Francisco Rivas Gómez*
Com o fim da ditadura de Pinochet e com a chegada tão esperada da democracia, nós, chilenos, esperávamos que se iniciassem mudanças profundas para acabar com o abismo entre ricos e pobres e que se consolidasse uma democracia estável e participativa para que o Chile fosse um país livre e com justiça social plena para o seu povo.
Infelizmente, os governos de centro, esquerda e direita que governaram o Chile nos últimos anos não responderam às aspirações do seu povo. O fosso entre ricos e pobres manteve-se e, inclusivamente, aumentou. Também no âmbito político, onde os membros do Parlamento e os altos dirigentes da administração pública passaram a auferir de remunerações vergonhosas. Basta ver que os deputados chilenos, segundo os dados da OCDE, são os mais bem pagos do mundo – até mesmo mais do que os dos Estados Unidos. O salário mínimo mensal no Chile está fixado em 300 000 pesos (cerca de 350 euros) e as pensões sociais em cerca de 100 000 pesos (cerca de 115 euros) por mês. Já os salários dos deputados, altos dirigentes da administração pública e de empresas privadas situam-se na ordem dos 5 a 15 milhões de pesos (entre os 5 800 e os 17 500 euros) mensais.
Se a isto juntarmos as fraudes e roubos ocorridos nas forças armadas e nas instâncias partidárias, os escândalos nas nossas igrejas e as ações dos narcotraficantes – afetando especialmente os mais vulneráveis – chegou-se uma situação de saturação e raiva em muitos setores da sociedade chilena.
Perante a falta de respostas concretas às reivindicações dos cidadãos, gerou-se uma onda de manifestações pacíficas, pedindo soluções imediatas para problemas urgentes que afligem e preocupam os cidadãos: salários justos, pensões dignas, educação de qualidade gratuita, medicamentos a preços justos, cuidados, exames e tratamentos médicos rápidos e de qualidade, habitação social digna, agua e eletricidade ao alcance de todos, preços justos para os meios de transporte e portagens.
Lamentavelmente, na minha opinião, nem o Governo nem os partidos políticos nos ouviram nem levaram a sério o que as pessoas pedem com as manifestações e o bater de panelas. Não se pode continuar a permitir que manifestações pacíficas terminem em violência. A violência dos encapuçados, narcotraficantes, agentes externos e delinquentes comuns que se escondem entre os manifestantes pacíficos tem levado ao incêndio, destruição e saque de edifícios públicos, igrejas, monumentos históricos, lojas e, especialmente, pequenas empresas familiares. Tal só tem levado a mais pobreza e dor nas famílias com menos recursos e está a levar o Chile, a cada minuto, a uma situação cada vez mais difícil e perigosa.
Tanto o Governo como as forças de segurança têm o dever de zelar pela segurança das pessoas e dos seus bens – o que significa que, a continuar a violência nas ruas, será cada fez mais provável um confronto duro entre as partes envolvidas.
Já são de lamentar os muitos feridos – inclusivamente com perdas de visão – resultantes dos confrontos entre os manifestantes e as forças de segurança. Estas foram já objeto de denúncia por parte de organizações internacionais de defesa dos direitos humanas. Mas tem de se perguntar também o que dizem estas organizações a propósito dos atos criminosos e violentos dos supostos manifestantes contra os pequenos negócios familiares, que deixaram um sem número de famílias pobres sem os recursos necessários para o seu dia-a-dia – em especial, famílias numerosas, com filhos pequenos que necessitam de saúde, alimentação e educação.
Penso que é cada vez mais urgente convocar um referendo que permita ao povo pronunciar-se por uma revisão da nossa Constituição, modificando-a de forma a que nela sejam introduzas as reivindicações sociais que o povo chileno pede.
É igualmente urgente implementar as promessas feitas pelo Presidente da República do Chile quanto à regulação das pensões e salários, transportes, saúde, educação, combate ao crime, à violência e ao narcotráfico.
Finalmente, é também urgente e prioritária a solidariedade internacional em torno da luta por uma verdadeira justiça social para os nossos povos.
Santiago do Chile, 14 de novembro de 2019
*Presidente da Fundación de Desarollo Social y Cooperación Internacional – FUNDESCI