Moção de orientação sindical aprovada no XVI Congresso da BASE-FUT, em Seia, a 21/22 de maio de 2016:
«O último congresso da BASE-FUT realizou-se em plena crise económica e financeira sob uma pressão enorme do Memorando da Troika (BCE,CE e FMI) e de um governo do PSD/CDS que submeteram o povo português, e em particular os trabalhadores e reformados, a um empobrecimento violento, a uma desvalorização histórica do trabalho e do trabalhador e à erosão profunda dos serviços públicos. Nessa altura, porém, não se vislumbrava ainda o que nos viria a acontecer como país e como povo sob a liderança do governo mais à direita que tivemos em mais de quatro décadas de democracia.
- O quadro político
Nesses anos acentuou-se em Portugal, e em geral em toda a Europa, uma profunda regressão social com o aumento do desemprego, perda de direitos laborais e sociais, bem como uma fragilização das organizações de trabalhadores, nomeadamente através da dessindicalização e da precarização das relações laborais! As condições de trabalho pioraram, nomeadamente as condições de segurança e saúde com o aumento dos acidentes graves, afetando em particular as mulheres trabalhadoras. Os riscos ligados às novas tecnologias e a formas de gestão destruidoras da saúde e do equilíbrio entre a vida familiar e social do trabalhador aumentaram. O assédio como arma para despedir e o stresse crónico são realidades cruas num trabalho cada vez mais desregulado!
Durante estes anos registaram-se ações de resistência a estas políticas de empobrecimento por parte de importantes setores do povo português, sendo de destacar a ação do Movimento Sindical Português, em particular da CGTP e de alguns movimentos sociais, embora menos, infelizmente, da UGT que, defendendo uma política de negociação do «mal menor» claudicou em aspetos importantes dos direitos dos trabalhadores.
A nova situação política criada com os resultados das eleições legislativas de Outubro de 2015 foi de algum modo surpreendente para a maioria dos portugueses. Os partidos da esquerda portuguesa PS, PCP, BE e PEV, pela primeira vez em 41 anos, conseguiram realizar uma convergência inédita, estabelecendo acordos políticos que sustentaram um governo socialista. Reconhecemos que estes acordos, embora aparentando alguma fragilidade, foram fruto de uma análise realista da situação social e política em que nos encontramos após uma governação insustentável da coligação PSD/CDS e do programa de ajustamento da TROIKA (BCE, FMI e Comissão Europeia).
Passado mais de meio ano de governo PS sustentado pelos partidos da esquerda parlamentar já podemos avaliar como tem sido grande o cerco político ao mesmo por entidades nacionais e internacionais. Todas as forças interessadas na aplicação das políticas de austeridade não irão desarmar. O confronto social e político ao nível europeu e nacional vai continuar nos próximos tempos entre os setores que querem a submissão do trabalho ao capital e a concentração da riqueza numa minoria e os que lutam pela dignidade do trabalhador e pela distribuição da riqueza e justiça social.
- A importância das organizações de trabalhadores
É neste quadro de grandes dificuldades económicas, sociais e políticas que mais importância ganha o papel das organizações de trabalhadores como principal instrumento da justiça e diálogo social e democratização do trabalho e da sociedade.Com efeito, durante os anos mais duros da crise e do ajustamento o movimento sindical foi o elo mais forte da resistência às políticas de perda de rendimento do trabalho e de outros direitos laborais. Apesar das grandes perdas que tivemos é justo realçar e louvar o papel da maioria das organizações de trabalhadores. Neste sentido é preocupante a falta de participação sindical da maioria dos trabalhadores portugueses! Apenas um em cada cinco trabalhadores está sindicalizado. O distanciamento e até alheamento dos jovens trabalhadores dos sindicatos é sem dúvida uma questão que nos deve merecer a maior atenção! Seria bom estudar as razões desta situação. Num estudo da CFDT 75% das causas da desfiliação sindical tinham a ver com razões internas aos sindicatos. Cerca de um terço dos inquiridos sentiam-se abandonados pelas suas organizações: as quotas deixaram de ser cobradas, a secção sindical de empresa deixou de funcionar, ninguém atendia o telefone ou abria a porta na sede local do sindicato. Contudo estas não seriam as principais causas do divórcio entre os trabalhadores e os sindicatos. A principal razão de abandono da organização sindical era, no entanto, o desacordo face á divisão e à politização sindical.
