar-se contra a guerra colonial.«Nem mais um soldado para as colónias».Fotos dessas manifestações de jovens ficarão para sempre na História de Portugal!Era toda uma geração que repudiava a guerra e lutava pela liberdade.
A 27 de julho Spínola, contra a sua vontade, reconhece o direito dos povos coloniais à independência.Logo a seguir em Agosto os pides presos revoltam-se na cadeia com a cumplicidade de alguns militares.Choram lágrimas de crocodilo por causa das condições em que estavam presos.
Nos finais de Agosto celebra-se o acordo com o PAIGC para a independência da Guiné e Cabo Verde, onde Portugal já tinha perdido a guerra.
A 12 de setembro e com o País de regresso de férias milhares de operários da Lisnave manifestam-se contra o lok out, pelo direito de greve e pelo saneamento de elementos ligados à ditadura.A manifestação é proíbida e mandam uma força militar para impedir o impossivel pois os militares juntam-se aos manifestantes numa grandiosa manifestação de afirmação operária.
A «maioria silenciosa»
Ainda em setembro a situação agudiza-se.Grupos ligados à ditadura e de direita preparam uma manifestação chamada de «maioria silenciosa», tendo como objectivo o apoio a Spínola que estava a perder o controlo da situação a favor dos militares mais progressitas.Organizações de trabalhadores exigem a sua proibição mas o general mantem-na.São erguidas barricadas em pontos estratégicos por populares e partidos de esquerda que controlam todas as principais estradas.O COPCON acaba por se juntar à operação e desmobiliza por completo a manifestação prevista.
Perante esta derrota Spínola demite-se após um discurso dramático muito ao seu geito.Demitem-se também alguns membros da Junta de Salvação Nacional afectos ao general Spínola e constitui-se o III governo provisório.
Ocupações de terras e congressos para afinar estratégia
No último trimestre deste ano fantástico começam as ocupações de terras no Alentejo pelos trabalhadores agrícolas para combaterem o desemprego que aumentava assustadoramente por boicote dos latifundios que não queriam aplicar os contratos colectivos, entretanto acordados, deixando as terras ao abandono.
Contra os despedimentos, e dado o carácter político da maioria dos mesmos, o Movimento BASE divulga a 4 de setembro um comunicado«Contra os despedimentos responder com determinação às violências patronais».
Ainda ocorrem os congressos do Partido Socialista, que sofre uma cisão, e do PCP que aprova um programa muito moderado e que iria ficar rápidamente ultrapassado pela dinâmica social.O PSD também realiza o seu congresso onde pontificam elementos que formaram a ala liberal na assembleia nacional da ditadura como Sá Carneiro , Francisco Balsemão e Marcelo Rebelo de Sousa, hoje Presidente da República.
No campo católico , e com elementos destacados dos Movimentos da Ação Católica Operária é criada a BASE-FUT em plenário nacional, no INATEL da Costa de Caparica.A maioria esmagadora ds seus militantes estão empenhados nos sindicatos e movimentos populares.
Entretanto, o MFA ganha força e institucionaliza-se nas Foças Armadas.Será ele que vai conduzir o processo revolucionário e de democratização do País por alguns meses.
Premonitório um dos primiros comunicados da BASE -FUT dizia:” não haja ilusões que o 25 de Abril não é -não foi- a vitória da Classe Operária. É uma etapa -necessária- sem dúvida. Libertou-a, libertou todo o povo português da opressão política fascista, mas permanecendo o poder económico na mão dos capitalistas que ainda ontem (e hoje) eram os aliados dos fascistas, facilmente se conclui quão precária é a vitória dos trabalhadores…A luta contra a exploração não pode terminar…”
Entretanto, estava a chegar o ano mais conturbado que o País atravessou, que maiores clivagens provocou, mas também de grandes mudanças económicas sociais e políticas-1975.Portugal nunca mais seria o mesmo!