Manuel Joaquim de Sousa, da cidade do Porto, foi sindicalisa do sector do calçado e viveu nos finais do século XIX e parte do século XX ,morrendo em Lisboa em 1944.Era um autodidata e escrevia para vários jornais populares, nomeadamente chegou a ser director do jornal operário «A Batalha», órgão da Confederação Geral do Trabalho (CGT), a histórica Central Sindical da qual também foi secretário geral.
Ao escrever as suas memórias fala-nos a dado momento de uma situação que viveu enquanto jovem ainda, a peste bubónica, e que, tendo algumas semelhanças com o que estamos a viver hoje,são, porém, enormes as diferenças nos aspectos sociais e de saúde.
«A peste bubónica, em 1899, alterou a vida na cidade pacata.Uma após outra, as fábricas encerraram-se e milhares de operários foram lançados à rua.Pelas estradas que saíam do Porto, famílias, com as suas malas e arranjos,abandonavam a cidade.Havia Pânico e clamor geral.O dr.Ricardo Jorge era vituperado e amaldiçoado por toda a gente.Para uns havia peste, para outros não havia, apesar de serem mandadas isolar casas e famílias depois de descoberto o primeiro foco na Rua da Fonte Taurina, no Barredo.Com esta doença havia então quem especulasse politicamnte.O Jornal de Notícias, então do Partido Regenerador, alarmava a população e concitava-a contra aquele médico e contra o governo progressista.O Hospital Joaquim Urbano (Goelas de Pau) era visto com horror.O Primeiro de Janeiro, do partido do governo, defendia aquele médico e as suas medidas profiláticas.Mas, como estava na oposição, o Jornal de Notícias tornou-se mais popular e a massa ignara aceitava as suas críticas sem desconfiança.A multidão dos descontentes cresceu, os recursos de cada um iam desaparecendo e o governo teve de tomar medidas.Principiou por mandar distribuir senhas de meio tostão, preço de uma refeição na Cozinha Económica, então nuns barracões das Carmelitas.Essas senhas só chegavam, porém, a uns tantos, número muito reduzido em relação á grande massa faminta….
Vários grupos lançaram-se na mendicidade.As senhas a nada chegavam e a mendicidade era mais rendosa.O exemplo vinha já da greve dos tecelões de 1895.Alguns destes trocaram a profissão pela de pedintes…..» (Memórias de Manuel Joaquim de Sousa in Últimos Tempos de ação sindical livre e do anarquismo militante, Antígona,1989)