2.1. As organizações de trabalhadores e a distribuição da riqueza
Com efeito, o papel das organizações de trabalhadores, e em particular do movimento sindical, pese as suas debilidades, continuam a ser fundamentais na construção de uma sociedade democrática e de justiça social. Através da contratação coletiva e de políticas reivindicativas, nomeadamente no campo salarial e fiscal, e em especial na defesa do aumento do salário mínimo, as organizações de trabalhadores contribuem para o combate à pobreza e promovem a distribuição justa da riqueza. Esta é a razão principal da aversão que os grandes interesses têm pelos sindicatos. Estudos da OIT revelam que nas sociedades onde existem sindicatos fortes também existe maior distribuição da riqueza e mais bem – estar no trabalho.
2.2.As organizações de trabalhadores e a democracia
Numa sociedade democrática as organizações de trabalhadores contribuem também para o aprofundamento da democracia, para a participação dos trabalhadores na vida laboral e social, no exercício da cidadania, na promoção de uma cultura crítica de solidariedade, de cooperação e de autonomia. Sem organizações de trabalhadores fortes e democráticas não há uma verdadeira sociedade democrática. Sem organizações de trabalhadores fortes e autónomas não existirá democracia nas empresas e serviços, reinando em muitos casos a submissão e o medo! O poder dos trabalhadores é assim fundamental numa sociedade democrática! O conflito e o diálogo social são realidades presentes nas sociedades democráticas e em particular no mundo do trabalho. O diálogo, porém, só é possível e justo quando existe equilíbrio de poderes, quando não existe dominação de uma das partes. Reforçar as organizações de trabalhadores é lutar pela democracia!
- A renovação das organizações de trabalhadores
Reforçar as organizações de trabalhadores, nomeadamente os nossos sindicatos passa também por ter uma posição crítica sobre as suas práticas e orientação no contexto social e político em que nos movemos! Temos sindicatos que priorizam a negociação com o poder, que recebem benesses, que assinam acordos que prejudicam seriamente os trabalhadores! Temos sindicatos que são sectários, verdadeiras secções partidárias de combate por uma linha política! Temos sindicatos que não passam de escritórios burocráticos! Temos comissões de trabalhadores que são a «voz do dono», delegados sindicais e de SST sem chama e sem voz.
Mas também sabemos que em Portugal a maioria das organizações são combativas, que defendem os direitos e interesses dos trabalhadores, delegados e dirigentes sindicais generosos e comissões de trabalhadores reivindicativos e autónomos. Temos, apesar de tudo, um dos movimentos sindicais mais independentes da Europa!
Num quadro difícil da relação de forças e de uma cultura pouco amiga da cooperação e do sindicalismo todos temos que fazer um enorme esforço de renovação. Renovação a fazer com as novas gerações de trabalhadores. A renovação passa pela confiança nos mais jovens, no combate ao sectarismo partidário e na promoção da unidade entre todos os trabalhadores nos locais de trabalho. A renovação passa por adaptar uma organização nascida para a indústria, mas que continua válida na sua essência, numa organização que tenha em conta a enorme evolução tecnológica e das relações laborais ocorrida nas últimas décadas!
4.Papel da BSE-FUT e os seus objetivos estratégicos
Tal como se afirmava no último Congresso a BASE-FUT continua com a herança de promover um sindicalismo autónomo, de base, reivindicativo, político e cultural em Portugal! Um sindicalismo não conformista e não obediente a partidos, governos ou religiões. As novas gerações de trabalhadores desconfiam de dirigentes que mais ou menos camuflados queiram submeter as suas organizações á orientação de qualquer partido. No sindicalismo autónomo e de base quem decide são os trabalhadores em assembleias e reuniões. As lutas, nomeadamente as greves, devem ser debatidas e votadas pelos trabalhadores! Os delegados e dirigentes não os podem substituir em decisões tão importantes.
4.1A BASE-FUT mantém assim como objetivo a promoção de um sindicalismo autónomo e de base como prática e estratégia que enforma toda a ação sindical, da base ao topo de qualquer organização. É um modelo sindical próprio, diferente do vanguardista e do reformista. As organizações de trabalhadores devem ser geridas pelos próprios trabalhadores; a autogestão é a pedagogia por excelência dos movimentos de trabalhadores. Mas a autogestão não é apenas uma pedagogia. É fundamentalmente uma proposta organizativa e política para uma sociedade evoluída que articula a diversidade, a igualdade e a democracia.
