“TRABALHO XXI” E A REVISÃO DAS LEIS LABORAIS

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ENQUADRAMENTO E CONTEXTO

O pacote legislativo “Trabalho XXI” representa uma das mais profundas alterações ao Código do Trabalho português das últimas décadas, abrangendo mais de 100 artigos e vários diplomas legais.

O Governo apresenta estas mudanças como modernização, mas as organizações sindicais denunciam-nas como uma contra reforma neoliberal, regressiva e prejudicial aos direitos laborais conquistados na pós-democracia.

PRINCIPAIS ALTERAÇÕES E IMPACTOS

  • RESTRIÇÕES AO DIREITO À GREVE: Amplia-se a obrigatoriedade de serviços mínimos a vários setores essenciais (lares, creches, saúde, abastecimento alimentar e segurança privada), esvaziando o impacto das greves e transferindo o poder de decisão para o patronato e o Estado. Este movimento é criticado por enfraquecer a capacidade de luta dos trabalhadores e criar perigosos precedentes para novas restrições.
  • DESREGULAÇÃO DOS HORÁRIOS DE TRABALHO: Reintrodução do banco de horas individual e alargamento do banco de horas grupal, permitindo flexibilização extrema dos horários ao sabor dos interesses patronais, dificultando a conciliação entre trabalho e vida familiar e deteriorando a saúde dos trabalhadores.
  • PRECARIZAÇÃO E LIBERALIZAÇÃO DOS CONTRATOS: Agravamento do regime dos contratos a termo (extensão da duração máxima, novos motivos para contratação a termo, facilidade para contratar reformados e outros grupos vulneráveis), alargamento dos contratos de muito curta duração e desagravamento das penalizações ao trabalho temporário. Institucionaliza-se a precariedade como regra, ampliando a incerteza e dificultando o planeamento de vida dos trabalhadores.
  • LIBERALIZAÇÃO DO OUTSOURCING E DOS DESPEDIMENTOS: Revogação de limites à subcontratação após despedimentos coletivos, tornando mais fácil substituir trabalhadores por outros com menos direitos e salários mais baixos, promovendo o dumping salarial. A facilitação dos despedimentos é reforçada pela revogação de mecanismos de fiscalização e pela criminalização do uso de autodeclarações médicas, agravando a desproteção dos trabalhadores.
  • FRAGILIZAÇÃO DOS DIREITOS SINDICAIS E DA CONTRATAÇÃO COLETIVA: Limitações à liberdade sindical, restrições ao direito de reunião e à divulgação de informação sindical nas empresas, agravamento das condições para a caducidade das convenções coletivas e maior margem para os empregadores escolherem a convenção aplicável.
  • MERCANTILIZAÇÃO E REDUÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS: Institui-se a possibilidade de “compra” de dias de férias com correspondência a redução salarial, legaliza-se o pagamento de subsídios em duodécimos e cria-se o incentivo ao emprego para empresas que pagam baixos salários, perpetuando uma estrutura salarial insuficiente.
  • NEGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO TRATAMENTO MAIS FAVORÁVEL: Generaliza-se a negação de direitos mais favoráveis em domínios como o trabalho suplementar e o teletrabalho.
  • RETIRADA DE PROTEÇÕES EM SITUAÇÕES DE VULNERABILIDADE: Elimina-se o direito ao luto gestacional e transfere-se a justificação de faltas para regimes familiares, promovendo uma cultura de vigilância e desproteção em situações delicadas.

OBJETIVOS E CONSEQUÊNCIAS ESTRUTURAIS

  • Redução dos custos laborais e transferência dos riscos sociais do patronato e Estado para os trabalhadores.
  • Enfraquecimento do movimento sindical e fragmentação coletiva.
  • Mercantilização de direitos fundamentais como greve, descanso e saúde.
  • Aumento da precariedade, dualização do mercado de trabalho, deterioração das condições de vida e fragilização da coesão social.
  • Regressão civilizacional e risco de explosão social face ao ataque a direitos constitucionais e democráticos.

REAÇÕES E ESTRATÉGIAS DE OPOSIÇÃO

  • Patronato considera as propostas uma boa base de negociação.
  • Sindicatos (CGTP, UGT) denunciam tentativa de assalto a direitos e enfraquecimento das garantias laborais.
  • Mobilização sindical unitária, sensibilização pública, pressão parlamentar e articulação internacional são estratégias essenciais para travar a contra-reforma.

CONCLUSÃO

Esta reforma, apresentada como modernizadora, é uma perigosa regressão histórica e um retrocesso civilizacional que segue a lógica da desregulamentação neoliberal.

Num momento em que assistimos ao crescimento das forças de extrema-direita e populistas, tanto no Parlamento como na sociedade e perante uma ofensiva governamental excecionalmente agressiva, é preciso encontrar compromissos de ação convergente, privilegiar o diálogo construtivo, no respeito pela autonomia de cada organização, e coordenar a estratégica face aos desafios presentes.

Há pois que trabalhar-se um urgente processo de aproximação e entendimento entre todas as correntes sindicais com apego à Democracia, que permita uma resposta eficaz à contra reforma laboral.

A oposição organizada e a apresentação de propostas alternativas que apontem para a melhoria e o reforço das leis laborais, é fundamental para impedir o desmantelamento dos direitos laborais e sociais conquistados no período democrático, alertando para as consequências sociais e políticas de uma eventual aprovação das medidas propostas.

 

Ulisses Garrido / Avelino Pinto. (Amigos de Aprender) Julho 2025

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