Para o António Brandão Guedes , dirigente da BASE-FUT,* os movimentos de trabalhadores, em particular o Movimento Sindical, têm que relançar o combate cultural ,com um discurso sindical renovado que passa por ser autónomo e despartidarizado. Será necessário valorizar a participação dos trabalhadores nas empresas, bem como priorizar a luta pela segurança e saúde dos trabalhadores numa economia claramente patológica, a tal que mata…. Eis a breve entrevista:
Redação: A Base-FUT coordenou recentemente um Grupo de Trabalho Internacional sobre a promoção da segurança e saúde no trabalho (SST) como direito fundamental, apoiado pelo EZA e pela Comissão Europeia. Nos anos recentes houve mudanças para melhor no sentido de efetivar no terreno esse direito?
A .Brandão Guedes: Antes de mais quero realçar o extraordinário trabalho de todos os parceiros do Grupo de Trabalho. Tanto sob ponto de vista técnico-político como metodológico. Mudanças para melhor? Houve principalmente uma maior consciência dos riscos profissionais em alguns setores da sociedade, em particular sobre a importância e impacto dos riscos psicossociais. O stresse, o bounout e o assédio moral e sexual no trabalho são hoje mais conhecidos e com maior frequência abordados por estudos sociais e pela comunicação social. No entanto, continua a inércia e até negligência de toda a sociedade, e em especial do poder político, relativamente aos acidentes de trabalho e às doenças profissionais. Estão a subir, nomeadamente os mortais, em quase todos os países da UE. As lesões músculo-esqueléticas são uma praga e a maior doença profissional na Europa afetando em particular as mulheres.
Redação: No Relatório final o Grupo de Trabalho apresentou várias recomendações. Quais são os pontos críticos que exigem medidas urgentes?
A,Brandão Guedes: são vários os pontos críticos com destaque para a necessidade de melhorar o normativo europeu e nacional sobre a segurança e saúde no trabalho, tendo em conta a digitalização da economia , as alterações climáticas e os sistemas de notificação e certificação das doenças profissionais bem como a atualização da respetiva lista. Temos legislação avançada mas temos dificuldade em efetivar este direito no terreno, nos locais de trabalho ,públicos ,privados e sociais. As empresas optaram , na sua maioria por serviços externos, nascendo assim um negócio com centenas de empresas prestadoras de serviços que conhecem mal os locais de trabalho e os trabalhadores, As empresas ,vão pelo mais baratinho, pelo relatório anual obrigatório…Ora, sem uma avaliação de riscos competente dos postos e locais de trabalho, da organização empresarial, dos processos de trabalho, etc não se se consegue melhorar as condições de segurança e saúde. O Estado terá que ser mais exigente nesta matéria e a participação dos trabalhadores tem que ser reforçada.
Redação: Mas nessa efetivação não existem responsabilidades e desafios para as Autoridades Públicas e para os sindicatos?
A. Brandão Guedes :Claro que sim, mas a nossa Autoridade para as Condições de Trabalho não tem os meios necessários e a legislação foi elaborada para criar uma rede privada prestadora de serviços de SST que a ACT audita entre outras muitas tarefas.. As empresas, com honrosas exceções, investem pouco na SST porque pensam que é mais um custo e não um investimento. Há que penalizar severamente quem não cumpre a legislação de SST e deixa que ocorram acidentes graves nas suas empresas. Não me lembro de ter visto algum empresário ir para a cadeia por ter morrido um trabalhador ou trabalhadora na sua empresa .Os nossos juízes não estão atualizados nestas matérias com algumas exceções, claro! E puxam sempre para um lado….
Por outro lado, os sindicatos terão que priorizar a reivindicação da SST como um direito fundamental ,quer na rua quer na negociação coletiva. Não se pode morrer por querer ganhar a vida com o nosso suor! Há que melhorar a lei da eleição dos representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde no trabalho, estipular o dobro de horas para a sua ação e tornar obrigatória a eleição de comissões de segurança e saúde no trabalho nas empresas acima de 50 trabalhadores. Por outro lado, a formação em SST deve ser obrigatória no setor privado, público e social para trabalhadores e chefias.
Está aqui um bom tema para se relançar o combate cultural, com autonomia, para sair do discurso partidarizado do costume, de promover o combate pela saúde mental, o grande desafio destes próximos anos ,em particular nos jovens trabalhadores. Estes têm uma relação diferente com o trabalho e prezam o bem estar no trabalho.
Redação: E o papel da participação dos trabalhadores nestas matérias?
A. Brandão Guedes: Essa é outra grande questão para os sindicatos se renovarem e para uma estratégia ofensiva. Portugal é o primeiro país para pior ,ou seja, onde existe menos participação dos trabalhadores na promoção da SST. Ora, sem participação dos trabalhadores, nomeadamente na avaliação de riscos , não se conseguem objetivos, Será deitar dinheiro à rua! Os sindicatos terão que fazer uma grande campanha nacional para promover e dinamizar a eleição de representantes para a segurança e saúde no trabalho, terão que dar um murro na mesa, nomeadamente no conselho de ACT onde estão representados. Repara que mesmo nas cúpulas a participação dos trabalhadores vai diminuindo e ninguém diz nada. Extinguiram o Conselho Nacional de Higiene e segurança e Saúde no Trabalho, onde participavam as organizações sindicais e calaram-se, extinguiram o Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais com as organizações sindicais na gestão e calaram-se, sendo este substituído por um departamento da Segurança Social! Há anos que existe um Conselho na ACT que não anda nem desanda, nem uva nem parra! Ora, as convenções da OIT e o normativo europeu sobre a matéria enfatizam a participação dos trabalhadores como essencial!
Redação: e os sindicatos?
A. Brandão Guedes: Sem organização sindical e sem um sistema de representação dos trabalhadores as condições vão piorar nas empresas. Existe hoje uma corrente gestionária que utiliza o assédio como forma de gerir os trabalhadores, define objetivos inalcançáveis, quer os trabalhadores sempre conetados. São empresas doentias que fabricam trabalhadores doentes. O absentismo é muito grande, quase cinco milhões de dias perdidos por ano em Portugal, e são inúmeros os trabalhadores, nomeadamente na Administração Pública que se quer reformar antecipadamente! A maioria das doenças que afetam os trabalhadores são causadas ou relacionadas com o trabalho.no entanto não são reconhecidas como tal!
Esta enorme inércia dos governos, mesmo os da «geringoça», apenas pode ser perturbada pela ação ação e luta sindical, por um outro posicionamento das organizações sindicais, sensibilizando a opinião pública, os jovens trabalhadores precários, as mulheres e os imigrantes que são os que mais sofrem!
NOTA: O Grupo Internacional de Trabalho sobre a «Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho como Direito Fundamental no Quadro do Pilar Europeu dos Direitos Sociais foi coordenado por dirigentes da BASE-FUT e teve a LOC/MTC e a FIDESTRA como parceiros nacionais, a USO e o CEAT de Espanha, a CFTC de França e o IFES da Roménia como parceiros internacionais. O projeto foi apoiado pelo Centro Europeu para os Assuntos dos Trabalhadores e pela UE.