4.2.Mantém igualmente como objetivo a unidade dos trabalhadores e das suas organizações, na diversidade política, religiosa e filosófica existente nos trabalhadores. A diversidade é uma riqueza e torna a unidade um objetivo mais complexo mas muito mais criativo. Esta unidade na diversidade tem marcado a história da BASE-FUT que sempre defendeu este objetivo, bem como a convergência de todo o movimento sindical português, em particular a CGTP e UGT. A unidade reforça consideravelmente a luta dos trabalhadores num mundo globalizado onde aumentou o poder do capital. Daí a nossa aposta numa forte confederação europeia de sindicatos (CES) e na confederação sindical internacional como organizações de coordenação das lutas globais no confronto e diálogo necessários com o capital. À globalização do capital deve responder-se também com a globalização da luta pelos direitos dos trabalhadores e da solidariedade.
4.3. A luta pelo trabalho digno continua a ser o objetivo político-sindical da nossa Organização. Para nós o trabalhador é uma pessoa, isto é, ao nascer, e só por esse facto, já é sujeito de direitos fundamentais que são essenciais para o seu desenvolvimento como ser humano autónomo. O trabalhador jamais poderá ser um mero fator de produção, um recurso humano, como se diz na linguagem gestional dominante do capitalismo! O trabalho digno exige horários compatíveis com a vida familiar, social e pessoal do trabalhador, tempos de descanso e lazer, saúde e segurança no trabalho, salários justos e voz na orientação geral da empresa e da economia através de organizações próprias. Na luta pelo trabalho digno as organizações de trabalhadores são fundamentais! Esta luta pelo trabalho digno passa fundamentalmente pelas organizações de trabalhadores e outras instituições como algumas organizações nãogovernamentais e movimentos sociais onde agimos, bem como pelos meios de comunicação e pela ação formativa.
4.4. A informação e formação política dos trabalhadores é outro objetivo essencial. Existem importantes carências de formação política e laboral nos cidadãos portugueses, em especial nos trabalhadores, inclusive nos jovens trabalhadores! O aumento da escolaridade não trouxe um aumento equivalente de informação cívica e laboral. A maioria dos trabalhadores portugueses não conhece os seus direitos. É necessário um grande esforço na formação laboral e sindical, inclusive de ativistas e delegados sindicais. Uma formação que privilegie a ação reflexão, a aprendizagem experimental, o aprender fazendo. A nossa Organização tem uma larga experiência neste campo.
- Proposta de ação
Par alcançar estes objetivos e valores acima referidos no quadro dos parcos recursos existentes e a natureza militante e voluntária da BASE-FUT temos que definir um conjunto de ações prioritárias e passíveis de realizar. Estas ações serão fundamentalmente dinamizadas pela Comissão para os Assuntos do Trabalho-CAT, a equipa especializada para a coordenação da ação laboral e sindical da BASE-FUT. Assim, o nosso compromisso é no sentido de:
1 Promover e melhorar a formação e informação sobre os direitos dos trabalhadores portugueses e europeus através de colóquios, reuniões, folhas volantes, blogues e redes sociais;
Melhorar a formação sindical de ativistas sindicais e de outros trabalhadores através nomeadamente de um curso sindical anual;
Desenvolver o projeto europeu/EZA sobre os desafios da segurança e saúde no trabalho através do grupo de trabalho já instituído com vários parceiros; participar ativamente noutros projetos EZA de formação de trabalhadores europeus;
4 Desenvolver em Lisboa uma equipa sobre o trabalho precário e suas consequências para os trabalhadores e suas organizações;
Criar Folha informativa eletrónica sobre questões laborais, boas práticas empresariais e lutas dos trabalhadores;
6Criar núcleos regionais da CAT em Lisboa, Porto, Beiras e Região Centro Litoral; envolver o máximo de jovens trabalhadores nestes núcleos.
Apoiar os ativistas sindicais da BASE-FUT e das organizações de trabalhadores que nos solicitarem apoio, procurando afirmar a nossa corrente sindical, a de um sindicalismo autónomo, de base e reivindicativo.
Terminamos, tal como no Congresso de 2012, reafirmando o nosso empenho em contribuir para a melhoria das condições de vida e de trabalho dos portugueses. A BASE-FUT continuará a ser um espaço de liberdade e de cultura, um instrumento vivo de transformação social e de aprofundamento da democracia!
Seia, 22 de maio de 2016